Quem sou eu

Minha foto
Alguém que ama a vida e odeia as injustiças

04 outubro, 2007


Uma vida…

Senta-se sob a velha oliveira no remanso do seu quintal. Sopra da montanha a aragem fluida das manhãs de ouro e vinho. É Outono, a sua estação. Sente os ossos picarem sob a camisa mas a paisagem come-lhe a dor. A sua terra é o seu mundo. Dura, rude, bravia mas de promessas rubras entre folhedos da cor do sonho. As memórias cospem-se-lhe nos olhos já gastos. Fora assim a vida, recorda lentamente, vê-se…

Mineiro -menino de bota rota e dedo saído, calça curta de fundilho remendado de uma só alça, camisa desbotada de manga já curta, camisola enrolada e larga no corpo miúdo onde espreitam redondos de fio já ido as pupilas tristes de outro branco meio sujo, boné cinzento onde os quadrados de um dia são linhas partidas de hoje, corre saltitando nas pedras do caminho encaracolado de vinhedos despidos. Vai zurzindo em cada salto as agruras do tempo de ontem e mais as do amanhã porque a de hoje, ele, malha-as na sua labuta de mineiro-menino…

Seis horas de um dia ainda por nascer. O sol não despregou ainda as pálpebras no céu de um azul meio desbotado pelo alvor que chega lento. O ar é gélido, sopra frio e cortante dos montes em concha. Lá pelos altos uiva como se fora loba ciada, e aqui em baixo, como gente esfaimada. Os cepos de vinhas não bolem aconchegados à terra, apenas o pó de xisto voa encosta abaixo no rolo de névoas pingadas. Lá pelos baixos, na planura das Gatas, onde a urze e o tojo amaciam as pedras, e o granito se senta nos caminhos vestido de cinzento triste e duro, para esquecer a solidão do mundo, a terra abre a boca em túneis de volfrâmio .É ali que, Agostinho de doze anos frescos e vivos ,faz pela vida. É magro quase seco, cabeça de pente zero, pernas ágeis, olhos pretos vivos, sorriso de luz nuns lábios cheios. As orelhas são pequenas mas em alerta constante, captam os sons dos pássaros, do rio, das folhas, dos bichos companheiros de carreiro. As mãos são fortes, de dedos articulados onde as unhas partidas e sujas lhe revelam a labuta amarga de cada dia. Ainda há pouco deixara os bancos de escola. Gostava do ar morno, da ardósia, do quadro negro borrifado de letras a giz, dos lápis aguçados, de escrever e ler, nem tanto das contas, mas mais ainda, gostava do professor, e das brincadeiras nas traseiras, e da fatia de broa que trocava ou recebia nos dias de aperto. Gostava de lá.

Agostinho era o único macho no meio de seis fêmeas. Um disparate. Tinha dureza dobrada. O pai, homem pequeno de tudo menos na garganta seca de vinho, a mãe ,figura azeda desde que botara cá para fora o primeiro vagido até aos dias de hoje, mourejava-o de trabalho ,e às irmãs essas coitadas, crivava-as de lides sem lhes dar um sorriso, um afago. Agostinho recorda. Não se lembra desses trejeitos. Cresceu no amor do trabalho, no esforço da labuta, na raiva do não ter, no ódio da desigualdade. Trabalhou nas Gatas por tuta e meia, trouxe muito vagão para a superfície, carregou muito balde. Depois, depois partiu. E partiu para longe e foi marçano. Conheceu o mundo da cidade. Plasmou-se a ela. Passou fome, carregou a cama e a maleta, fez-se finório e ajeitou-se como operário. Foi um mundo, o mundo das ideias que lhe varreu os sentidos. Aprendeu que não estava só, que o mundo era o lugar onde se lutava, e onde não se cuspia, mas se escrevia. Palavras fortes e de igualdade, palavras de união. Palavras que sentia no peito e lhe erguiam a mãos. Os colegas e amigos passaram a ser os seus camaradas de sonhos e ideais unidos na revolta da pobreza, e no desejo de um amanhã de certeza. O segredo, o compartilhar, o unir, passaram a ser parte de si. Na luta pelo pão, pela justiça, pela liberdade, Agostinho achou-se a jeito. A sua natureza sofrida fez eco de tudo o que apreendia.

