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Alguém que ama a vida e odeia as injustiças

30 novembro, 2015

 

 

Ode à Paz

Pela verdade, pelo riso, pela luz, pela beleza,
Pelas aves que voam no olhar de uma criança,
Pela limpeza do vento, pelos actos de pureza,
Pela alegria, pelo vinho, pela música, pela dança,
Pela branda melodia do rumor dos regatos,

Pelo fulgor do estio, pelo azul do claro dia,
Pelas flores que esmaltam os campos, pelo sossego dos pastos,
Pela exactidão das rosas, pela Sabedoria,
Pelas pérolas que gotejam dos olhos dos amantes,
Pelos prodígios que são verdadeiros nos sonhos,
Pelo amor, pela liberdade, pelas coisas radiantes,
Pelos aromas maduros de suaves outonos,
Pela futura manhã dos grandes transparentes,
Pelas entranhas maternas e fecundas da terra,
Pelas lágrimas das mães a quem nuvens sangrentas
Arrebatam os filhos para a torpeza da guerra,
Eu te conjuro ó paz, eu te invoco ó benigna,
Ó Santa, ó talismã contra a indústria feroz.
Com tuas mãos que abatem as bandeiras da ira,
Com o teu esconjuro da bomba e do algoz,
Abre as portas da História,
                               deixa passar a Vida!

Natália Correia, in "Inéditos (1985/1990)"
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25 outubro, 2015

Oa anos da Vida.

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Nos encontramos em um momento no qual nos permitimos crescer e curar aquelas feridas e questões que haviam ficado sem resolver na primeira metade da nossa vida.
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Quantos anos tenho?
Tenho a idade em que as coisas são vistas com mais calma, mas com o interesse de seguir crescendo.
Tenho os anos em que os sonhos começam a acariciar com os dedos e as ilusões se convertem em esperança.
Tenho os anos em que o amor, às vezes, é uma chama intensa, ansiosa por consumir-se no fogo de uma paixão desejada.
E outras vezes é uma ressaca de paz, como o entardecer em uma praia.
Quantos anos tenho?
Não preciso de um número para marcar, pois meus anseios alcançados, as lágrimas que derramei pelo caminho ao ver minhas ilusões despedaçadas…
Valem muito mais que isso
O que importa se faço vinte, quarenta ou sessenta?!
O que importa é a idade que sinto.
Tenho os anos que necessito para viver livre e sem medos.
Para seguir sem temor pela trilha, pois levo comigo a experiência adquirida e a força de meus anseios.
Quantos anos tenho? Isso a quem importa?
Tenho os anos necessários para perder o medo e fazer o que quero e o que sinto.
________
José Saramago
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O poema

As árvores têm o nome de árvores
e a pedra é pedra. Mas a mulher é árvore
e no pátio um sopro: uma lagartixa sem nome.
A mão desliza nos caminhos minúsculos.
A caneta escreve com a saliva das lâmpadas.
Alegria do sono numa virilha obscura.
Alguém escreve na erva e a erva é a sua camisa.
Tudo se traduz: músculos, nervos, papeis.
Come-se a epiderme frágil de um fantasma.
Quem ouve agora a voz cheia de areia?
As palavras agitam-se entre silhuetas esguias.
Dedos acariciam pedras e folhas, ventres.
Fibras e tendões produzem suor e tinta.
O alento das árvores invade os pequenos vocábulos.
Sem língua e sem dedos o poema caminha
num verde corredor para um arbusto de água. 


António Ramos Rosa

11 setembro, 2015

A Idade não nos Torna mais Sábios

As pessoas imaginam que precisamos de chegar a velhos para ficarmos sábios, mas, na verdade, à medida que os anos avançam, é difícil mantermo-nos tão sábios como éramos. De facto, o homem torna-se um ser distinto em diferentes etapas da vida. Mas ele não pode dizer que se tornou melhor, e, em alguns aspectos, é igualmente provável que ele esteja certo aos vinte ou aos sessenta. Vemos o mundo de um modo a partir da planície, de outro a partir do topo de uma escarpa, e de outro ainda dos flancos de uma cordilheira. De alguns desses pontos podemos ver uma porção maior do mundo que de outros, mas isso é tudo. Não se pode dizer que vemos de modo mais verdadeiro de um desses pontos que dos restantes.


