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"...És homem, não te esqueças! Só é tua a loucura onde, com lucidez, te reconheças." Miguel Torga
Les Petits Chevaux de Tarquinia
Sous la chaleur écrasante d'un petit village d'Italie, au bout d'une route, au pied d'une montagne au bord de la mer, deux couples passent des vacances comme chaque été. Gina et Ludi, Jacques et Sarah et leur enfant , ainsi que d'autres personnes qui gravitent en électrons libres : Diana une amie ; la bonne indisciplinée et son douanier ; Jean aussi, l'homme au bateau que nul ne connaît. Ils se baignent, discutent, mangent le sempiternel menu infâme de l'hôtel, sirotent d'innombrables bitter camparis, transpirent, se déchirent, se trouvent parfois, s'ennuient beaucoup, portés par la routine de leur indolence quotidienne. Dans la montagne, au-dessus du village, un jeune homme a sauté sur une mine. Ses parents sont venus récupérer les morceaux dans une caisse à savon. Ils veillent là-haut, le temps de faire un deuil qu'ils ne parviennent pas à accepter. L'épicier du village leur tient compagnie avec des histoires vraies et rêvées qui lui permettent de tenir debout.
Un roman figé dans une torpeur accablante de chaleur où l'oisiveté est la seule occupation. On s'ennuie ensemble, on partage ses solitudes, on affronte en palabres vides des amours larvées qui s'étouffent, se cherchent pour les uns dans l'adultère, pour d'autres dans la liberté d'un voyage à Tarquinia. Le désir d'amour est au centre de l'œuvre, de chaque vie surtout féminine, si différente et si commune. La représentation qu'elles ont de l'amour, des relations amoureuses. La torpeur est source de dépouillement. Elle ramène chacun aux fondements de son être, aux assises de son existence : le désir, le manque, l'amour, la reconnaissance de son existence, le sentiment d'exister. Elle est déréliction. Que faire de soi et de la liberté ? Qu'être sans l'amour de l'autre ? L'amour absolu étant impossible, il n'empêche que le désir d'amour ne connaît pas de vacances. Il est une source de conflit latent et peut mal vieillir. Seul l'amour maternel échappe aux questionnements et redonne sa place à l'amour de l'homme.
Ces histoires bercent comme un chant, une litanie où ne subsistent que des mots récurrents qui tendent à dégager une atmosphère lourde et pesante. Marguerite Duras déploie ce style si particulier qui cultive l'ellipse, l'ambiguïté et l'intuition. Les événements et les décors sont dorénavant réduits au minimum et le dialogue, direct ou indirect, devient un élément fondamental. Les hésitations, les reprises nombreuses, les répétitions permettent d'insérer des zones de silence qui se rapprochent de la vérité de personnages incomplets, incertains. Ce niveau d'abstraction et la large ouverture de l'écriture au dialogue, y compris ses absences, ont facilement permis le passage des oeuvres au théâtre et au cinéma. "Marguerite Duras accepte crânement la tragédie de son sujet sans jamais s'en laisser accabler. Ce livre est un roman de ressources. Il éclate de richesse et, dans cet éclatement même, se contient. Les personnages y sont précipités dans une cruauté qui ne dément pas et qui, pourtant, les laisse entièrement libres de leurs choix. Comme de leur exigence. Ce parti pris peut déplaire à certains. A moi il apporte la joie précieuse d'une lecture om les mots vont toujours plus loin que le masque de leur sens extérieur, où le sous-entendu, où le suggéré sont à ce point cursifs que l'apparence est d'autant plus ombreuse et d'autant plus prodigue de mystère qu'elle se veut plus linéaire."
Raymon Guérin in Humeurs.
CANTAR A LIBERDADE
«Trova do Vento que Passa»
Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.
Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.
Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.
Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.
Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio -- é tudo o que tem
quem vive na servidão.
Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.
E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.
Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.
Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).
Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.
E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.
Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.
E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.
Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.
Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.