Já jovem, bem-parecido e esbelto, de falas ricas e fluentes faz o rente às camaradas ,mas não se envolve. Alto lá, é magano suficiente, sabe bem o que quer, sabe que a luta vai ser dura, e no fim, logo se verá, o que lhe caberá. Não tem tempo para lamechices. O estudo, as reuniões, o trabalho forram-lhe o tempo. É um homem novo, desenvolto e curioso, poupado e equilibrado. Um só viciozito, o cigarrito, e o chapéu mais a gabardine que compõe-lhe a imagem ao domingo. Durante a semana é o fato-macaco azul, as nódoas de óleo, as mãos de unhas negras como se ainda fora menino nas Gatas. O seu volfrâmio mudou, agora são as máquinas que ribombam, chiam e assobiam. Um mundo de sons que lhe martelam os ouvidos como se fora melodia fadada. Agostinho-operário, de alma quente e cabeça coalhada de liberdade ri forte e dobrado do mundo que o acolhe. Sente-se dono de si, e dos outros, da vida e do futuro. Julga que já conquistou o seu lugar ao sol. Pobre menino-mineiro-operário!

-Ó Inácio dá aqui uma mão. Esta gaita não engrena, filha dum…

-‘Pera aí,pá. Não posso, mas já i vou…o chefe quer isto pra daqui a uns minutos.

-Ora, que espere., a gente tamém não pode fazer mais. Vá lá explorar pró raio c’u parta.

-É ‘Gostinho, fala baixo… cuidado, que ele anda de olho em ti… o Pereira…

-Que se lixe!

Naquela mesma tarde foi despedido. Seca e sem mais. Assim de frio. O estômago deu-lhe um salto que quase lhe veio à boca. Agostinho sentou-se na borda do divã no quartito nu que dividia com o Inácio e pensou, pensou., fumou e fumou …e … decidiu-se. Havia tempos que lá no fundo da cabeça lhe batia a ideia de ir para a França. Já tinha um ofício e depois nas reuniões diziam-lhe que ele podia ajudar os camaradas lá fora, que tinha jeito, que podia ser líder. Aceitou e mergulhou. Passou a salto. A raia era de gentes caladas mas guichas. Fala mansa pela frente, mas nas costas, a Guarda era pantominada, e no embuste ,os camaradas davam o salto para o outro lado. Ainda se lembra dos rostos. Não eram macios, tinham o ar do tojo que cobria campos de liberdade.

Lá chegara a outras terras e, rapidamente os contactos tinham-no levado até Montmartre à rue de l' Espoir, e por aí ficou durante um par de anitos. Trabalhou de limpeza, de varredor, e finalmente como operário. Lado a lado embrenhou-se nos ideais que conhecera. Havia camaradas, companheiros e amigos. Hoje, figuras de proa do seu país, esquecidos já do móbil da sua luta. Sentam-se tal como ele, não sob velhas oliveiras, mas em suaves e cómodas poltronas. São a elite que renegavam palavrosamente. O homem é mesmo bicho inconstante sem tino. Assobiem-lhe meia dúzia de promessas, de bem-estar, e ei-lo que esquece o passado, promessas, ideais. Ouve amiúde: -Ó amigo, os tempos eram outros, éramos jovens. A vida é assim! Como se fora vento passado em sopro.

