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"...És homem, não te esqueças! Só é tua a loucura onde, com lucidez, te reconheças." Miguel Torga
15 abril, 2009
13 abril, 2009
A viver livres como os animais
E mesmo tão cansados floriremos
Irmãos vivos do mar e dos pinhais.
O vento levará os mil cansaços
Dos gestos agitados irreais
E há-de voltar aos nosso membros lassos
A leve rapidez dos animais.
Só então poderemos caminhar
Através do mistério que se embala
No verde dos pinhais na voz do mar
E em nós germinará a sua fala.
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Sophia de Mello Breyner Andresen.
10 abril, 2009
04 abril, 2009
Pontos de Bordado
Pontos de bordado.
Ainda não vai para muito tempo, lá fiz mais uns anitos. Desta vez alinhei-os bem direitinhos, iguais entre si, sendo primos também são compadres. Cinquenta e cinco! Tantos ou tão poucos. Tantos, quando os juntamos, poucos, quando os separamos.
Então diga-se lá, qual é a diferença entre ter cinco e cinquenta e cinco?
Simples, senão vejamos:
Ter cinco -cinco, nestas coisas a soma só atrapalha, é sinónimo de se estar bem na vida, isto é, relativamente acomodado, ter os filhos criados, não necessariamente educados, isso é outra história, ter umas rugas aqui e além, que esboroam a máscara, mas que se apregoa ser lindo, pois que são apanágio de experiência. Ter uns quantos remendos de alma, mais uns alinhavos de coração. Nada como os bordados tradicionais para nos fazerem sorrir. O rechelieu, o crivo e até o ponto grilhão vão preenchendo o rosto, mais o corpo, já para não falar do espírito. Ah, Santo Deus! Invocar o Santo Nome, por estas alturas, também já deixou de ser pecado., mas dizia eu, todos estes lavores de bom-tom emolduram a foto a preto e branco, e vai-se lá saber porque é que está um pouco desfocada e não só, ao tentarmos a fotocópia, esta, não coincide nos ângulos com o original que expandiu. Vejam como digo, expandiu. É mais suave. Defeito da tecnologia… A cabeça, ora essa está fresca que nem uma alface, apenas de vez em quando há umas fugazitas de memória e ciranda-se sem se saber o que se procura. Mas nada que um sorriso não recupere. E os cabelos? Ah! Têm aquele tom de trovoada bem carregadinha, um cinzentão destituído de luz. Que me perdoem, mas o cinzento é triste. E o branco? Tresanda mesmo a passado. Cá por mim gosto muito da tinta. Um engano será, mas não é a vida uma comédia de enganos? Comecemos então pela massa capilar a enganar a comédia do tempo que o resto virá a seu tempo…
Mas ter cinco-cinco também é melhor do que ter só cinco. Pelo menos sabemos escolher, temos vontade definida, saboreamos um pouco de tudo, e o os olhos estão cheios de muito. Tanto, que temos muita necessidade de olhos adjacentes, sim não se espantem. É simples, com a idade a quantidade de percepções visuais torna-se proporcional aos anos, e um par de olhos é insuficiente para albergar tudo. Tão simples quanto isto. O que pensaram? Calculo, coisas peregrinas, mentiras vãs. Nós ceguetas? Que disparate!
Continuando nos angélicos cinco, um mimo, uma doçura. Agora cinco-cinco é um derriço, um cabaz de paladares dos mais esquisitos, ora salgaditos, ora docitos e, algumas vezes agridoces, outras até ligeiramente insonsos. Uma vida rica de sabores é uma esplêndida sobremesa de saberes. Não concordam?
Vá lá, um pouco de complacência. Não sorriam assim, é verdade o que vos digo, as mulheres de cinco-cinco são uma espécie de “vieille- cuisine” ao tom dos bons e velhos preceitos, mas suficientemente flambéé au poivre du temps
E neste casa que casa de cincos sorrio de frente, de lado, por trás, não que não sou capaz. O pescoço já não permite muitas voltas. Não, que disparate são lá as artroses, eu tenho lá desses bichos. Nada disso, somente uma questão de perfil. Nestas coisas há que escolher sempre o melhor ângulo. Noblesse oblige!
Perdi um pouco o fio ao ponto, coisa normal se pensarmos que a arte de bordar a vida é extenuante, requer uma técnica sucessiva. Qual? Perguntam? Simples, meus queridos, a Idade!
