Quem sou eu

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Alguém que ama a vida e odeia as injustiças

22 maio, 2013

Sentires

Sentires

Rio, rio e rio porque choro,

Choro, choro e choro porque vivo

Em sentir de ti.

Rói-se o corpo nu

Rebobina-se o coração em latejar de alma despida,

E busca-se o sentido na vida,

Do tempo nosso passado- futuro,

 Em presente reinventado,

Cadeado de amanhãs por nascer.

Crime de alma em arco-íris de pensamento,

De ferruginosas chaves travado.

Mão estendida em rito excitado de vida,

O olhar escancarado em fome

De Ser.

-Ah, quisera sentir!

-Ah quisera que os meus dedos enrolassem 

Teus desejos perdidos,

E que meu sentir fosse cesto de bagos líquidos

Na caverna do teu Ter.

Ah como choro rindo num sentir não perdido.

De mim sem ti!
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10 maio, 2013

"Minha solidão não tem nada a ver com a presença ou ausência de pessoas… Detesto quem me rouba a solidão, sem em troca me oferecer verdadeiramente companhia…"

Friedrich Nietzsche

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01 maio, 2013


O cavalo

Teus poros exalam o fumo
Do lar dos deuses de onde vieste.
Rompante de espuma e de lume
És sol quadrúpede ou mar equestre?



Desfilando derramas o ouro
Do teu rio inacabável,
Desmedido relâmpago louro
De um deus equídeo possante e frágil.

Tudo existiu para que fosses
No contraluz desta madrugada
Mitológica proporção perfeita
Em purpúrea bruma recortada.

Pois que te é divino mister
Humanos olhos extasiar
A dúvida é só perceber
Se vieste do sol ou do mar.



Natália Correia
Poesia Completa
Inéditos 1985/90
Publicações Dom Quixote
1999
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14 abril, 2013

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 Qui dove il mare luccica
e tira forte il vento
su una vecchia terrazza davanti al golfo di Surriento
un uomo abbraccia una ragazza
dopo che aveva pianto
poi si schiarisce la voce e ricomincia il canto:

Te voglio bene assai
ma tanto tanto bene sai
è una catena ormai
che scioglie il sangue dint'e vene sai...

Vide le luci in mezzo al mare
pensò alle notti là in America
ma erano solo le lampare
e la bianca scia d'un'elica
sentì il dolore nella musica
si alzò dal pianoforte
ma quando vide la luna uscire da una nuvola
gli sembrò più dolce anche la morte.
Guardò negli occhi la ragazza
quegli occhi verdi come il mare
poi all'improvviso uscì una lacrima
e lui credette d'affogare.

Te voglio bene assai
ma tanto tanto bene sai
è una catena ormai
che scioglie il sangue dint'e vene sai...

La potenza della lirica
dove ogni dramma è un falso
che con un po' di trucco e con la mimica
puoi diventare un altro
Ma due occhi che ti guardano
così vicini e veri
ti fanno scordare le parole
confondono i pensieri.

Così diventò tutto piccolo
anche le notti là in America
ti volti e vedi la tua vita
come la scia d'un'elica.

Ah si, è la vita che finisce
ma lui non ci pensò poi tanto
anzi si sentiva già felice
e ricominciò il suo canto:

Te voglio bene assai
ma tanto tanto bene sai
è una catena ormai
che scioglie il sangue dint'e vene sai...
Te voglio bene assai
ma tanto tanto bene sai
è una catena ormai







11 março, 2013


Adágio

Repõe o sonho o que o dia consome;
à noite, quando a vontade sucumbe,
afloram forças libertas
acompanhando divinos pressentimentos.
Murmuram bosque e rio, e através da alma esperta
um relâmpago cruza o céu de azul de noite.
Dentro e fora de mim
é o mesmo: somos um, o mundo e eu.
A nuvem flutua em meu coração,
sonha meu sonho o bosque,
contam-me a casa e a pereira
as esquecidas sagas de uma infância comum.
Em mim ressoam rios e ensombram-se barrancos,
são companheiras íntimas a lua e as estrelas pálidas.
E a benfeitora noite
que sobre mim se inclina com nuvens macias
tem o semblante de minha mãe,
e sorrindo me beija com amor inexaurível,
sonhadora balança como nos velhos tempos
a adorável cabeça, e seus cabelos
pelo mundo flutuam, e estremecem
em palidez inquieta as milhares de estrelas.

