As estórias vestem-se e
despem-se de acordo com o vento da alma. Há dias em que a roupa pesa, outros,
porém, em que a nudez brilha. Nesta veste que despe, Vicente vestiu o capote,
calçou as galochas e fez-se aos dias.
Na calçada varrida de lama não havia o palpitar
das sentires, nem o correr dos passos vivos, nem o matraquear das vozes
perdidas e muito menos o buzinar dos carros apressados. Havia sim, a imensa
neblina da vida. Vicente de galochas e capote pardo carregou pesadamente os
passos na lama, trilhou as ruas vazias, apertou os lábios num esgar perdido e,
sem alma, correu nas margens do rio frio. Depois, perdida mas afincadamente
despiu o capote, descalçou as galochas e mergulhou. Mergulhou na corrente.
Uns dizem que se afogou, outros dizem que
nadou até à outra margem, conta-se ainda que nas redondezas, do outro lado do
rio, vive um tal de Vicente, Homem-Novo e justo que cresce na medida dos dias
,será?
Até hoje não foi encontrada a alma do
capote nem das galochas de nome Vicente.
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