Under your white stars", a prayer-lyric, written by Israeli-Yiddish poet Abraham Sutsever, the bard of the Vilna Ghetto.
Under your white stars
give me your white hand
my words turn into tears,
receive them in your hand.
When it becomes night
let the stars light up the dept of my glance
so I find quiet in the darkness,
allow you to weep again.
Only you hear what I ask,
only you know my pain.
Look at this fire, this I carry
and it burns in my heart.
In the cellars, in the dungeons
the freedom is in the death.
On the houses, on the roofs
I shout: "Where are You, God?"
Restless I look for You,
chased by death.
Only for this song I allow me a pause,
and I sing for You, oh God.
"...És homem, não te esqueças! Só é tua a loucura onde, com lucidez, te reconheças." Miguel Torga
03 fevereiro, 2008
Chagall
29 janeiro, 2008
.
A fome.
Na madrugada fria, parca de luz e cinzenta de tempo, Rosália puxa o cobertor puído para o rosto, encolhe-se no côncavo da cama, guardando todo o calor naquele breve espaço. São quase cinco horas da manhã. O vento assobia no granito da casa e depois sobe aos vidros e senta-se no velho telhado musgoso dos anos. Encolhe-se mais. Tirita. Não tem roupa quente. Breve casaquito de lã serve de aconchego nas noites geladas. Os pés vestem-se de meias de lã, daquelas grossas e ásperas já recosidas e que serviram nas socas. O marido, a seu lado, também ele em novelo, dorme no ressono da madrugada. Encosta-se na partilha do calor que o corpo teima em não ter. Treme e humedece os lábios ressequidos do ar. Tenta fechar os olhos e apagar os ouvidos, mas o vento tremula lá fora chiando nas telhas partidas. O ar gélido entra pelas frinchas e pelo chão de tábuas finas dos anos. As paredes desenham fantasmas vindos da janela onde as cortinas já gastas dançam ao som da melodia da madrugada. Volta-se mais uma vez, o rangido acompanha-a. O seu Inácio estremunha e diz-lhe entaramelado: -“Tá queda!”
Rosália espiga de centeio maduro e cheio, enrosca-se no seu Inácio e deixa o resto das horas cobrirem a madrugada. Quando o sol pálido despir o casaco do céu, ela terá que se erguer, acordar os pequenos, arranjar-lhes a merenda, fazer a cevada, dar um jeito nas camas, pôr umas batatas descascadas no pote e juntar-lhes a água. Depois é descer a rua e entrar no carreiro até lá baixo. Sempre a descer quase até á orla do rio, até ao lameiro. Hoje há que cegar o azevém. É sua a tarefa. Já de avental posto, socos calçados, lenço amarrado, casaco cinzento, velho e gasto a aconchegar os ombros de carnes já fugidas. Rosália dá a salvação aqui e ali, pergunta por um ou outro, e sempre sorrindo num trejeito de lábios presos, continua caminho abaixo.
Vê a sua terra ainda pestanejando na neblina da manhã. Está ainda parada. Pouco trémula. Apenas o ar é fresco de límpido. O rio corre tão manso que nem bule. Também dorme. A sua cor ainda não está destapada. Olha em redor e suspira. Chega-lhe o cheiro das couves que parecem abanar, da terra que se destapa, e das heras que se sacodem nos muretes de granito velho e tosco.Sente-se prenhe da sua terra, do seu chão.
O lameiro sorri-lhe no verde da manhã, acompanhado pelos ramos de umas poucas oliveiras já aliviadas do negro. Suspira, pega na gadanha e curva-se no corte rente do azevém. Assim despida de roupagem verde a terra suspira, recolhendo-se. Rosália torna a lide maquinal, num movimento circular de braço, ombro, braço, ombro, como se fora espiral. As mãos fortes e gretadas, onde os sulcos do trabalho se abeiram das veias, compassam a lide em apertos de raiva. Mais á frente ergue o tronco, endireita os ombros, e desafia com um olhar o ar que a rodeia. Perlam-lhe a testa e as fontes, gotículas que lentas escorrem adentro. Afasta pequenos fios loiros que teimaram em escapar do lenço, e estão agora empapados. Direita de gadanha na mão, olhar firme e ávido de muito, estica o braço esquerdo e aponta, algures, no espaço longo de azul forrado, zurzindo as sílabas: -“ Sacana de vida!” A gadanha silva o ar, depois descai como se fosse tomada por um soluço. Deixa cair os braços e retoma a faina.