Veio Abril. Tanto recordar, tanto frémito, clamor e arrepios. Gritou, chorou, rodopiou e sentiu-se livre. Entre camaradas houve promessas, gritos cavados nas entranhas de luta. Foi um sonho, liberdade, esperança e alegria, muita, tanta que não se recorda mais de a ter sentido igual. Regressou. Era o seu país, o seu mundo. Ficou na cidade, mas ajudou nas aldeias. Foi revolucionário. Não o fora sempre? E depois os tempos eram ágeis de mudanças. Muitas ,com e sem sentido. Muitas foram pétalas abertas sorvendo a seiva da justiça, outras, foram picos em cardos de monte. Nem tudo pode ser perfeito. Depois é que veio a injustiça. Nesse outro tempo, o tempo que já não era dele, afastou-se. No peito cabia-lhe a alma de homem novo, e não, deste outro que criavam em ondas de poder subido ou descido como se tudo não fora mais do que um carrossel de feira. Desligou-se e foi à sua vida. Casou, na aldeia que o vira nascer e com moça de lá, uma tal Adelaide filha da doce Júlia Papas. Vieram os filhos que educou e instruiu. A vida continuou no seu curso ora áspero ora leitoso. Os anos deslizaram na carne e no espírito criando-lhe sulcos de sabedoria e hiatos de memória. Por vezes já se confundia, mas logo se recompunha. Não reconhecia nos tempos a trova cantada de um dia, de uma vida, apenas as vozes quase sussurradas das gentes que subiam e desciam o monte, como ele fizera aquando menino-mineiro. Agora não dançavam as vozes em gorjeios nem tremiam em soluços pois era tudo mais fácil mas também mais breve, como que aflorado. Até parecia que os cachos dos vinhedos se tinham tornado maiores, mais lindos, mais dourados, ofereciam beleza aos olhos mas quando os trincava, eles, tinham perdido a doçura da ilusão.

-Agostinho, ó homem vem para dentro que está frio. Lá estás a sonhar!

-Já vai, já vai… Um homem nem pode estar com os seus pensamentos … ora.

Como se a vida fora um sonho de quimeras ou de uvas doces… como dizia o seu Torga que ele ainda tivera a alegria de conhecer. Recorda sempre a frase que já não sabe se leu ou ouviu mas que cada manhã repete na boca vazia de ilusão ” “O que é bonito neste mundo, e anima, é ver que na vindima de cada sonho fica a cepa a sonhar outra aventura. E que a doçura que não se prova se transfigura noutra doçura muito mais pura e muito mais nova “

Suspira, ergue-se e murmura:

-Oxalá que as cepas comecem a abrolhar bem cedo, que bem precisamos…!

E o ar ligeiro rodopia por entre os vinhedos fartos varrendo-lhe o pó dos tempos.

28 setembro, 2007

Posted by Picasa

A M É L I A

Amélia é figura e pessoa de artifícios. Brinca com os dedos esguios de unhas vivas no sussurrar das palavras escolhidas. A boca cheia, húmida e gulosa espraia-se num sorriso de dentes alvos. O tom da pele é mate condizente com o negrume da cabeleira longa e tratada Figura de ondulados requebrados e lisuras quentes, ela deixa no trejeito balanceado da anca, o adivinhar de promessas quentes e suadas. Passa lenta e bamboleada. Sobeja-lhe carne na tira de pano, as nádegas duras não estremecem no meneio. Deixa atrás de si o cheiro de fêmea em mil promessas sonhadas. Pé aqui, passo acolá ,e ei-la em frente do carro. Deita um olhar enviesado para trás e sorri. Sabe que os olhares a seguiram. Devagar, devagarinho, baixa o tronco, as pernas, mantém-nas hirtas ,realçando-as. Os seios num semi decúbito espreitam no decote redondo. São frutos maduros de carne acetinada que estremecem em cada suspiro de encanto.

Amélia de proficiente geóloga, no dia-a-dia torna-se em gloriosa acompanhante, ao fim-de-semana. Duas etapas que lhe preenchem as semanas, e lhe vão forrando a carteira bem como os hábitos de vida. Tudo começara há já tanto tempo, parecia-lhe.

Devia andar pelos seus dezassete anos e já era um traço como a chamavam. Tudo nela vibrava desde o cabelo ondulante aos pés esguios e morenos. O corpo, o seu cartão-de-visita, que a mãe queria tapado gritava-lhe de ânsia no côncavo dos dias. Tudo começara de uma forma simples e linear. Um convite para uma festa, um convite para um brinde, um semi-cerrar de olhar, uma mão quente na nádega morna descaindo ligeira para a púbis e…. Todo o resto girou em volta. Depois nem sequer houve lágrimas, antes o desejo incontrolável de mais e mais. Nunca tivera dons especiais mas naquela arte tudo lhe vinha em jeito, era só colocar o desejo do corpo nas mãos e nos lábios, roçar e ondular, envolver, e sentir, sentir tudo. Tornara-se verdadeira artista do amor, sabia pintá-lo nas pregas do desejo em tons de paixão. Era procurada, invejada e adorada

