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Alguém que ama a vida e odeia as injustiças

31 março, 2020


Um Vírus
Joana encolhe-se no sofá na exata medida em que o tropel das notícias vindas da televisão a envolve. Não são boas. Nestes dias, não o são. Joana é jovem, mas tem medo. Medo do que acontece. Medo do mundo que desconhece. Medo do hoje fechado no amanhã sem vidraças. Ainda não tem medo da morte. Joana é jovem. Luís sentado diante do computador procura trabalhar. Procura a concentração que foge. Sobre a superfície preta da mesa o androide não pára. Já lhe cortou o som, contudo de vez em quando não resiste e espreita. Espreita as mensagens que caem. Inequívocas, plangentes e numéricas. Luís até gosta de números, gosta muito, mas destes não. Não gosta dos números da doença e menos ainda dos da morte. Luís é novo, porém já espreitou nas vidraças do amanhã. Sonhou amando o amanhã. Fez planos quando a vidraça era limpa, quando o mundo ainda era igual. Hoje os vidros estão turvos e do outro lado há o vazio. Luís tem na mente a incerteza dos dias e na boca o gosto acre do medo. Luís tem medo.
Marta cai redonda sobre o banco. As pernas teimam em desobedecer-lhe. O corpo treme. O olhar perde-se e as mãos? As mãos caem perdidas sobre as pernas sentadas. Marta abana a cabeça. Tem dez minutos. Dez minutos de descanso. Como se dez minutos bastassem para apagar o caos. Como se o tempo parasse e o mundo voltasse ao antes. O estetoscópio desliza do pescoço, também ele quer espreitar o descanso. Marta já viu muita doença caminhar pelos corredores. Por mais terrível que fosse percebiam-lhe a fisionomia e os traços. Agora são enganadores, possuem uma dinâmica agressiva. Parecem o que não são, sendo o que são. E assim, sendo o que são, tornam-se parasitas da vida..Marta levanta-se, estica-se, compõe a máscara, calça luvas limpas e vai de novo à labuta. Quem a vê repara nos círculos negros, no arrastar de pés e nos gestos febris. Ainda não vai parar desta vez, há que continuar na intermitência do lugar e da vida durante estas doze horas de turno. Medo? Talvez, o medo de não vencer e de cair também.
 António encosta-se ao vidro da varanda, a ligação com o mundo de lá fora. António tem setenta e picos anos e está só. Não tem ninguém. Só mais o eco de si mesmo. Noutros dias tinha família, depois tudo foi embora. Ele ficou porque o tempo assim o quis. Agora o tempo muda o mundo Muda na rotina das vontades, nos paradigmas construídos em tempo de vertigem; na fiabilidade do paradigma económico; na prosopeia do dinheiro; na fragilidade do desígnio político; na desregulamentação dos mercados, na intensificação dos fluxos financeiros, na abertura das economias às trocas internacionais; no aparecimento de novos e complexos produtos financeiros, bem como a realização de operações financeiras cada vez mais intrincadas; na invencibilidade do poder; na mesquinhez dos círculos; na crença da frivolidade em contraponto à negação da valoração dos sentimentos humanos que não as pieguices ocasionais e bacocas numa valoração quase viral de afetos fáceis.
António murmura algo, algo inteligível, algo que vem de dentro num suspiro limpo. Algo que o faz mexer e olhar mais além. Não tem medo da doença, nem da morte. Gosta da vida apesar das suas linhas retorcidas. Tem a noção limpa que o tempo tem um princípio e um fim. Tem a experiência do tempo. De onde viemos, ficamos e iremos. Abana a cabeça e dirige-se para o seu pequeno-almoço.
Isabel já não tem idade. Foi invadida. A agressividade inunda-lhe o corpo. Sabe o que tem, sabe o que sente, sabe quase tudo. O antes e o depois. Isabel não pensa, luta. Quem luta não se pode estiolar em pensamento. Tudo se resume à luta da vida. Aqui e agora. Não há medo. O medo veio no inicio depois, mais medo e só fim a luta. Será inglória? Será? Na vida a força, a união, a entreajuda, a cumplicidade, a disponibilidade e o sentir mitigam, amparam e vencem barreiras, estabelecem laços e criam fronteiras de amor próximo. Na morte dão-se as mãos, varrem-se as dores e renasce-se. Hoje e ontem o mundo mudou. Joana, Luís, Marta, António e Isabel não são apenas personagens de um texto, mas antes heróis do nosso mundo em sofrimento. O mundo gritou e o Ser Humano tremeu. O respeito deve começar na casa onde o pai alberga e ama o filho. Aprendamos a lição que já vai sendo tempo. As epidemias grassaram ao longo dos milénios, e nos não somos senão o produto quase final dessa sobrevivência. Cumpramos as regras, sejamos atentos e ativos. Sejamos conscienciosos para que exista sempre um Amanhã Livre.
 Maria Teresa Soares
24-3-2020

07 março, 2020

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Para todas as mulheres no seu Dia
Mulher.Papoila,
Mulher papoila de pétalas rubras e estames breves. Mulher de coração quente que amassa o vento da vida em grutas pulsantes. Papoila vergada no vai e vem dos dias; papoila breve e leve de pólen esvoaçado na dádiva do amor. Mulher semente.
Mulher Rosa
Espinhosa, coquete, efémera e bela. Rosa- mulher -menina de jeito delicado e pestanas em asas de mariposa num entrechocar de zunzum coquete e delicioso; Pétalas de cetim em jeito de adorno;
Mulher rosa rubra de pétalas envolventes, frementes e luxuriantes, qual artista no trapézio do desejo. Olhos abertos, boca húmida e mãos que acariciam prenhes de Amor. Mulher -feiticeira das ilusões
Mulher Cravo
Firme e recortada. Múltiplo de pétalas coloridas em cálice de porvir. Cravos brancos, rosa, amarelos e rubros. Cravos que propalam o perfume forte e doce da força da vida. Mulher de vontade, de conceitos, de Ser em essência, de Estar para Ser.
Mulher Giesta.
Esculpida no vento, dançada no tempo. Mulher Giesta que brota por entre as fráguas de terra dura, singela e forte para mais tarde sorrir em lágrimas de amarelo e branco vestindo de luz e esperança os caminhos dos dias; Mulher Giesta que ondula e se empertiga ao vento  mas não esmorece na vontade de vencer.
Mulher Urze.
Espontânea no seu lidar, serena no seu tato. A Mulher -Urze de todos os dias, das noites em branco, dos dias chorosos, das dores sentidas, do mundo em redor; Mulher que sara, ampara, limpa e dá cor ao mundo.
Mulher-Mãos
Mulher que lava, cozinha, semeia, penteia, sova, tricota, desenha, pinta, escreve e acaricia. Mulher de duas mãos, de mil corações, de vontades sem fim e Alma rubra. Mulher.
Mulher-Mãe
Mulher flor, mulher matriz, mulher semeada em fruto gerado, mulher continuada no sémen do Amor. Mulher de gestos doces e carícias no olhar. Mulher máter
Ah, mas ser  tudo isso, papoila, rosa, cravo , giesta ou urze, mãos , mãe e tanto mais, é  ser a  força, é  ser a luta, é  ser  a lágrima rolada,   é ser  a alegria, é  ser  a razão  do mundo, é  ser  a dor ,  é  ser o quebrar, o erguer e o crescer é   ser  a renúncia e o crer, é  ser  o A mor e  o Porvir;   é tudo   e o nada do mundo porque ser Mulher é ser a Vida
Maria Teresa Soares
7-3-2020