Nestes momentos de solidão, pode, e extravasa toda a sua revolta, asco, e fúria. Ainda estão vivos os outros tempos, quando trabalhava na pequena empresa, tinha o seu salário, o seu Inácio também. Viviam na vila num apartamento cómodo. Os pequenos, dois, quase seguidos, porque assim os tinham planeado, estavam na creche. Tinham a sua vidinha. Não eram limitados nem iluminados. Eram gente viva de um povo. Porém a empresa começou a ir-se abaixo, depois de percalços de salários atrasados, acabou por fechar. Despedidos, com contas para pagar, só tinham tido uma única solução. Voltar para a aldeia, para o quase casinhoto dos pais dela, já fustigado pelos anos e tempo. Sem quase condições. Fora um recomeço amargo. O recomeço destes novos tempos onde a vida se torna mutável de vazia. Fizeram umas obras, umas pequenas coisas, ela tinha esfregado, esticado e puxado. Voltado aos tempos quase de antanho. Mas as crianças tinham sido talvez as mais doridas. O seu pequeno mundo tinha aberto uma brecha nas cores da quase perfeição. O Inácio trabalhara á jorna mais uns biscates de inicio. Agora já tinha um empregozito numa oficina, coisa que ele detestava, pois o coitado era mais de papel do que de mãos, mas tinha que sacar o dinheiro para alimentar as crianças. Quantas vezes, a sua barriga dera horas e troara de vazio? Tantas, a sua e a do seu Inácio. A fome batera-lhe á porta quando se dizia que o mundo avançava. Não era de grandes tiradas de pensamento, mas achava que algo andava mal na cabeça dos governantes deste país. Olhava em redor e só se ouviam queixas, dores. Os sorrisos estavam fechados, as pernas tornavam-se mais trôpegas. Não, não era a idade, era a vida, a sacana desta vida, parida de ais e uis! Cospe de raiva. Despeja o amargo que lhe vai nas entranhas.
A manhã já vai alta. Acama o azevém para o seu Inácio o carregar mais tarde. Os animais já têm ração. O pior é as gentes. Inda hoje vai ser um caldo e umas batatas. Está-se quase no fim do mês e o dinheiro é curto. A janta é sempre um pouco melhor, há que alimentar os pequenos e a vergonha de mãe impede-a de lhes negar uma refeição quase normal. São tão finos os seus pequenos. Duas cabeças castanhas, e quatro-olhos cheios de luz abertos para a vida. Como impedi-los ainda de sonhar? Mãe que é mãe, não faz, não pode fazer isso. Quantas vezes na cama rangente, do seu quarto despido, chorou com o seu Inácio, desesperou pelo dia seguinte, suplicou por pão. Tantas, Senhor! E os olhos orlam-se de lágrimas, não são doces, são amargas, agudas, viscerais de ácidas. São lágrimas de mãe e de mulher.
Sobe lenta o carreiro, o avental vem enrolado no sujo da terra. As mãos poisam de doridas nas pernas que avançam. Um passo, mais outro, e outro. Os socos matraqueiam nas pedras aqui e acolá. É seco o calcar, pesado de sentir, agitado no movimento. Rosália avança ao compasso dos pensamentos. Entrechocam-se as imagens passadas com as presentes, apenas as do futuro são nadas, vazios sem moldura.
-Será que a vida tem que ser assim? – Murmura. Será? Tão dura e áspera, porquê?
Que país é este onde as suas gentes sofrem o amanhã de cada dia, como se tivessem que expiar os erros daqueles que sentados á mesa do poder se empanturram de tudo esvaziando as cestas daqueles, que como ela joeiram o pão-nosso de cada dia?