O seu jeito não colidira nem impedira que o curso fosse iniciado e concluído. Deste ao emprego e á carreira foi um salto. A mente e a carne numa dicotomia de géneros. A sua arte subsidiou-lhe o curso, pagou-lhe a integração em meios que nunca sonhara, e fez dela uma referência de bem vestir. Longe do olhar inquisitivo materno e da pequenez do meio que afogava, Amélia lançou-se na profissão mais velha do mundo, mas cheia de classe. A sedução passou a ser mais do que nunca a arte, por excelência. Depois veio o saber estar, pisar, falar, sorrir, comer. Tudo nela é perfeito. Hoje entra no carro com o triunfo da vitória na boca húmida. Aqui é uma desconhecida, no seu meio, uma senhora. Todo o fim-de-semana, ela, Amélia, apanha o avião, o comboio ou simplesmente senta-se ao volante do seu carro percorre milhares de quilómetros, aloja-se em belíssimos hotéis, pousadas, mansões e vive as vidas de sonho que um dia imaginou. Os companheiros, breves condutores de momentos e molas reais dos seus caprichos, sejam eles carnais ou materiais, não contam na sua jogada de vida. São meros epitáfios. Acompanha-os a festas, recepções. Sorri, passeia a sua beleza e guarda a sua inteligência. Ri sobre um chabblis ou sorve delicadamente um cointreau. Mordisca graciosamente um aperitivo. Sussurra amiúde ao ouvido do seu par que invariavelmente assente e lhe sorri do fundo dos olhos. Quando o tempo se arrasta em conversas demasiado pesadas, tem a graça de torcer um salto, entornar ligeiramente o ouro de algum balão ou simplesmente deixar cair algo. Aí é voluptuosa no baixar e no erguer. Rapidamente o silêncio se impõe, e lesta a acompanhante sorri, domina o braço, o olhar, e a vontade do seu par. Depois é levá-lo sendo conduzida para o lugar dos quereres. Aí, qual rainha domina o seu súbdito. A máscara deixa de ser gentil para se tornar ávida e gulosa, feita natureza em labareda.

Um destes dias, numa daquelas vernissages tão em voga e tão decrépitas em si, enquanto acompanhava uma digníssima figura da nossa praça, da arte da escrita, e passeava o seu olhar em redor na tentativa de minorar o aborrecimento, premissa da função, reparou naquela sombra que descrevia em si força, e uma certo ar blasé. Rapidamente, como predadora que é, sentiu a necessidade de se apoderar dela, e pé ante pé, de sorriso e olhar doce, tanto a olhou que, um belo quarentão maduro lhe devolveu o sorriso num olhar bem azul. Com segurança de quem conhece o género, aproximou-se, cumprimentou, trocou as trivialidades habituais e, estabeleceu de imediato a empatia necessária. Aquele fim-de-semana foi excessivo em tempo. O escritor adulado, de sorriso aberto era afinal, um ser quase abjecto, tratando-a como se fora algo descartável. Tivera que cumprir o contracto e nada mais. No dia seguinte já liberta da névoa pesada da noite, e tendo sempre no fundo da cabeça o sorriso azul tratou de utilizar todos os artifícios e artefactos ao seu alcance para o localizar. O nome do seu dono era Fernando. Fernando Cerveira e pronto, telefonou. O encontro foi marcado algures, num restaurantezinho simples e saboroso. O que comeu, bebeu ou falou não recorda, apenas uma sensação de calma e tranquilidade, um compartilhar que não sentira nunca. Não precisou de se utilizar Conversaram sobre tudo e nada, acharam pontos em comum, riram dos nadas e falaram dos muitos. Os encontros sucederam-se durante a semana. Lenitivos da sua vida. Era feliz. Não tinha, pela primeira vez, vontade de partir em aventura. Mas o seu amigo, estava ocupadíssimo ao fim de semana.

-Amélia, os fins-de-semana são sagrados para mim. Não nos podemos encontrar. Estou ocupadíssimo.

