Quem sou eu

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Alguém que ama a vida e odeia as injustiças

13 julho, 2008

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Prazeres.

Uma haste tenra que surge, mais outra, outra, e outra ainda. Um laço enrolado. Um braço solto no ar. O vento que vem e embala a haste, acaricia a folha e balança o cacho minúsculo, quais grânulos verdes e múltiplos em triângulo invertido. No bardo verdejante papoilam os cachos emoldurados de parras e laçados nas gavinhas. No chão, faúlhas de xisto amaciam a terra vermelha e seca. O pó solta-se sempre que o vento vem namorar os vinhedos. Dá-lhes a patina do calor aquecendo os pequenos grãos bagos que resfolegam tranquilamente. O verão dança na vinha, por entre as gavinhas que prendem os cachos ,e a terra calçada de alpergatas de xisto. Em cada passo calcado há a memória que se escoa na poalha do solo.

Além desce suave a colina, aqui sobe penoso o socalco. Mais além, brinca o olhar da moçoila e do rapagão, sob a oliveira serena que veste a sombra do recanto, gera-se o grito de vida. No outro além, lá em baixo junto ao rio, deitado na erva tenra e florida de vinagreiras amarelas, sonha-se com o mundo ao sabor da corrente. E os vinhedos maturam-se no rolar do tempo. As cores são inebriantes de luz. Os castanhos descem até ao rosa e pelo meio vestem-se de ouro, de negro, de púrpura. Hino de paleta por pintar, tela viva ainda não gizada na arte do traço. A terra, mater fecunda, abre-se ao estio da idade. Matura no seio ,o néctar, que outros virão colher. Grupos de cestos, cantigas ecoadas e risos perdidos, enchem o céu alinhavado de ténues sopapos de algodão.

E o calor rebola no vento, tisnando o bardo, aquecendo a doçura do líquido, que entre dedos espirra quente e perfumado como se fora aroma estilizado. As tesouras cortam as hastes entoando o seu eterno tic-tac. Soltos os cachos rebolam pelos cestos. Há no ar um cheiro doce, quase enjoativo que as ladainhas respigam mais ainda. A tarde esvai-se. Colossal a paisagem pára. Perde a animação. Descansa, imóvel do prazer tirado do seu ventre fecundo. A orgia do dia cessou, qual cortesã banha-se lânguida na brisa do entardecer que a despe. A terra veste a musselina estrelada da noite, devolve com um beijo sensual o pestanejar daquela estrela atrevida que teima em seduzi-la ,e recolhe-se nas suas entranhas ainda mornas de ardor vivido. O palpitar, de cada dia, no todo do seu ser, fá-la suspirar. Amanhã novas primícias ser-lhe-ão exortadas. Há que descansar.

Boa-noite!

Antonin Dvorak - Humoresque -

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12 julho, 2008

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A Terra

Também eu quero abrir-te e semear
Um grão de poesia no teu seio!
Anda tudo a lavrar,
Tudo a enterrar centeio,
E são horas de eu pôr a germinar
A semente dos versos que granjeio.

Na seara madura de amanhã
Sem fronteiras nem dono,
Há de existir a praga da milhã,
A volúpia do sono
Da papoula vermelha e temporã,
E o alegre abandono
De uma cigarra vã.

Mas das asas que agite,
O poema que cante
Será graça e limite
Do pendão que levante
A fé que a tua força ressuscite!

Casou-nos Deus, o mito!
E cada imagem que me vem
É um gomo teu, ou um grito
Que eu apenas repito
Na melodia que o poema tem.

Terra, minha aliada
Na criação!
Seja fecunda a vessada,
Seja à tona do chão,
Nada fecundas, nada,
Que eu não fermente também de inspiração!

E por isso te rasgo de magia
E te lanço nos braços a colheita
Que hás de parir depois...
Poesia desfeita,
Fruto maduro de nós dois.

Terra, minha mulher!
Um amor é o aceno,
Outro a quentura que se quer
Dentro dum corpo nu, moreno!

A charrua das leivas não concebe
Uma bolota que não dê carvalhos;
A minha, planta orvalhos...
Água que a manhã bebe
No pudor dos atalhos.

Terra, minha canção!
Ode de pólo a pólo erguida
Pela beleza que não sabe a pão
Mas ao gosto da vida!

Miguel Torga



A Passage Of Life - Kitaro

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10 julho, 2008

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Main Theme From Out Of Africa - John Barry


Paki

Sentado no degrau da porta da entrada ,Paki escarafuncha as narinas já de si bem largas. Poisa os pés descalços no tijolo vermelho, ao lado descansam os chinelos já gastos e escuros de mil andanças. O tronco cor de chocolate aveludado respira nu o calor da tarde fazendo descer aquela moleza que só Paki sabe sentir. Rebola os olhos e o branco respinga no rostinho doce em jeito de nuvem de chantilly. Paki é menino órfão nas ruas da cidade grande. A vida é zagaia lançada no ar. É mesmo. Foi coisa amarga com que nasceu e cresceu, assim numa caixa vazia de amor. O pai, não conheceu, porque a mãe também se esquecera de quem fora. A pobreza é assim, o corpo paga a fome e depois sem licença gera gente em viagem famélica de amor, apenas abrigada no útero quente. Foi assim que Paki se tornou gente. Num acaso qualquer, numa troca de carne e moedas, lá viu ele a linha da vida. E fez-se menino. Depois a mãe sumiu mal o tinha botado cá para fora. Paki cresceu na rua entre o lixo, fumo e o cheiro. Mas vinha de mão dada com o sol e não deixou que ele lhe escapasse. Só no fim de cada dia deixava que fosse descansar. Paki sabe que o sol é o amigo envolvente dos dias menos quentes, a roupa que não teve. O menino de chocolate cabeceia, o pescoço dá aquela volta redonda sempre que a cabeça pesa de sono, e descai sobre o peito nu de chocolate. As persianas fecham-se, o mundo cavalga na neblina do faz de conta sonhado. Paki corre na frente do jardim onde as flores azuis se abanam no bom dia da manhã. Da cozinha vem o cheiro da custarda com ruibarbo que ele tanto adora. Ouve a voz quente da mãe, sente a macieza reboluda do peito, onde ele rola o rosto e aquece a alma. Apetece-lhe correr, correr muito tanto quanto as suas pernas esguias o levem. É o seu sonho de todos os dias. E no rosto adormecido perpassa a luz do sorriso que lhe ergue as comissuras dos lábios cheios.