Hermann Hesse

05 março, 2013

 
"SÊ"
Se não puderes ser um pinheiro, no topo de uma colina,
Sê um arbusto no vale mas sê
O melhor arbusto à margem do regato.
Sê um ramo, se não puderes ser uma árvore.
Se não puderes ser um ramo, sê um pouco de relva
E dá alegria a algum caminho.

Se não puderes ser uma estrada,
Sê apenas uma senda,
Se não puderes ser o Sol, sê uma estrela.
Não é pelo tamanho que terás êxito ou fracasso...
Mas sê o melhor no que quer que sejas
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06 fevereiro, 2013

Há quem diga...

Há quem diga que todas as noites são de sonhos.
Mas há também quem garanta que nem todas, só as de verão. No fundo, isto não tem muita importância.
O que interessa mesmo não é a noite em si, são os sonhos. Sonhos que o homem sonha sempre, em todos os lugares, em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado.
(Sonho de uma Noite de Verão)

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21 janeiro, 2013


A grandeza do homem consiste na sua decisão de ser mais forte que a condição humana.
Albert Camus
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14 janeiro, 2013

06 janeiro, 2013

19 dezembro, 2012

Será Natal?



Será Natal?

No Natal escrevem-se palavras doces. Dizem porque é Natal. No Natal o que é doce crepita e o acre, o amargo, o doloroso arde. É a diferença entre ter e não ter, entre ser e não ser. Porque é Natal.
António mora na rua dos sonhos vazios. Algures na abóbada da escuridão e na luz das estrelas em noites limpas. Mora lá porque não tem casa. Mora porque não tem emprego nem família. Um estado de vida de um país vazio de dias limpos.
Maria não mora na rua porque tem uma cama num quarto aguado de nada. Levanta-se logo que a tinta do dia pincela a noite, veste a roupa coçada, molha a cara na água gelada bebendo as primeiras gotas que por sinal é também o primeiro alimento do dia. Depois desce à rua para palmilhar um quarto da cidade. Bolsos vazios, rosto fechado porque não moram mais sonhos dentro da alma.
Luís é velho. Velho de anos e de tudo. Vive onde calha. Vive por viver. Não tem porque não há nada para ter. Luís não chora porque é homem, é velho e não tem lágrimas. Secaram. Luís tem trabalho mas não tem dinheiro. Vive do que lhe dão. Dizem que é a solidariedade. Dizem.
Joana é criança. São dez anos. Olhos fugidios que escondem o ardor da barriga vazia mais o tremor do corpo melado de suor de fome. É segunda de madrugada. Ainda faltam horas para a escola. Horas para o pão mais o leite da manhã. O fim-de-semana é longo numa casa onde apenas corre o vento do desalento. Infância roubada.
Rita trinta anos. Dois cursos. Nenhum trabalho. Vive na casa que a viu crescer entre o pai e a mãe que comem a sopa aguada e fazem as reformas curtas, crescer. Rita acredita que o futuro vem a caminho. Não viu que o amanhã parou numa Europa para lá dos Pirenéus.
José, o mais português de todos, perdeu o que afinal nunca chegou a ter porque nunca o chegou a pagar. Não teve tempo. O tempo atraiçoou-o. Desliza na fila do centro de emprego na vã busca de uma ocupação. Nada. O nada de ontem, de anteontem, de hoje, de amanhã e depois e depois, somam-se impiedosos ao tempo vazio que é o seu presente.
Gente que habita o meu mundo. O teu, o nosso mundo. Não o deles. Gente tolhida entre um passado breve, um presente vazio e um futuro que não virá. Gente do meu pais, gente que amo, porque sou eu, tu, ele, ela, nós. Somos todos. Somos gente. Não somos estatísticas, decretos, falácias ou peças de oratória. Nos nossos estômagos não moram as palavras, coabitam sim, os sucos que os fazem roncar de tanta fome.
Natal de brilhos, árvores, presentes, sorrisos e calor. Onde pára? Perdeu-se também?
 E as gentes passam, passos breves em calçadas puídas de desejos. E as gentes mal sorriem porque não há nada para sorrir. E as gentes suspiram não pelo frio nem pela chuva mas pela dor, pelo engano, pelo desalento, pela fome e pela amargura a que as sujeitaram. Um povo quase violado.
Amanhã será Natal. Dizem. Será mesmo?

