Ontem, corri para o mundo...
ECCE HOMO
Da argila morna, surge,
A mão crispada,
Que se estende na procura
Do ar que flutua entre os dedos,
Depois o braço dobrado que se ergue
Na linha da vida,
A cabeça que se coloca erguida,
Por cima dos ombros,
Sustento de um corpo,
Ainda trémulo,
Mas já erecto,
As pernas vêm depois,
Fortes, ágeis,
Troncos robustos
De um percurso.
Ecce Homo….
E os olhos abrem-se
Num piscar gotejante,
A boca rasga-se,
Húmida e ávida.
A voz, gutural, ecoa
Dentro da alma
Desconhecida,
Mas latente.
O coração pulsa ritmado
Em jorros de sangue.
Ele move-se, conjuga gestos,
Trejeitos e pensamentos.
Num breve estender de mão.
Ecce homo…
Não sabe,
Não lhe foi dito,
Não lhe foi mostrado
Quão divina e mortal
É a sua criação,
Quão fugaz é o seu sopro
Nas teias por si tecidas,
Mas ignoradas.
Na violência, no desamor
De rios perdidos,
Na cupidez, no egoísmo
De altares vazios,
No correr, no perder
De almas cansadas.
Na vã glória dos actos
Grotescos e obscuros.
No riso, no esgar, no choro
Do seu ser de matéria, de pó,
De sémen, de vida.
Ecce Homo….
Pai da Razão e,
Filho da Alma …
Matriz da Humanidade
Que popula nos canteiros
Do Mundo…
Hoje, vejo o mundo correr...
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