Para muitas a idade é um sofrer, um corre- corre ao espelho, às agulhas, às tesouras e aos pontos, diga-se suturas. Recauchutagem. Uma espécie de remendo fino e artístico que descansa o ego e valoriza o amor-próprio. Muito bem. Os bordados finos sempre foram uma excepção. A comum dos mortais usa o algodãozinho com um simples pé ponto de flor ou as mais bourgeoises um ponto de sombra ou até um cheio, bem cheiinho com requinte de muitos anos.
Deixando os pontos no regaço com a agulha e as respectivas linhas, passemos então à escolha do tecido. O tecido quer-se lavável, muito. O tempo necessita de algo durável, de cor neutra para que a vida lhe vá dando as tonalidades em pinceladas de amor, desejo, riso, choro, carinho, revolta, humor e escolha. Depois de bem misturadas, surge um tom único pouco usual, diferente, mas sem dúvida alguma, único e belo. A ternura.
Nesta andança de primos compadres, os meus cinco instalaram-se numa bonomia própria de quem está confortável. E eu, pobre de mim tenho que lhes sorrir, acenar, dizer que sim, não vão os maganos dar-lhe na veneta, e resolverem arrumar as botas, e aí lá vou eu. Não, nesta vida temos que ser sorridentes, agradecidos, complacentes e felizes. A suprema arte. Ser Feliz!
Assim, e porque a comédia da vida bate à porta de mansinho, atirando os meus primos cinco para a ribalta, onde mestres da representação vão uma vez mais desempenhar o seu papel único de um ano, num palco maior de sentidos e tremendo de memórias. A peça tão simplesmente dá pelo nome de Mulher!
Três pancadas. Silêncio. O espectáculo começou…
I did it my way - Frank Sinatra
30 março, 2009
Recebi do "Aguarelas de Turner" esta corrente à qual agradeço ,e também respondo. Adivinhem pois a três "inverdades" como se diz por ora, que aqui vão sobre mim.
Desafio os mais perspicazes.
1-Se fosse possível passaria a vida a viajar.
2- Espero reformar-me daqui a um ano.
3-Aprecio a verticalidade no ser humano.
4-O campo dá-me paz.
5-Adoro comida japonesa.
6- Sou uma óptima dançarina
7-O atum é o meu prato preferido.
E agora, lá vou "lançar-lhes o isco" a ver se pega, não sem antes os presentear com o "Blog de Cristal".
Voando por ai.
Casa de maio.
Essência do ser
Eremiterio
27 março, 2009
Beija-Flor
Beija-Flor
Beija-flor trinou batendo as asas num repique de graça. Poisou devagarinho no cardeal cor de ciclame e olhou em redor. Beija-flor descansou.
O sol escorria numa quentura morna de sentidos. As folhas verdes gotejavam de brilho. O ar colava-se ao corpo.
Naquela hora, a modorra visitava a natureza mais o homem. Porém beija-flor continuava trinando, a melodia chegou no vento à casa amarela. Clarisse deitou a perna cor de canela para fora do lençol. Rolou a carne na tepidez do ar. Salivou os lábios túrgidos, pestanejou, bocejou e botou o braço para fora. Depois apurou o ouvido. O trinado do beija-flor picou-lhe a orelha.
Beija-flor tinha voltado. Era tempo de amor
Dengosa enrolou as pernas rebolando as ancas. O gesto destapou uma ode de canela perfumada e palpitante. Faceira agitou os caracóis apertados que teimavam em tapar-lhe o olho de veludo. Estendeu a vista por baixo e gostou do que viu. Mulata boa e tenra. Ela sabia. O corpo pedia e o desejo subia.
E beija-flor trinava.
Cobriu o corpo lindo com vestidinho de alcinhas. Algodão vermelho macio. Sozinho, assim em cima da carne. Uma simplicidade feita beleza.
Enfiou os pés nas chinelas e saiu para a rua. O desejo mole alagou-lhe os seios. Uma coceira redonda. De cima para baixo, e, de baixo até cima. Um zumbido sem tino.
Bateu o portão do quintal. O calor envolveu-a ainda mais. Um treme-treme a ardejar-lhe o corpo. Clarisse zonzou. Deu um passo, mais outro e o requebro de anca tomou conta dela. Gostou.