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05 dezembro, 2012

Poema de Natal
Vinicius de Moraes

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.



O poema acima foi foi extraído do livro "Antologia Poética", Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1960, pág. 147.

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04 novembro, 2012

Ternura

Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor
seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentando
Pela graça indizível
dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura
dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer
que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas
nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras
dos véus da alma...
É um sossego, uma unção,
um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta,
muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite
encontrem sem fatalidade
o olhar estático da aurora.




Vinícius de Moraes

19 outubro, 2012

Manuel António Pina


. . Algumas Coisas

A morte e a vida morrem
e sob a sua eternidade fica
só a memória do esquecimento de tudo;
também o silêncio de aquele que fala se calará.

Quem fala de estas
coisas e de falar de elas
foge para o puro esquecimento
fora da cabeça e de si.

O que existe falta
sob a eternidade;
saber é esquecer, e
esta é a sabedoria e o esquecimento.

Manuel António Pina, in "Aquele que Quer Morrer"

27 setembro, 2012

Igual-Desigual

Eu desconfiava:
todas as histórias em quadrinho são iguais.
Todos os filmes norte-americanos são iguais.
Todos os filmes de todos os países são iguais.
Todos os best-sellers são iguais
Todos os campeonatos nacionais e internacionais de futebol são
iguais.
Todos os partidos políticos
são iguais.
Todas as mulheres que andam na moda
são iguais.
Todos os sonetos, gazéis, virelais, sextinas e rondós são iguais
e todos, todos
os poemas em verso livre são enfadonhamente iguais.
Todas as guerras do mundo são iguais.
Todas as fomes são iguais.
Todos os amores, iguais iguais iguais.
Iguais todos os rompimentos.
A morte é igualíssima.
Todas as criações da natureza são iguais.
Todas as acções, cruéis, piedosas ou indiferentes, são iguais.
Contudo, o homem não é igual a nenhum outro homem, bicho ou
[coisa.
Ninguém é igual a ninguém.
Todo o ser humano é um estranho
ímpar.
Carlos Drummond de Andrade, in 'A Paixão Medida'. .

16 setembro, 2012

02 setembro, 2012

Da Realidade


Da Realidade
Que renda fez a tarde no jardim,
Que há cedros que parecem de enxoval?
Como é difícil ver o natural
Quando a hora não quer!
Ah! não digas que não ao que os teus olhos
Colham nos dias de irrealidade.
Tudo então é verdade,
Toda a rama parece
Um tecido que tece
A eternidade.

Miguel Torga, in 'Nihil Sibi'
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20 agosto, 2012

Sobre saudades de um pai...

Sobre as saudades de um pai...
São cinco anos, quase... ou de quase cinco anos... são longos anos.
Não sabia bem o valor, aliás só se reconhece o sentir quando se torna um sentir só.
Cinco anos.
Tantos e tão pouco na minha vida. Tanto de querer sem ter e Pouco de ter sem muito querer.
O tempo não apaga, o tempo corrói, lenta e subtilmente. As lembranças de ontem são as imagens que a memória tem ainda. Desvanecem-se na neblina dos dias e fica-se só, dorido, enxague de amor.
Pai dói porque eu ainda vivo.


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14 agosto, 2012

O Mar é longe, mas nós somos o vento

mas

O mar é longe, mas somos nós o vento;
e a lembrança que tira, até ser ele,
é doutro e mesmo, é ar da tua boca
onde o silêncio pasce e a noite aceita.
Donde estás, que névoa me perturba
mais que não ver os olhos da manhã
com que tu mesma a vês e te convém?
Cabelos, dedos, sal e a longa pele,
onde se escondem a tua vida os dá;
e é com mãos solenes, fugitivas,
que te recolho viva e me concedo
a hora em que as ondas se confundem
e nada é necessário ao pé do mar.


