Quem sou eu

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Alguém que ama a vida e odeia as injustiças

12 julho, 2008

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A Terra

Também eu quero abrir-te e semear
Um grão de poesia no teu seio!
Anda tudo a lavrar,
Tudo a enterrar centeio,
E são horas de eu pôr a germinar
A semente dos versos que granjeio.

Na seara madura de amanhã
Sem fronteiras nem dono,
Há de existir a praga da milhã,
A volúpia do sono
Da papoula vermelha e temporã,
E o alegre abandono
De uma cigarra vã.

Mas das asas que agite,
O poema que cante
Será graça e limite
Do pendão que levante
A fé que a tua força ressuscite!

Casou-nos Deus, o mito!
E cada imagem que me vem
É um gomo teu, ou um grito
Que eu apenas repito
Na melodia que o poema tem.

Terra, minha aliada
Na criação!
Seja fecunda a vessada,
Seja à tona do chão,
Nada fecundas, nada,
Que eu não fermente também de inspiração!

E por isso te rasgo de magia
E te lanço nos braços a colheita
Que hás de parir depois...
Poesia desfeita,
Fruto maduro de nós dois.

Terra, minha mulher!
Um amor é o aceno,
Outro a quentura que se quer
Dentro dum corpo nu, moreno!

A charrua das leivas não concebe
Uma bolota que não dê carvalhos;
A minha, planta orvalhos...
Água que a manhã bebe
No pudor dos atalhos.

Terra, minha canção!
Ode de pólo a pólo erguida
Pela beleza que não sabe a pão
Mas ao gosto da vida!

Miguel Torga



A Passage Of Life - Kitaro

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10 julho, 2008

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Main Theme From Out Of Africa - John Barry


Paki

Sentado no degrau da porta da entrada ,Paki escarafuncha as narinas já de si bem largas. Poisa os pés descalços no tijolo vermelho, ao lado descansam os chinelos já gastos e escuros de mil andanças. O tronco cor de chocolate aveludado respira nu o calor da tarde fazendo descer aquela moleza que só Paki sabe sentir. Rebola os olhos e o branco respinga no rostinho doce em jeito de nuvem de chantilly. Paki é menino órfão nas ruas da cidade grande. A vida é zagaia lançada no ar. É mesmo. Foi coisa amarga com que nasceu e cresceu, assim numa caixa vazia de amor. O pai, não conheceu, porque a mãe também se esquecera de quem fora. A pobreza é assim, o corpo paga a fome e depois sem licença gera gente em viagem famélica de amor, apenas abrigada no útero quente. Foi assim que Paki se tornou gente. Num acaso qualquer, numa troca de carne e moedas, lá viu ele a linha da vida. E fez-se menino. Depois a mãe sumiu mal o tinha botado cá para fora. Paki cresceu na rua entre o lixo, fumo e o cheiro. Mas vinha de mão dada com o sol e não deixou que ele lhe escapasse. Só no fim de cada dia deixava que fosse descansar. Paki sabe que o sol é o amigo envolvente dos dias menos quentes, a roupa que não teve. O menino de chocolate cabeceia, o pescoço dá aquela volta redonda sempre que a cabeça pesa de sono, e descai sobre o peito nu de chocolate. As persianas fecham-se, o mundo cavalga na neblina do faz de conta sonhado. Paki corre na frente do jardim onde as flores azuis se abanam no bom dia da manhã. Da cozinha vem o cheiro da custarda com ruibarbo que ele tanto adora. Ouve a voz quente da mãe, sente a macieza reboluda do peito, onde ele rola o rosto e aquece a alma. Apetece-lhe correr, correr muito tanto quanto as suas pernas esguias o levem. É o seu sonho de todos os dias. E no rosto adormecido perpassa a luz do sorriso que lhe ergue as comissuras dos lábios cheios.