O beija-flor a trinar e Clarisse a menear.
Vai mato dentro. A melodia chama-a. Beija-flor é o seu maestro.
Bilhó, mulato escorreito está jardinando. Vê Clarisse no vestidinho vermelho descendo a rua e dengando a cada passo. Não despega olho, não. Aquela moça tem mandinga. Aquele meneio de canela abrasa-o. Clarisse vai já longe. Levanta-se, deixa o sachinho mais o balde de lado. As flores que esperem. Ele tem que ir colher aqueloutra flor. Já na rua, estuga o passo como se fora gato esticado. Pé aqui, pé ali, na pegada do feitiço de canela. O sol ateia-o ainda mais.
E beija-flor a encantar,
Clarisse ouve cada vez mais perto aquela flauta de trinados tão puros. Parece som de prata a cair na água. Tão lindo! Tão lindo que até dói. E o calor que alaga o corpo. Sente as coxas molhadas. Espreita por dentro do vestidinho de alças. Tudo parece maior. Cresceu. Sente a cabeça a rodar. Olha em volta e de revés. Vê mulato Bilhó. Rapaz bonito e enxuto.
Gosta.
Sente o latejo do seu corpo de canela. Olha-o de soslaio. Espicaça-o. Freme. Pára. Corta um cardeal da sebe de Dona Letinha. Mexe na flor, acariciando o estame erguido. Passa-a pelo rosto olhando para trás de olho bem aberto, lança uma gargalhada. Ai, que ele vem vindo. Ai!
Beija-flor continua trinando e Clarisse dengando.
Aquele tecer insinuante de sentidos faz a coragem de Bilhó subir como se fora balão redondo escapulindo da mão de menino. Estuga o passo. As pernas ágeis desentorpeçam os passos da distância. E chega-se por trás assim devagarinho. Passa-lhe a mão na nádega que adivinha firme e de jeito coloca-se a seu lado.
Sorriem. Olho no olho. Há a luz do desejo a verdade não tem palavras. Tem gesto.
Dão as mãos. Os braços balançam ao ritmo do andar. Bamboleado em jeito de partilha. Um bater de asas contínuo como se fora beija-flor.
A acácia está florida, o cheiro enreda mais. Clarisse encosta- se ao velho tronco. Defronte beija-flor pipila sobre a folha verde da samambaia. Parou agora. Parece que os está mirando. Bate as asas, assim, sem parar. São as asas de beija-flor ou as mãos de Bilhó num desatino na sua carne de canela?
Suspira fundo, de prazer e fecha os olhos.
Clarisse não sabe mais onde está. Tudo rodopia. O sentido do mundo gira no ventre de canela. A maldição de mulher no suspiro do prazer, fá-la estremecer. Que gostosura, que mundo de sentir. Bilhó é macho possante. Dá-lhe o prazer da vida no reboliço de um vai e vem. Clarisse geme e geme. Trinado de mulher. Pipilar de fêmea. Primícias
Na árvore beija-flor humedeceu. Está quedo. Os olhos mais a cabecita movem-se irrequietos.
A música mudou. Cicios de mulher em pauta de sentir.
Beija-flor pia solitário.Logo, logo, um outro e mais outro…e ai, outro ainda, soam em redor.
Pipilo ou cicio? Beija-flor ou Clarisse?
Confusão!
Sob a acácia as vitualhas do prazer jazem em silêncio. Escuta-se o segredo da tarde embrulhado num trapo de sentidos já contados. Clarisse sonolenta de gozo, estende a mão para o rosto de Bilhó. Interlúdio de carne. Estrofe de som.
A samambaia estremece no seu verde. Beija-flor saltita. Um toque aqui, outro ali. A carícia de uma asa. Um esvoaçar permanente. Uma íris de cores. Beija-flor está feliz.
Beija-flor ou Clarisse?
Pássaro ou mulher? Pipilo ou cicio? Quem sabe? Quem ouviu?
Gente não foi.
Na casa amarela a tarde acordou. Clarisse sentada no banco da cozinha descasca o feijão. Ploc, ploc e o grão vai caindo na bacia azul. E a bacia vai enchendo, enchendo tal como o devaneio de Clarisse.
Algures um beija-flor, um benjamim de ilusão vai esvoaçando…
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Songbirds - Corciolli