Depois, depois, vem o homem grande que sai do quartinho lá em cima, onde a madrinha ganha a vida e perde os anos, o homem que embirra sempre com ele, e lhe dá um pontapé dizendo-lhe:

-Ei, miúdo acorda, pisga-te daqui…senão desanco-te. Vai trabalhar moleque…

Paki levanta-se, agarra nos chinelos de borracha mas o pontapé atinge-o ainda nas costas. Dói. Nem tanto a dor seca que lhe comprime o ar fazendo-lhe arder as costelas, mas mais magoa aquela onda surda que o sufoca. Rebenta em lágrimas e ranho pelo rostinho. Paki é menino da rua, pobre, sujo, famélico mas sentido. A solidão dos afectos torna-o mais sofrido. Soluça Paki, soluça a alma da criança na sombra cinzenta do mundo às avessas. Paki é testemunha. Paki é nome Zulu.

08 julho, 2008

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O Mar e os Sinos

O dia não é hora por hora.
É dor por dor,
o tempo não se dobra,
não se gasta,
mar, diz o mar,
sem trégua,
terra, diz a terra,
o homem espera.
E só
seu sino
está ali entre os outros
guardando em seu vazio
um silêncio implacável
que se repartirá
quando levante sua língua de metal
onda após onda.

De tantas coisas que tive,
andando de joelhos pelo mundo,
aqui, despido,
não tenho mais que o duro meio-dia
do mar, e um sino.

Eles me dão sua voz para sofrer
e sua advertência para deter-me.
Isto acontece para todo o mundo,
continua o espaço.

E vive o mar.

Existem os sinos.

Pablo Neruda

.Hymn To The Sea - Titanic
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Mãe infusa

Ainda estão por dizer
as púdicas confidências
do tempo em que era possível
ouvir as hortênsias.

No quintal de incontinente
o maracujá enlanguescia
e pedra a pedra se reconstruía
a casa infinitamente.

Teu rosto ainda não vagueava
na noite fria do retrato.
Em que desmemoriada candeia
derramaste oh mãe o azeite intacto?

Dispunhas as jóias do inverno
para a festa cálida do verão.
Por certo alguma levaste
passando-a ao fisco da morte
para que uma pérola te assinalasse
no caso que o vento espalhasse
o pólen da tua mão.

Eis-te todavia sem ossos
mas mais do que nunca infusa
em teu ovular desvelo
e eu carnalmente intrusa
pressinto que para tocar-te
enfermo de longos cabelos.



Natália Correia
Poesia Completa
O Vinho e a Lira, 1966
Publicações Dom Quixote
1999
The Flower Duet - Katherine Jenkins
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05 julho, 2008

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La paloma

Poema de Rafael Alberti
 
Se equivocó la paloma
se equivocaba.
Por ir al norte, fue al sur
creyó que el trigo era agua,
se equivocaba.

Creyó que el mar era el cielo
que la noche, la mañana,
se equivocaba,
se equivocaba.

Que las estrellas, rocío
que la calor, la nevada,
se equivocaba,
se equivocaba.

Que tu falda era tu blusa
que tu corazón, su casa,
se equivocaba,
se equivocaba.

Ella se durmió en la orilla,
tú en la cumbre de una rama.

Creyó que el mar era el cielo
que la noche, la mañana
se equivocaba,
se equivocaba.

Que las estrellas, rocío
que la calor, la nevada,
se equivocaba,
se equivocaba.

Que tu falda era tu blusa
que tu corazón, su casa,
se equivocaba,
se equivocaba...







.Recuerdos de la Alhambra - Nana Mouskouri
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La vie en rose (Edith Piaf)

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.Des yeux qui font baiser les miens,
Un rire qui se perd sur sa bouche,
Voilà le portrait sans retouche
De l'homme auquel j'appartiens

[Refrain]
Quand il me prend dans ses bras
Il me parle tout bas,
Je vois la vie en rose.
Il me dit des mots d'amour,
Des mots de tous les jours,
Et ça m'fait quelque chose.
Il est entré dans mon coeur
Une part de bonheur
Dont je connais la cause.
C'est lui pour moi,
Moi pour lui dans la vie,
Il me l'a dit, l'a juré
Pour la vie.
Et dès que je l'apercois
Alors je sens en moi
Mon coeur qui bat

Des nuits d'amour à plus finir
Un grand bonheur qui prend sa place
Des ennuis des chagrins s'effacent
.
Heureux, heureux à en mourir.




La Vie En Rose - Edith Piaf
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