Depois, depois, vem o homem grande que sai do quartinho lá em cima, onde a madrinha ganha a vida e perde os anos, o homem que embirra sempre com ele, e lhe dá um pontapé dizendo-lhe:

-Ei, miúdo acorda, pisga-te daqui…senão desanco-te. Vai trabalhar moleque…

Paki levanta-se, agarra nos chinelos de borracha mas o pontapé atinge-o ainda nas costas. Dói. Nem tanto a dor seca que lhe comprime o ar fazendo-lhe arder as costelas, mas mais magoa aquela onda surda que o sufoca. Rebenta em lágrimas e ranho pelo rostinho. Paki é menino da rua, pobre, sujo, famélico mas sentido. A solidão dos afectos torna-o mais sofrido. Soluça Paki, soluça a alma da criança na sombra cinzenta do mundo às avessas. Paki é testemunha. Paki é nome Zulu.

08 julho, 2008

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O Mar e os Sinos

O dia não é hora por hora.
É dor por dor,
o tempo não se dobra,
não se gasta,
mar, diz o mar,
sem trégua,
terra, diz a terra,
o homem espera.
E só
seu sino
está ali entre os outros
guardando em seu vazio
um silêncio implacável
que se repartirá
quando levante sua língua de metal
onda após onda.

De tantas coisas que tive,
andando de joelhos pelo mundo,
aqui, despido,
não tenho mais que o duro meio-dia
do mar, e um sino.

Eles me dão sua voz para sofrer
e sua advertência para deter-me.
Isto acontece para todo o mundo,
continua o espaço.

E vive o mar.

Existem os sinos.

Pablo Neruda

.Hymn To The Sea - Titanic
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Mãe infusa

Ainda estão por dizer
as púdicas confidências
do tempo em que era possível
ouvir as hortênsias.

No quintal de incontinente
o maracujá enlanguescia
e pedra a pedra se reconstruía
a casa infinitamente.

Teu rosto ainda não vagueava
na noite fria do retrato.
Em que desmemoriada candeia
derramaste oh mãe o azeite intacto?

Dispunhas as jóias do inverno
para a festa cálida do verão.
Por certo alguma levaste
passando-a ao fisco da morte
para que uma pérola te assinalasse
no caso que o vento espalhasse
o pólen da tua mão.

Eis-te todavia sem ossos
mas mais do que nunca infusa
em teu ovular desvelo
e eu carnalmente intrusa
pressinto que para tocar-te
enfermo de longos cabelos.



Natália Correia
Poesia Completa
O Vinho e a Lira, 1966
Publicações Dom Quixote
1999
The Flower Duet - Katherine Jenkins
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05 julho, 2008

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La paloma

Poema de Rafael Alberti
 
Se equivocó la paloma
se equivocaba.
Por ir al norte, fue al sur
creyó que el trigo era agua,
se equivocaba.

Creyó que el mar era el cielo
que la noche, la mañana,
se equivocaba,
se equivocaba.

Que las estrellas, rocío
que la calor, la nevada,
se equivocaba,
se equivocaba.

Que tu falda era tu blusa
que tu corazón, su casa,
se equivocaba,
se equivocaba.

Ella se durmió en la orilla,
tú en la cumbre de una rama.

Creyó que el mar era el cielo
que la noche, la mañana
se equivocaba,
se equivocaba.

Que las estrellas, rocío
que la calor, la nevada,
se equivocaba,
se equivocaba.

Que tu falda era tu blusa
que tu corazón, su casa,
se equivocaba,
se equivocaba...







.Recuerdos de la Alhambra - Nana Mouskouri
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La vie en rose (Edith Piaf)

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.Des yeux qui font baiser les miens,
Un rire qui se perd sur sa bouche,
Voilà le portrait sans retouche
De l'homme auquel j'appartiens

[Refrain]
Quand il me prend dans ses bras
Il me parle tout bas,
Je vois la vie en rose.
Il me dit des mots d'amour,
Des mots de tous les jours,
Et ça m'fait quelque chose.
Il est entré dans mon coeur
Une part de bonheur
Dont je connais la cause.
C'est lui pour moi,
Moi pour lui dans la vie,
Il me l'a dit, l'a juré
Pour la vie.
Et dès que je l'apercois
Alors je sens en moi
Mon coeur qui bat

Des nuits d'amour à plus finir
Un grand bonheur qui prend sa place
Des ennuis des chagrins s'effacent
.
Heureux, heureux à en mourir.




