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Alguém que ama a vida e odeia as injustiças

17 fevereiro, 2014

Vicente

As estórias vestem-se e despem-se de acordo com o vento da alma. Há dias em que a roupa pesa, outros, porém, em que a nudez brilha. Nesta veste que despe, Vicente vestiu o capote, calçou as galochas e fez-se  aos dias.
Na calçada varrida de lama não havia o palpitar das sentires, nem o correr dos passos vivos, nem o matraquear das vozes perdidas e muito menos o buzinar dos carros apressados. Havia sim, a imensa neblina da vida. Vicente de galochas e capote pardo carregou pesadamente os passos na lama, trilhou as ruas vazias, apertou os lábios num esgar perdido e, sem alma, correu nas margens do rio frio. Depois, perdida mas afincadamente despiu o capote, descalçou as galochas e mergulhou. Mergulhou na corrente.
Uns dizem que se afogou, outros dizem que nadou até à outra margem, conta-se ainda que nas redondezas, do outro lado do rio, vive um tal de Vicente, Homem-Novo e justo que cresce na medida dos dias ,será?
 Até hoje não foi encontrada a alma do capote nem das galochas de nome Vicente.

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09 fevereiro, 2014

Uma Casa na Escuridão


 


             Uma Casa na Escuridão
      
 «Então, fechei os olhos com força e fixei-me no que via. Esta era uma das coisas que fazia desde pequeno,    que tinha descoberto por acaso e que imaginava ser eu a única pessoa a fazer no mundo. Fechava os olhos e via. Via o que se vê com os olhos fechados (...) Isto é o que se vê quando fechados os olhos e continuamos a ver: a cor negra e os pequenos seres de luz que a habitam. E não se consegue olhar fixamente nem para o negro nem para a luz. Os pontos ou as linhas ou as figuras de luz fogem da atenção. O negro é tão absoluto, tão profundo, tão infinito que o olhar avança por ele sem encontrar um lugar onde possa deter-se. Mas, naquela noite, comecei a distinguir algo dentro desse negro.»

04 fevereiro, 2014

Canção na Plenitude



Canção na plenitude
 "Não tenho mais os olhos de menina nem corpo adolescente, e a pele translúcida há muito se manchou. Há rugas onde havia sedas, sou uma estrutura agrandada pelos anos e o peso dos fardos bons ou ruins. (Carreguei muitos com gosto e alguns com rebeldia.) O que te posso dar é mais que tudo o que perdi: dou-te os meus ganhos. A maturidade que consegue rir quando em outros tempos choraria, busca te agradar quando antigamente quereria apenas ser amada. Posso dar-te muito mais do que beleza e juventude agora: esses dourados anos me ensinaram a amar melhor, com mais paciência e não menos ardor, a entender-te se precisas, a aguardar-te quando vais, a dar-te regaço de amante e colo de amiga, e sobretudo força — que vem do aprendizado. Isso posso te dar: um mar antigo e confiável cujas marés — mesmo se fogem — retornam, cujas correntes ocultas não levam destroços mas o sonho interminável das sereias." O texto acima foi extraído do livro "Secreta Mirada", Editora Mandarim - São Paulo, 1998
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20 janeiro, 2014

"Aprender a dominar é fácil, a reinar difícil.". Johann Goethe.