-A família talvez? pergunta Amélia

-Ah, ah, ah, minha querida, não de modo nenhum. O eterno feminino. Não apenas a minha profissão…

Aceitou, havia os outros dias da semana, e eles eram tão preenchidos pelos dois. Fernando começara por subir até sua casa, depois a jantar, conversar, e finalmente a amarem-se.

Tudo acontecera naturalmente no leito do seu quarto. Entregavam-se calmamente, sorriam no jogo leve de sedução, respiravam em uníssono na entrega e riam felizes na consumação. Era a descoberta. Diferente, uma doçura viva e não uma labareda atiçada em cavacos de desejo. Seriamente começou a descuidar os seus fins-de-semana, a entreter-se com coisas diferentes da sua pessoa, a prestar atenção às pequenas coisas em seu redor. O mundo era mais próximo.

É domingo. Está em casa e abre a janela, respira o ar que a brisa do mar espalha Enche os pulmões e pensa no que vai fazer.

-É isso, diz para os seus botões, vou dar um passeio pelo velho Porto. Uma visitinha cultural. Já faz tempo.

Veste-se ligeira de forma solta mas coquete. Desce e entra no carro. Conduz alegre cantarolando livremente. Brinca-lhe nos lábios o sorriso da vida e nos gestos o calor do encantamento.

Já no adro da Sé percorre-o lentamente, e olhando em redor de pálpebras semi-cerradas abrange as colinas debruçadas no rio ziguezagueante que se perde na boca do mar. As cores alargam-se nas margens crepitando de vidas. É a sua cidade. É bela, velha e sábia.

Dá meia volta e vê a velha Sé. Imutável no tempo, sólida na amargura e doce no amparo. Hesita. Não é lá muito de igrejas…é só uma visita. Entra. A penumbra varre-lhe o corpo e aflora-lhe o espírito. Está quase vazia. Percorre a ala lateral e lentamente ajoelha-se. Não sabe porque o faz. Ergue o olhar e fixa-o na imagem de Cristo crucificado Entabula um solilóquio que a recolhe profundamente. De tão absorta não ouve o os passos, nem o rangido do banco. Sente a mão no ombro…a voz pressente-a no seu interior. Ergue a cabeça e olha sem ver. Uma cegueira não de sol mas de negação. Olha uma vez e outra… e outra. A seu lado uma sotaina, um colarinho branco e um olhar azul, dizem-lhe que a igreja vai ser encerrada.

-Tu?! Tu?!

-Oh, Amélia!

Salta e corre para o exterior. Atrás de si vem a batina… a batina!

-Oh meu Deus! És mesmo padre? És padre?

-Sim.

- Como…pudeste…?

-Pude, fiz, e sou aquilo que vês. O meu voo começa e acaba aqui. O corpo leva-me mas o espírito traz-me. Perdoa-me, se puderes.

-É só…? Nada mais?

-Sim!

Amélia baixa-se lentamente como se fora cair. Mas apenas se acocora. Abana vivamente a cabeça, os cabelos espalham-se finos e revoltos no rosto. Tapam-lhe as narinas quase impedindo-a de respirar O olhar é negro, dorido, partido e sofrido. Desapareceu o brilho e há a luz do ódio. Os punhos cerrados golpeiam o muro…Não grita, porque o som desapareceu perdido no peito latejante.

Já de pé corre para o carro. Conduz rápida e arfante. Não chora, não soluça, não treme. O seu voo começara, as asas estavam abertas e ela planava livre, livre… no azul do seu espírito…

24 setembro, 2007

Carmen Ballet





..................................
L'amour est un oiseau rebelle
que nul ne peut apprivoiser,
et c'est bien en vain qu'on l'appelle,
s'il lui convient de refuser!
Rien n'y fait, menace ou prière,
l'un parle bien, l'autre se tait;
et c'est l'autre que je préfère,
il n'a rien dit, mais il me plaît.

...............................................................................

Carmen (Acte Premier)


BALLET FLAMENCO DE MADRID

As seis cordas

Federico Garcia Lorca


A guitarra
faz soluçar os sonhos.
O soluço das almas
perdidas
foge por sua boca
redonda.
E, assim como a tarântula,
tece uma grande estrela
para caçar suspiros
que bóiam no seu negro
abismo de madeira.