La Vie En Rose - Edith Piaf
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03 julho, 2008

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As Time Goes By (Love theme Casablanca) - Ernesto Cortazar
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Silêncio

Correr na esteira do passado ao longo do corredor da vida, beijar o vento na aragem da memória, eis o presente de quem ainda respira mas já revive a neblina. São os cinquenta. Janela semi-aberta para a meia-idade e ainda semi-fechada sobre um tempo maduro que se côa. É assim que se equilibra o tempo. Embala-se nos acordes que brotam do leitor de sonhos, o corpo desfalece na languidez do sofá verde e o olhar perpetua-se no adejar do cortinado que sincopado rodopia em passos de danças leves e aéreos. O olhar magoa-se mas memórias e os lábios entreabrem-se em húmidos rios de palavras por dizer embora por demasiado pensadas. Houve duelos interiores que pereceram na arena do coração. Houve vontades desfeitas por imposição do soprar do vento da quietude, houve desejos amordaçados por imperioso bem viver, houve sonhos abortados por necessidades ditas do quotidiano. E o tempo escoou-se por entre os dedos, como se fora a areia em peneira de criança. No rosto, chão de linhas escavadas, talismã dos anos, existe um pouco de doçura e brilho fugaz de porvir. Esse chão que pretende ser o palco de uma vida, esse mesmo chão que envelheceu antes do espírito ou até mesmo do sentir. Será possível a máscara não casar com o costume? Perscruta o ontem na busca da resposta que se dissolve na maré do presente e quem sabe, na onda do amanhã. O que vê? Tanto e simultaneamente tão pouco. Dicotomia? Não, apenas perspectiva de tanto vivido, puxado, repuxado, apaziguado e quase esquecido. Dores, gritos, tumores coarctados onde, porém a cicatriz permanece. As preces erguidas em arroubos de esperança, o acreditar no amanhã, o esperar pelo que não chegará. Tudo, tudo, curvas de um percurso de vida. Hoje pára-se e olha-se. Não se respira porque o tempo não o permite. Apenas se inspira. Pertence-se a esta nova urbe como se fora inquilino não desejado. Tem que se habitar o prédio, todavia os lances são penosos e as varandas ventosas. Opaco desceu sobre a gente já amarelecida. E a voz? A voz é mandada silenciar como se fora som monocórdico por demais dissidente em ensaio de orquestra. Torna-se óbvio, que se perdeu o estrado, mas é latente que ainda se é necessário na subsistência da precariedade do presente. Uma espécie de salvo-conduto para se continuar. Ter cinquenta ou sessenta é ter muito vivido, e ainda ter muito por viver. Não é credível a frase por julgada excedente. Ter cinquenta é ser excedente no mundo precário de hoje. Saber julgado quase obsoleto, imperfeito ou até mesmo destituído.

Na sala de sofás verdes a porta fecha o tempo. A música parou o seu débito. O cortinado deixou a dança do vai e vem. A noite sobreveio ao dia no interlúdio do pensamento deslizante. É assim que o tempo a recolheu, sentada e pensativa. Tanto ficou por fazer, tanto por dizer, e mais ainda por amar. Houve pressa e correria. Um descartar de gente, na vã e inútil procura, da alcova ou do sofá perfeito, da primazia algures no mundo. Tudo isso não está, não existe, não se atropela, não se compra, não se tem ou se burla, apenas se sente. Sentir é uma arte, um dom. Sentir não é só rir, lacrimejar, chorar, ansiar, doer, é também e sempre partilhar e dar, dar-se. É essa a chave da vida. Abrir o olhar da alma no girar da vida.

E o silêncio casa-se outra vez…

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