Johann Wolfgang von Goethe, in "Conversações com Johann Peter Eckermann"



   


24 agosto, 2015

A Forma Justa

Sei que seria possível construir o mundo justo
As cidades poderiam ser claras e lavadas
Pelo canto dos espaços e das fontes
O céu o mar e a terra estão prontos
A saciar a nossa fome do terrestre
A terra onde estamos — se ninguém atraiçoasse — proporia
Cada dia a cada um a liberdade e o reino
— Na concha na flor no homem e no fruto
Se nada adoecer a própria forma é justa
E no todo se integra como palavra em verso
Sei que seria possível construir a forma justa
De uma cidade humana que fosse
Fiel à perfeição do universo

Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco
E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo

Sophia de Mello Breyner Andresen, in "O Nome das Coisas". .

08 agosto, 2015

O Actor
O actor acende a boca. Depois os cabelos.
Finge as suas caras nas poças interiores.
O actor pôe e tira a cabeça
de búfalo.
De veado.
De rinoceronte.
Põe flores nos cornos.
Ninguém ama tão desalmadamente
como o actor.
O actor acende os pés e as mãos.
Fala devagar.
Parece que se difunde aos bocados.
Bocado estrela.
Bocado janela para fora.
Outro bocado gruta para dentro.
O actor toma as coisas para deitar fogo
ao pequeno talento humano.
O actor estala como sal queimado.

O que rutila, o que arde destacadamente
na noite, é o actor, com
uma voz pura monotonamente batida
pela solidão universal.
O espantoso actor que tira e coloca
e retira
o adjectivo da coisa, a subtileza
da forma,
e precipita a verdade.
De um lado extrai a maçã com sua
divagação de maçã.
Fabrica peixes mergulhados na própria
labareda de peixes.
Porque o actor está como a maçã.
O actor é um peixe.

Sorri assim o actor contra a face de Deus.
Ornamenta Deus com simplicidades silvestres.
O actor que subtrai Deus de Deus, e
dá velocidade aos lugares aéreos.
Porque o actor é uma astronave que atravessa
a distância de Deus.
Embrulha. Desvela.
O actor diz uma palavra inaudível.
Reduz a humidade e o calor da terra
à confusão dessa palavra.
Recita o livro. Amplifica o livro.
O actor acende o livro.
Levita pelos campos como a dura água do dia.
O actor é tremendo.
Ninguém ama tão rebarbativamente como o actor.
Como a unidade do actor.

O actor é um advérbio que ramificou
de um substantivo.
E o substantivo retorna e gira,
e o actor é um adjectivo.
É um nome que provém ultimamente
do Nome.
Nome que se murmura em si, e agita,
e enlouquece.
O actor é o grande Nome cheio de holofotes.
O nome que cega.
Que sangra.
Que é o sangue.
Assim o actor levanta o corpo,
enche o corpo com melodia.
Corpo que treme de melodia.
Ninguém ama tão corporalmente como o actor.
Como o corpo do actor.

Porque o talento é transformação.
O actor transforma a própria acção
da transformação.
Solidifica-se. Gaseifica-se. Complica-se.
O actor cresce no seu acto.
Faz crescer o acto.
O actor actifica-se.
É enorme o actor com sua ossada de base,
com suas tantas janelas,
as ruas -
o actor com a emotiva publicidade.
Ninguém ama tão publicamente como o actor.
Como o secreto actor.

Em estado de graça. Em compacto
estado de pureza.
O actor ama em acção de estrela.
Acção de mímica.
O actor é um tenebroso recolhimento
de onde brota a pantomina.
O actor vê aparecer a manhã sobre a cama.
Vê a cobra entre as pernas.
O actor vê fulminantemente
como é puro.
Ninguém ama o teatro essencial como o actor.
Como a essência do amor do actor.
O teatro geral.

O actor em estado geral de graça.. .