Rosália bebe o ar fluido da manhã já quase morna daquele inverno da sua tristeza. Os dias ocos de esperança, frios de sonhos e acres de luta no rol do tempo nu de futuro. As gentes, as crianças, tudo tem fome de futuro. Fome negra, ávida e ansiada, fome desejada, fome de esperança, fome de sorrisos, de rostos abertos e corações leves. De baladas cantadas na alma de um povo!
.
23 janeiro, 2008
Mulher de Gabriela Martins
20 janeiro, 2008
19 janeiro, 2008
.
Tango da Vida
As paredes esquálidas sombreadas de amarelo pardo e escuro triste, o chão rangente, esfregado de humidade escorrida, aqui, e ali, já carcomido de tábua podre, a janela no meio da parede em esquadria torta, olhando parada a vida, que de igual suja os vidros já foscos de amanhã, a cadeira velha, gasta que descansa ao canto na espera de um corpo macio. Tudo é cinzento, triste e atávico no quarto da Vida.
O Cheiro, não se sabe porquê, é de suor; suor escorrido, transpirado e molhado. Eleva-se em nuvens, molha as almas e invade os corpos. O suor rebola o ar, dá-lhe o odor vivido do desejo.
A porta geme e entra o homem, gingão, moreno, franzino, maleável, permeável. A brilhantina escorre-lhe no azeviche da cabeça, o olhar corta o cheiro e embala o desejo. A música crepita nos acordes. Três, únicos, marcantes, vibrantes e dançantes. O homem gira, agacha-se, compassa. Levanta-se, e entrega-se ao som que crepita de tom, qual labareda vermelha. Estende a mãos. Ela chega, carne viva, roçada e criada de movimento. Juntos, unidos, em ritmo único abanam, baixam, cruzam, afastam, inclinam, um, dois, três, em baixo, um, dois, três, ao lado. O olhar é fixo, interior, sentido. Dobra-se, ergue-se e parte-se na entrega.Viola-se no prazer. Suspira no escutar e abandona-se no vai e vem.
Há paixão, ritmo, carne. As pernas entrecruzam-se, tocam-se, exploram-se. Há prazer. Os corpos dúcteis entrechocam-se no desejo, e o suor invade a cabeça, desliza pelos cabelos que empapados se tornam mais vivos e dançam também, colando-se tal como os corpos. Exala o suor do sentir, fétido de desejo, prenhe de paixão. E o movimento único, compassado, ao som das palhetas de bandoneón grita em raiva dolente, em escárnio cuspido, em sentir violado. Tudo salta, tudo irrompe em gestos, olhares e dança. Há fogo, há labareda. Há cinza, tristeza. Vermelho e negro. Corpo e alma. Mais um passo, mais um acorde, e ela requebra, articula a perna esquerda em movimentos fortes e vibrados. Baixam-se de novo em uníssono de movimento, alagados no fluir da música. É dança canalha, suor perlado, olhar dividido, roçares mastigados. É raiva, é dor, é asco ,é paixão. É assim que se dança Tango da Vida…
.
.
13 janeiro, 2008
Uma Estrela e um Rebuçado.
.
Uma estrela e um rebuçado
Era uma vez…
Uma menina pequenina de olhos lindos ,e caracóis escuros ,de sorriso gaiato dançando nos lábios de uma boca sempre vermelha de alegria. Os olhos brilhantes de luz interior ora se abrem deslumbrados ora sedentos de vida. Um redemoinho de gente, uma ternura vestida de quatro anos. Chama-se Joana.
Joana espevitada de palavra bem silabada impondo regras, não se deixa ficar aquém, o seu dedito espetado, sorriso franco, caracóis dançando e cinco reis de gente, fazem dela o arauto da pequenada. Joana é traquina, ladina e menina. Menina de ideias saltitantes e gestos falantes. Tão depressa é um docinho de meiguice envolvente como um diabinho de saias troante. Joana cinco reis de gente, um quinhão de alegria e um alambique de meiguice.