Pedro Tamen, in "Daniel na Cova dos Leões"


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02 agosto, 2012


Não há Nada que Resista ao Tempo.Não há nada que resista ao tempo. Como uma grande duna que se vai formando grão a grão, o esquecimento cobre tudo. Ainda há dias pensava nisto a propósito de não sei que afecto. Nisto de duas pessoas julgarem que se amam tresloucadamente, de não terem mutuamente no corpo e no pensamento senão a imagem do outro, e daí a meia dúzia de anos não se lembrarem sequer de que tal amor existiu, cruzarem-se numa rua sem qualquer estremecimento, como dois desconhecidos.
Essa certeza, hoje então, radicou-se ainda mais em mim.
Fui ver a casa onde passei um dos anos cruciais da minha vida de menino. E nem as portas, nem as janelas, nem o panorama em frente me disseram nada. Tinha cá dentro, é certo, uma nebulosa sentimental de tudo aquilo. Mas o concreto, o real, o número de degraus da escada, a cara da senhoria, a significação terrena de tudo aquilo, desaparecera.

Miguel Torga, in "Diário (1940)"
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16 julho, 2012


.."Palavras breves são as melhores e as palavras velhas, quando breves, são as melhores de todas."
Winston Churchill

14 junho, 2012

Depois de Amanhã (VI)

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…………………….

O comboio parou.
Olha por entre a janela e distingue somente dois vultos, que apressados sobem para as carruagens. Rapidamente a plataforma fica vazia. O escuro da noite tapa os contornos. Apenas os azulejos debitam umas figuras, vestidas de sombras escuras. A noite é escura. Não deveria, pois ainda é Outubro. O mês das penumbras, porém está mesmo escuro. Instintivamente encolhe-se. A noite sente-se fria e ventosa. A chuva miúda varre de quando em vez o ar. Uma daquelas noites em que o sofá mais a manta de quadrados vermelhos e pretos lhe fazem as delícias. Oh como já sente saudades do quente do seu cantinho mais de Manuel!E não chegou ainda.Chegar e partir parece que fora parte da sua vida.As coisas têm sempre uma dimensão diferente quando estão longe. Parecem mais doces, menos reais. A dificuldade entre o que os olhos vêem e as palavras sentem.A percepção e a sensibilidade. Dois sentidos que se completam sem nunca se encontrarem.-Engraçado -pensa Sofia - Porque será que estas duas andam sempre em paralelo quando afinal são gémeas…1962.A noite resvala por entre os copos e os pratos. Sentada na mesa ao lado da mãe e Luís, Sofia mal consegue manter os olhos abertos. Sente o corpo descer pela cadeira. Mesmo em frente, a mãe com aquele olhar, que sempre a faz sentir em falta.Bolas, é só sono. Depois aquele vestido azul com gola de renda, pica-a. Detesta-o. Os sapatos caem-lhe dos pés. E não gosta daquela comida. Tudo muito vermelho e esquisito.Que vontade tem de estar na caminha, no seu quartinho. Mas não, tem que estar ali. A mãe está feliz. Ri-se, ri-se até parece tonta. Só de vez em quando lhe lança aquele olhar que a faz tremer. A mãe olha em redor feliz. Tem brilho, o olhar. Está mais bonita ainda. A mãe é muito bonita. Tanto que a faz olhar. Tem uma cara com vida e um sorriso cheio. Um olhar doce para os outros e acusador para ela. Hoje a mãe está linda. Muito. Sofia sorri entre as pregas do sono. A Mãe e o Luís vão dançar. Ela fica-se a olhar. Deita a cabeça na borda da mesa. Entre os bracitos cruzados. O ninho do seu mundo. Ali fica, quase embalada pela música que crepita, e o sono que a invade enquanto o ano nasce.Amanhã quando acordar tudo será igual. É assim o tempo. Só muda quando a gente muda ,e ela é ainda uma criança…