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Alguém que ama a vida e odeia as injustiças

22 dezembro, 2010

17 dezembro, 2010

Era uma vez...

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Era uma vez…

Uma estrela amarela que escorregou do azul-escuro e veio estatelar-se no movimento do mundo. Era a estrela do desejo.

Levantou-se, aprontando-se nas pontas, saltou de um lado para outro experimentando o empedrado do passeio e ,saltitando ,seguiu atrás da mulher que passava. Podia se ter colado mas não quis, apenas desejou segui-la, num toc-toc de passos miúdos.

A mulher ágil, morena e de olhar encovado seguiu o seu caminho por entre os outros. Sabia o seu destino. Sabia qual o meandro a seguir. Conhecia o seu desejo. A estrela acompanhou-a numa inércia desconhecida, mas expectante. Era novidade este percurso, tão diferente do azul lá de cima, sempre igual, sempre sereno. Aqui mexia-se, A estrela do desejo sentiu-se viva. Conheceu a sua própria dimensão ao dilatar o olhar, ao beber o seu fôlego ,ao poisar na mulher morena, ao aspirar-lhe o odor de fêmea.

À volta o mundo girava. Aqui e ali. Uns que vinham outros que iam. O vai e vem dos passos. A estrela embalada no movimento elástico do corpo da mulher deixava-se conduzir. O mundo abria-se nas suas pontas. Era uma sedução se sentires. A estrela suspirou enroscando-se.

Veio outro dia e outro e mais outro e a estrela tonta de vício doce foi -se esquecendo do azul lá de cima. Tinha simplesmente fechado a persiana do antes com presente. O seu agora estava ali, junto da mulher morena de voz e corpo macio, onde tudo tinha a perspectiva do momento vivido, onde sentia o pulsar da sua incandescência.

A mulher continuava no seu caminho de passos miúdos sob o toc-toc de uns pés gastos de caminho. A mulher não sentiu a estrela. Sentiu-se a si mesma. Sentiu um arrebatar de sentidos. Pensou que era a dona do presente. Sorriu ao poder que a absorvia, ao prazer simples da manipulação, à vitória do desejo. Foi assim que a mulher morena cresceu na tarde de sol tímido e persianas entreabertas.

A estrela estonteada, redonda de si, levantou-se e olhou pela persiana entreaberta. O sol descia algures para lá dos montes tristes. Naquela tarde de rosas sem cheiro caiam lágrimas do ar. Não eram doces, sabiam a amargo, sabiam a desejo vazio. A estrela recostou-se nas suas pontas, já gastas de tanto caminho volátil almejando pelo seu espaço sem sobressaltos. Como voltar, pensou? Ela simplesmente caíra, como regressar?

A encosta de retorno antevia-se árdua e dilacerante. Tinha que voltar mais que não fora pelo seu espaço, mais que não fora pelo seu passado, mais que não fora por si, pelo seu desejo que precisava de renascer, esgotara-se na dança dos passos junto da janela de persianas entreabertas em tardes de sol desmaiado.

No seu canto de azul senta-se e olha, pensa. O seu fulgor de outrora esvaiu-se. Perdeu-se. A queda, talvez. Olha em redor, rolando levemente uma ponta, que ainda teima em refulgir pese o opaco das outras. É nesse pedaço de luz que se firma, é nele que faz renascer a sua vontade, o seu pundonor. Já não acredita em passos breves mas ainda treme. A estrela do desejo é vã. É fraca. É a vida. Pobre estrela desejo cujo sonho foi efémero. Como irá sorrir se o seu sonho morreu?

Amanhã, talvez, amanhã, ou depois, ou num outro dia ainda, as rosas em Maio tenham perfume.


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15 dezembro, 2010

12 dezembro, 2010

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É comum a ideia de que os velhos são os conservadores típicos e os jovens são os inovadores. Não é bem assim. Os conservadores mais típicos são os jovens, os que querem viver mas não pensam nem têm tempo para pensar como viver e que, por isso, optam pelo modelo de vida já existente. Tolstói em O Diabo e Outros Contos (1889-90)..