Ora, num destes dias, o avô de Joana foi embora. Assim de repente. Ela bem viu o pai pôr a gravata preta, andar de cara triste e olhos aguados, ela viu a mãe também estar mais calada. Pressentiu mas fingiu não perceber. Criança tem destas coisas, sabe, mas faz de conta. Lá no fundo do coraçãozinho fica assim como que tivesse um arranhão, mas o faz de conta vem, e veste o arranhão de cores do sol e a gente esquece. Por isso é que se é criança.
Houve um dia que a avó chegou a casa sozinha com o pai e a mãe. O avô não veio. Então a mãe explicou que o avô já não estava cá que tinha partido para outro lugar também lindo e bom. Joana abriu os lindos olhos, entreabriu a boquita. Ouviu a sua irmã, Maria, já uma menina de sete anos que sabe ler, escrever e desenhar e percebe muita coisa, chorar, chorar muito. Joana teve vontade também, mas porque é alambique de meiguice, estendeu, não só o dedito, mas as mãozinhas para a Maria, que desconsolada soluçava, e disse naquela vozinha doce que estremece o coração dos grandes:
-Maria, não chores. O avô, agora é uma Estrelinha!
Naturalmente que a Maria soluçou, e a avó também, o pai pigarreou e a mãe ficou com os olhos marejados. Procurou-se estabelecer a normalidade, fez-se questão. O esforço nestas alturas é colaborante entre as vontades. Veio a noite e a hora da caminha para as meninas. A Maria e a Joana despediram-se da avó e foram para o quartinho, deitaram-se, disseram boa noite e então é que foram elas. A Joana chorou tanto, e tão desconsoladamente como se o arranhão do seu coração se tivesse aberto numa ferida muito grande, daqueles dói-dóis que precisam de ir ao doutor. Chorou, chorou como se cinco reis de gente fossem, não um alambique de meiguice mas antes de tristeza.
No dia seguinte já sarada e lavada do seu arranhão- dói-dói, Joana levou o dia mais ou menos serena, coisa invulgar naquele diabrete de saias. Era sábado ou domingo, não sei, mas também não importa. Que era dia de anos, isso era. Maria, menina crescida e já com amiguinhas lá foi, Joana também, porque ao diabrete toda gente se derriça. Certamente que pularam, riram, e cantaram. É a infância. Os corações, nestes verdes anos são tão limpos, que dá para tudo, rir, cantar e chorar, tudo num dia como se fora sol, chuva e depois o arco-íris de mundo.
De olhos vivos e sorrisos abertos entraram em casa. Contar as maravilhas da tarde foi relato detalhado, porém Joana que trazia na mão um saquito de rebuçados que não largou. Depois dos beijinhos, de se despir dos casaco e demais atavios, senta-se num cantinho, despeja o saquito e muito concentrada, escolhe, mexe, remexe, escolhe, pesa e sopesa. Decide-se finalmente.
Com aquele sorriso de olhos e lábios que iluminam o rostinho moreno e abanam os caracóis, diz junto da avó:
- Avozinha, olha, toma este rebuçado para o avozinho, para quando ele vier do céu, e dá-lhe também um beijinho meu.
Claro está que a avozinha lacrimejou, claro que guardou religiosamente no seu cofre pessoal o rebuçado, qual jóia viva, claro está que contou a todos esta preciosidade de um alambique de meiguice chamado Joana, claro está, que eu, sua tia, tive também que vos contar esta doçura.
E este foi o meu conto, de uma de uma princesa linda mais de uma estrela, um rebuçado e um alambique de meiguice!
.
10 janeiro, 2008
Quis
Quis um dia criar palavras,
Belas, soltas, fortes e pensadas,
Quis um dia contar,
Contos de gente, fábulas de vidas,
Sonhos desejados e lágrimas caídas.
Quis um dia chorar,
Sons magoados de sílabas lançadas,
Ao vento áspero dos afectos.
Quis um dia acreditar,
Na amizade ou amor, digam o que for,
Quis sorrir no vermelho da dor,
Por entre gotas roladas de sentir,
E tréguas de porvir.
Quis ser fraterna, amiga, companheira,
Breve e simples mensageira
Desta solta melopeia cuspida,
De andrajos vazios de afectos
E alinhavos podres de sentires.
Quis…