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Alguém que ama a vida e odeia as injustiças

02 agosto, 2012


Não há Nada que Resista ao Tempo.Não há nada que resista ao tempo. Como uma grande duna que se vai formando grão a grão, o esquecimento cobre tudo. Ainda há dias pensava nisto a propósito de não sei que afecto. Nisto de duas pessoas julgarem que se amam tresloucadamente, de não terem mutuamente no corpo e no pensamento senão a imagem do outro, e daí a meia dúzia de anos não se lembrarem sequer de que tal amor existiu, cruzarem-se numa rua sem qualquer estremecimento, como dois desconhecidos.
Essa certeza, hoje então, radicou-se ainda mais em mim.
Fui ver a casa onde passei um dos anos cruciais da minha vida de menino. E nem as portas, nem as janelas, nem o panorama em frente me disseram nada. Tinha cá dentro, é certo, uma nebulosa sentimental de tudo aquilo. Mas o concreto, o real, o número de degraus da escada, a cara da senhoria, a significação terrena de tudo aquilo, desaparecera.

Miguel Torga, in "Diário (1940)"
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16 julho, 2012


.."Palavras breves são as melhores e as palavras velhas, quando breves, são as melhores de todas."
Winston Churchill

14 junho, 2012

Depois de Amanhã (VI)

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O comboio parou.
Olha por entre a janela e distingue somente dois vultos, que apressados sobem para as carruagens. Rapidamente a plataforma fica vazia. O escuro da noite tapa os contornos. Apenas os azulejos debitam umas figuras, vestidas de sombras escuras. A noite é escura. Não deveria, pois ainda é Outubro. O mês das penumbras, porém está mesmo escuro. Instintivamente encolhe-se. A noite sente-se fria e ventosa. A chuva miúda varre de quando em vez o ar. Uma daquelas noites em que o sofá mais a manta de quadrados vermelhos e pretos lhe fazem as delícias. Oh como já sente saudades do quente do seu cantinho mais de Manuel!E não chegou ainda.Chegar e partir parece que fora parte da sua vida.As coisas têm sempre uma dimensão diferente quando estão longe. Parecem mais doces, menos reais. A dificuldade entre o que os olhos vêem e as palavras sentem.A percepção e a sensibilidade. Dois sentidos que se completam sem nunca se encontrarem.-Engraçado -pensa Sofia - Porque será que estas duas andam sempre em paralelo quando afinal são gémeas…1962.A noite resvala por entre os copos e os pratos. Sentada na mesa ao lado da mãe e Luís, Sofia mal consegue manter os olhos abertos. Sente o corpo descer pela cadeira. Mesmo em frente, a mãe com aquele olhar, que sempre a faz sentir em falta.Bolas, é só sono. Depois aquele vestido azul com gola de renda, pica-a. Detesta-o. Os sapatos caem-lhe dos pés. E não gosta daquela comida. Tudo muito vermelho e esquisito.Que vontade tem de estar na caminha, no seu quartinho. Mas não, tem que estar ali. A mãe está feliz. Ri-se, ri-se até parece tonta. Só de vez em quando lhe lança aquele olhar que a faz tremer. A mãe olha em redor feliz. Tem brilho, o olhar. Está mais bonita ainda. A mãe é muito bonita. Tanto que a faz olhar. Tem uma cara com vida e um sorriso cheio. Um olhar doce para os outros e acusador para ela. Hoje a mãe está linda. Muito. Sofia sorri entre as pregas do sono. A Mãe e o Luís vão dançar. Ela fica-se a olhar. Deita a cabeça na borda da mesa. Entre os bracitos cruzados. O ninho do seu mundo. Ali fica, quase embalada pela música que crepita, e o sono que a invade enquanto o ano nasce.Amanhã quando acordar tudo será igual. É assim o tempo. Só muda quando a gente muda ,e ela é ainda uma criança…