Herberto Helder

28 julho, 2015

Solidariedade




Hoje ao ouvir o Secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações, Sérgio Monteiro sobre a privatização da REFER tive, mais do que nunca, a noção exata de que o estado social desapareceu, caducou, pereceu e jaz enterrado, algures no cemitério, não dos Prazeres, mas sim da Solidariedade.
O cavalheiro, gestor de formação académica, tornou claro que o lucro é a parte necessária e primordial na existência de qualquer empresa, seja ela mesmo de interesse da coisa comum, isto é do Estado. Presentemente vivemos no primado do lucro. Sejam hospitais, escolas, transportes públicos e a fins. Tudo tem que ser lucrativo sob a pena de ter que ser privatizado rapidamente, para que o Estado não seja onerado, e assim o coletivo nacional usufrua de uma estabilidade económica que lhe permitira viver qual Pais das Maravilhas sem Alice.
Ora e segundo a minha perspectiva pessoal, existem vários bens perecíveis neste Estado, os quais continuam, sine die, a delapidar o erário público sem quaisquer benefícios para o coletivo português. Como exemplo aponto os preclaríssimos deputados da nação, que não só estiolam tempo como muito do nosso dinheiro, em nome da democracia, ou então, quando esta não é suficiente, em oratórias egocêntricas cujo conteúdo bajula as mentes políticas dos seus pretores, que diga-se em abono da verdade, há já muito estão desligados da justiça e seus critérios. Para estes não existe o alerta vermelho do lucro ou da contenção, a razão ou não razão desta ausência espanta-me.
Outras pequenas grandes picardias económicas que os sucessivos governos têm feito, gasto, delapidado, vendilhado mais do que vendido e doado é quase uma outra estória infantil. Dar-lhe-ia os títulos de “Ali Babá e os quarenta Ladrões” , “O Lobo e o Cordeiro” e “Pinóquio”. Abstenho-me do final moral das mesmas. Por demais óbvio.
Pois estes senhores que se sentam em estofadas cadeiras na casa da democracia usurpam muito dos nossos míseros euros, passeiam-se nos degraus do poder, saltam as escadas da importância e sorriem descaradamente quando interpelados sobre as suas pluriatividades. Na verdade escolhidos a dedo, os lugares de magistrados da nação não têm que dar lucro e assim sendo, estes são não clientes da casada democracia em oposição ao comum do cidadão que quando vai tratar a sua saúde é um cliente contributivo obrigatório da casa da saúde.
Contrassensos de uma sociedade per si antinómica, onde o pensamento e as palavras esvaziadas são passiveis de benesses conquanto o bem-estar social se tornou-se um ação económica.
Mas todo este estado não é apenas causativo de mal-estar lusitano. Espalha-se também por outros países e, sobretudo, por alguns cidadãos da velha Europa cuja faixa etária é dita como sénior. Nascidos nos idos de 50 e 60 têm ainda incrustado na pele a noção de ser solidário, de bem comum. O Estado Social foi intuito que levou uns tantos “visionários”, à luz do presente, a sonhar por uma Europa comum. Robert Schumann certamente que deve revolver-se lá no sitio onde está, ao ver os caminhos tortuosos da velha Europa. Naturalmente que ser solidário, não é, nem será, dar subsídios a rodos sem sequer, na maioria das vezes, os mesmos serem fiscalizados na sua consecução, nem muito menos viver em estado de parasitismo coletivo. Porque os mais ricos têm que dar aos mais pobres. Isso não é ser solidário isso é ser quase “Zé do Telhado” e a conjuntura socioeconómica, pese todos os quid pro quota melhorou abissalmente, logo a solidariedade passa por um bem social que seja extensível a todos dependendo naturalmente do grau das suas carências, sejam económicas, sociais ou afetivas. Fala-se, hoje em dia, muito em solidariedade mediática. O mediatismo parece ser a panaceia que limpa as consciências. Tudo o que se viu, lavou-se. Sorri-se e fica-se feliz. O todo que subsiste por detrás não é visível, logo não mediático, consequentemente desconhecido é de relativa importância. Assim se faz, assim se vive.
Que a economia gere o mundo até o mais incauto o sabe, mas daí a fazer do ser humano clientes da sua própria sociedade, do seu bem-estar, dos seus afetos quiçá dos seus sonhos, isso cavalheiros ainda não foi escrito e, penso que jamais o será, Robert Schumann disse no dia nove de Maio de 1950 o seguinte: «A Europa não se fará de uma só vez, nem de acordo com um plano único. Far-se-á através de realizações concretas que criarão, antes de mais, uma solidariedade de facto.»
Meditemos, pois.
Maria Teresa Soares.
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