"...És homem, não te esqueças! Só é tua a loucura onde, com lucidez, te reconheças." Miguel Torga
10 maio, 2011
05 maio, 2011
20 abril, 2011
23 março, 2011
Pessegueiro
Pessegueiro
Numa árvore nua de sorrisos, os primeiros laivos de sol acordaram. Aqui e ali pespontam pequenas quimeras de verde. Veios futuros de um sonho de amanhã.
A árvore, um pessegueiro, de tronco robusto e hastes aéreas, encolhe-se timidamente entre a pereira totalmente despida, mas forte na sua certeza de tempo e, o damasqueiro resistente que já floriu. Ele, pessegueiro, tímido como todos os homens em busca da certeza, deixa que a flor pequenina e subtil lhe vista os ramos vibráteis por breves dias. Quando o vento de norte soprar, o vestido cor-de-rosa será varrido, mas já os alinhavos verdes terão brotado pelos ramos numa ânsia de costura final.
É manhã, uma manhã translúcida de vontade suave banhada de sol e frio, que chega da montanha mesmo por cima. O ar frio enchapelado de dourado arrepia o pessegueiro mas também o acorda para a luz. No solo verde, bêbado de orvalho, pequenos cogumelos tristes pululam num jogo confiado de esconde-esconde.Aliás, a natureza acordou ingénua. Todas as manhãs que renascem são ingénuas qual homem ao acordar da noite povoada de quimeras por ser.
O pessegueiro abana-se num movimento ondulado de prazer por vir. Olha em redor e repara nas suas vizinhas árvores. Já se vestiram de flores ou estão de costura. Como adormeceu durante tanto tempo? Não se lembra, tudo girou tão depressa que as memórias diluem-se no túnel dos dias.
Da janela da casa branca um homem debruça-se no parapeito. Olha o pessegueiro. Olha-a árvore à sua medida. Sabe que cada flor que cai é um pouco da sua esperança que parte também. Esta ligação homem árvore confunde-se com as leis da natureza, cíclicas e eternas. Na terra húmida, as suas raízes nodosas bebem o sémen da vida, dando ao mundo a força. Amanhã o dia voltará a nascer, o vento a soprar, a chuva a cair, o sol a sorrir ou a esconder-se, no entanto o mistério da vida continuará inexorável no seu caminho para a frutificação dos dias dourados. O Homem, mais rápido, cupido e impuro colherá no tempo o mistério da beleza, o hino da vida. Cá em baixo a árvore suspira por entre as hastes quase floridas em rosa. Ao Homem tremem-lhe as narinas, arrepia-se-lhe o coração e freme-lhe a alma. Há algo de novo no ar. Algo que lhe liberta a vontade de renascer. Deixa-se flutuar no suave momento da brisa. Um ar fresco limpa-lhe o olhar, acutila-o na direcção da montanha debruada de verde tímido. Sobe no ar o odor a terra fecundada, qual ventre prenhe, que aspira avidamente. Por momentos, breve, intenso, penitencia-se. Depois, sacode-se, aspira a brisa, alinha a vontade, ri para si. Está saciado, certo e seguro. A vida renasceu. Vai colhê-la.
Murmura num encolher de ombros.” A Primavera chegou!”
Palavras dedilhadas no vento de uma brisa em Março.
21 março, 2011
19 fevereiro, 2011
05 janeiro, 2011
Sei agora como nasceu a alegria,
como nasce o vento entre barcos de papel,
como nasce a água ou o amor
quando a juventude não é uma lágrima.
É primeiro só um rumor de espuma
à roda do corpo que desperta,
sílaba espessa, beijo acumulado,
amanhecer de pássaros no sangue.
É subitamente um grito,
um grito apertado nos dentes,
galope de cavalos num horizonte
onde o mar é diurno e sem palavras.
Falei de tudo quanto amei.
De coisas que te dou
para que tu as ames comigo:
a juventude, o vento e as areias.
Eugénio de Andrade, in "Até Amanhã"
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