Manuel Alegre
Gaivota
No corpo seco a camisa de quadrados adeja em balão. As calças voejam quais velas ao vento. O casaco castanho abre-se de par em par lembrando as portadas de uma janela. Os parcos cabelos cinzentos esvoaçam em desalinho. O rosto fino de traços gastos perscruta o penhasco. Pisa a terra húmida sulcada de veios salgados.
E o mar ruge a sua canção de memórias. O olhar esquadrinha aqueloutro verde que se enrola e ulula em lamento Sente a alma expandir-se. O desassossego surdo do seu sentir transborda. A espuma ligeira espraia-se na praia deserta. Está só. Ele e as gaivotas que desfloram as ondas e depois vêm dançar sobre a sua cabeça grasnando a vitória da vida.
Aspira a humidade marítima. Afila o pensamento e cruza os braços sobre o peito. A memória varre-o acutilante. Dói o recordar, soluça o tempo. Uma gaivota plana de asas abertas Segue-a com o olhar. Entreabre os lábios ao movimento posterior do pescoço. Um reflexo. O vento açoita-o. Aperta o casaco contra si e caminha.
A gaivota imita-o. Desce e poisa na areia molhada. De costas para as ondas. Não a seu lado., mas atrás. Ligeira e breve meneia-se debicando o ar. Os passos do homem são as suas pegadas. Traços triangulares na areia embebida de sal e espuma.
O vento sopra rude no rosto do homem. Fustiga-lhe os olhos que lacrimejantes enrolam o sal do dia. Na gaivota, o vento, penteia-lhe o branco das penas.
E o mar escancarado rebola-se em fúria. Ondas verdes, crispadas entrechocam-se e rebentam estrondosas no areal frio. O eco irado do mundo. A consciência aquosa do Ser. O deslizar por entre os altos e baixos da vida e o eclodir final das tensões. Tão simplesmente, ali em toda a geografia líquida. Vogar por entre as águas num ribombar de emoções, rebentar em ondas fortes e possantes ali mesmo na praia deserta. Recolher de novo e recomeçar. De mansinho, serenamente e, engrossando, engrossando até que a explosão vem de novo vomitar o areal. Assim sempre, imutável e perene.
O mar.
A gaivota olha o Homem. Minúsculos botões negros inquisitivos. A consciência do momento. Não lhe responde. À liberdade não se responde, segue-se.
De repente param. Perscrutam-se, avaliando-se. Medem-se.
Ela ladeia o pescoço enrolando a cabeça, o bico movimenta-se como se murmurasse o chamamento, e ei-la a esvoaçar. Plana em linha recta no areal. Grasna o seu cantarolar vivo. Assim repetidas vezes, até que o homem larga o seu mutismo, deslaça os braços e, compondo os óculos que teimam em descair-lhe, grita:
-Julgas que é fácil seguir o vento, julgas? Julgas que não queria ser pássaro e partir? Julgas? Julgas que não sei que a raiva me consome? Julgas que não cuspo o silêncio? Tudo é fácil para ti. Tudo. Não tens lutas, não tens que sobreviver. Não tens! Ah como agonio em cada manhã, quando tenho que olhar a gente, quando tenho que compor a figura e disfarçar-me de Homem. Eu sou um lobo, um solitário, preso na alcateia do mundo. Desprezo-a e amo-a. Pertenço-lhe e ela pertence-me. Ah! Rasgo-me em cada noite ao ouvir os uivos vazios dos lobos meus irmãos, quando lhes saboreio a hipocrisia dos actos e sorrio ao embuste .Ah, o orgulho impede-me de rasgar a mentira. E pactuo. E de novo em cada madrugada a raiva irrompe qual nascente, cresce num novelo duro de arame que me segura e dilacera. A chaga do sentir. Não suporto a contradição. Sou Lobo. Sou solitário. A alma não me transmuta. O corpo é a minha caverna. O meu sentir é a minha essência, a minha razão é o crivo dos meus dias. Latejam-me as têmporas, dói-me o pensamento e salgam-se-me os sentidos. Deixa-me, deixa-me. Sabes? Não tenho asas, não tenho ousadia, não te esqueças que sou lobo. A minha alcateia espera-me!
E a gaivota num grasnar ensurdecedor planou para o mar desflorando onda que a tomou.