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Do outro
lado da Europa ainda troavam os canhões, os corpos dos jovens frutificavam as
terras como se fossem adubo lançado às sementeiras. A Europa, o mundo
colhiam-se sobre si. Os olhares rotos de dor humedeciam, os rostos fechados
onde os sorrisos borboletavam sem poisar. Era o mundo dos idos de 39-45.
Na
plataforma, a criança, dez reis de gente, pegando na mala já vazia de presente
mas cheia de futuro, pergunta numa vozinha meia engasgada.- “Senhor passa aqui o
comboio para a Terra da Verdade?
O homem olha
para baixo e num quase sorriso, num quase esgar, responde:- Claro, meu filho, a
terra da verdade é do outro lado, junto ao pôr do sol, mesmo na rua em que a
lua nasce.-
-E qual é o
comboio? Posso esperar?
- Claro, meu
rapaz. Senta-te no banco. O comboio está atrasado.
O rapazinho
responde contente:- Obrigado, Senhor
- Mas, meu
rapaz, não sei se deixam as crianças viajar sozinhas. O comboio é muito grande
e tu ainda te podes perder.
-Não.
Senhor, não pense nisso. Sou pequeno mas ando há muito tempo á procura da Terra
da Verdade. E ainda não a encontrei. Fica sempre do outro lado. Quando estou
quase a alcançar, a Terra da Verdade desaparece, perde-se.,
-Ah, meu
filho. É uma terra de poucos homens, muito poucos.
- Eu sei.
Por isso é que quero lá chegar para crescer, para ser diferente. Já é tempo de
mudar.
-Vais ter
que esperar, meu rapaz. Mudar é muito difícil.
-Eu espero. Um
dia vou poder abrir a minha mala e enchê-la de futuro. Sabes? Roubaram-nos,
roubaram tanto que a minha mala ficou vazia de presente ,e eu agora só posso
esperar pelo comboio para a outra terra. Percebes?
-Sim percebo
mas eu sou velho, já não subo ao comboio. Só o vejo passar apitando.Passa meio cheio, meio vazio. Ultimamente passa tão vazio...
-Eu sei.
Olha, adeus, meu velho. Eu vou esperar. A minha mala vai-se encher.
Adeus.
O velho,
apertou o capote, levou os dedos ao boné e rapidamente desceu-a até aos olhos
vidrados e opacos. Também ele estava vazio de esperança. O filho caíra na terra
mãe. Não havia sonho, havia amargura na alma.
Hoje, o
século dobrou. Não morrem de balas, hoje morre-se de não atos. O homem, já não
a criança, continua à espera na estação pelo comboio para a Terra da Verdade.
Irá parar?