30 novembro, 2010

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Grandes mistérios habitam
O limiar do meu ser,
O limiar onde hesitam
Grandes pássaros que fitam
Meu transpor tardo de os ver.

São aves cheias de abismo,
Como nos sonhos as há.
Hesito se sondo e cismo,
E à minha alma é cataclismo
O limiar onde está.

Então desperto do sonho
E sou alegre da luz,
Inda que em dia tristonho;
Porque o limiar é medonho
E todo passo é uma cruz.

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

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20 novembro, 2010




...Porque acho simplesmente lindo, partilho-o convosco.

Que a força do medo que eu tenho,
não me impeça de ver o que anseio.

Que a morte de tudo o que acredito
não me tape os ouvidos e a boca.

Porque metade de mim é o que eu grito,
mas a outra metade é silêncio…

Que a música que eu ouço ao longe,
seja linda, ainda que triste…

Que a mulher que eu amo
seja para sempre amada
mesmo que distante.

Porque metade de mim é partida,
mas a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo
não sejam ouvidas como prece
e nem repetidas com fervor,
apenas respeitadas,
como a única coisa que resta
a um homem inundado de sentimentos.

Porque metade de mim é o que ouço,
mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora
se transforme na calma e na paz
que eu mereço.

E que essa tensão
que me corrói por dentro
seja um dia recompensada.

Porque metade de mim é o que eu penso,
mas a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste
e que o convívio comigo mesmo
se torne ao menos suportável.

Que o espelho reflita em meu rosto,
um doce sorriso,
que me lembro ter dado na infância.

Porque metade de mim
é a lembrança do que fui,
a outra metade eu não sei.

Que não seja preciso
mais do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito.

E que o teu silêncio
me fale cada vez mais.

Porque metade de mim
é abrigo, mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta,
mesmo que ela não saiba.

E que ninguém a tente complicar
porque é preciso simplicidade
para fazê-la florescer.

Porque metade de mim é platéia
e a outra metade é canção.

E que a minha loucura seja perdoada.

Porque metade de mim é amor,
e a outra metade…
também

Ferreira Gullar

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17 novembro, 2010

Poças de Sentir

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Poças de sentir

-Hoje choveu.

A sua voz rouca tem a tristeza da tarde escura. Está para ali sentada, de olhos adormecidos e atulhada de imagens paradas.

-Hoje choveu.

Suspira tremendo. Um arrepio

Lá fora os pingos precisos e cinzentos descem na tarde triste. A monotonia do som provoca-lhe uma certa crispação. Humedece os lábios secos e olha para fora. Tudo igual.

Cinzento e triste. Fora e cá dentro.

Chega-se à janela e olha. As poças reluzem no asfalto escuro. Têm o brilho da luz cinzenta. Olha aquela ali mesmo defronte do portão. Move-se no redondo imperfeito da forma ao sabor dos pingos, que a alimentam. É escura. Tão escura como o olhar que a vê. A poça reflecte o olhar ou o sentir? Parvoíce pensa. A poça é um acaso.

A poça de chuva, a poça da alma, a poça do sentir. Tantas poças e todavia está seca. Como é possível, como?

-Hoje choveu, pensa.

Perscruta a neblina. Reforça o olhar. Nada. Nada. Não vê nada. Massa compacta de suspiros enredados em nuvens. Nuvens que se espremem em lágrimas. Tarde triste. Tarde sem alma.

O olhar poisa de novo naquela poça mesmo defronte. Atraia-a mais do que as outras. É tão escura todavia tem um brilho claro. Afasta a cortina branca. Cola o olhar, mais o rosto na vidraça borrifada.

A poça olha-a, ou ela, olha a poça? Encontram-se. Momento único de queda. Caem ambas. Revolvem-se breves num agitar imperceptível, todavia o toque repele-as. Acabou. Foi breve. Foi sentir.

A chuva partiu. A janela acendeu-se. O asfalto secou e a poça também. O sentir arrecadou-se.

- O tempo limpou. Vai estar sol. Amanhã é outro dia.


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