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Alguém que ama a vida e odeia as injustiças

28 julho, 2015

Solidariedade




Hoje ao ouvir o Secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações, Sérgio Monteiro sobre a privatização da REFER tive, mais do que nunca, a noção exata de que o estado social desapareceu, caducou, pereceu e jaz enterrado, algures no cemitério, não dos Prazeres, mas sim da Solidariedade.
O cavalheiro, gestor de formação académica, tornou claro que o lucro é a parte necessária e primordial na existência de qualquer empresa, seja ela mesmo de interesse da coisa comum, isto é do Estado. Presentemente vivemos no primado do lucro. Sejam hospitais, escolas, transportes públicos e a fins. Tudo tem que ser lucrativo sob a pena de ter que ser privatizado rapidamente, para que o Estado não seja onerado, e assim o coletivo nacional usufrua de uma estabilidade económica que lhe permitira viver qual Pais das Maravilhas sem Alice.
Ora e segundo a minha perspectiva pessoal, existem vários bens perecíveis neste Estado, os quais continuam, sine die, a delapidar o erário público sem quaisquer benefícios para o coletivo português. Como exemplo aponto os preclaríssimos deputados da nação, que não só estiolam tempo como muito do nosso dinheiro, em nome da democracia, ou então, quando esta não é suficiente, em oratórias egocêntricas cujo conteúdo bajula as mentes políticas dos seus pretores, que diga-se em abono da verdade, há já muito estão desligados da justiça e seus critérios. Para estes não existe o alerta vermelho do lucro ou da contenção, a razão ou não razão desta ausência espanta-me.
Outras pequenas grandes picardias económicas que os sucessivos governos têm feito, gasto, delapidado, vendilhado mais do que vendido e doado é quase uma outra estória infantil. Dar-lhe-ia os títulos de “Ali Babá e os quarenta Ladrões” , “O Lobo e o Cordeiro” e “Pinóquio”. Abstenho-me do final moral das mesmas. Por demais óbvio.
Pois estes senhores que se sentam em estofadas cadeiras na casa da democracia usurpam muito dos nossos míseros euros, passeiam-se nos degraus do poder, saltam as escadas da importância e sorriem descaradamente quando interpelados sobre as suas pluriatividades. Na verdade escolhidos a dedo, os lugares de magistrados da nação não têm que dar lucro e assim sendo, estes são não clientes da casada democracia em oposição ao comum do cidadão que quando vai tratar a sua saúde é um cliente contributivo obrigatório da casa da saúde.
Contrassensos de uma sociedade per si antinómica, onde o pensamento e as palavras esvaziadas são passiveis de benesses conquanto o bem-estar social se tornou-se um ação económica.
Mas todo este estado não é apenas causativo de mal-estar lusitano. Espalha-se também por outros países e, sobretudo, por alguns cidadãos da velha Europa cuja faixa etária é dita como sénior. Nascidos nos idos de 50 e 60 têm ainda incrustado na pele a noção de ser solidário, de bem comum. O Estado Social foi intuito que levou uns tantos “visionários”, à luz do presente, a sonhar por uma Europa comum. Robert Schumann certamente que deve revolver-se lá no sitio onde está, ao ver os caminhos tortuosos da velha Europa. Naturalmente que ser solidário, não é, nem será, dar subsídios a rodos sem sequer, na maioria das vezes, os mesmos serem fiscalizados na sua consecução, nem muito menos viver em estado de parasitismo coletivo. Porque os mais ricos têm que dar aos mais pobres. Isso não é ser solidário isso é ser quase “Zé do Telhado” e a conjuntura socioeconómica, pese todos os quid pro quota melhorou abissalmente, logo a solidariedade passa por um bem social que seja extensível a todos dependendo naturalmente do grau das suas carências, sejam económicas, sociais ou afetivas. Fala-se, hoje em dia, muito em solidariedade mediática. O mediatismo parece ser a panaceia que limpa as consciências. Tudo o que se viu, lavou-se. Sorri-se e fica-se feliz. O todo que subsiste por detrás não é visível, logo não mediático, consequentemente desconhecido é de relativa importância. Assim se faz, assim se vive.
Que a economia gere o mundo até o mais incauto o sabe, mas daí a fazer do ser humano clientes da sua própria sociedade, do seu bem-estar, dos seus afetos quiçá dos seus sonhos, isso cavalheiros ainda não foi escrito e, penso que jamais o será, Robert Schumann disse no dia nove de Maio de 1950 o seguinte: «A Europa não se fará de uma só vez, nem de acordo com um plano único. Far-se-á através de realizações concretas que criarão, antes de mais, uma solidariedade de facto.»
Meditemos, pois.
Maria Teresa Soares.
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09 julho, 2015

Para poder rir verdadeiramente devemos estar disponíveis para apanhar a nossa dor e brincar com ela.
(Charlie Chaplin)

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02 julho, 2015





Não Comerei da Alface a Verde Pétala

Vinicius de Moraes

Não comerei da alface a verde pétala
Nem da cenoura as hóstias desbotadas
Deixarei as pastagens às manadas
E a quem maior aprouver fazer dieta.

Cajus hei de chupar, mangas-espadas
Talvez pouco elegantes para um poeta
Mas peras e maçãs, deixo-as ao esteta
Que acredita no cromo das saladas.

Não nasci ruminante como os bois
Nem como os coelhos, roedor; nasci
Omnívoro: dêem-me feijão com arroz

E um bife, e um queijo forte, e parati
E eu morrerei feliz, do coração
De ter vivido sem comer em vão.

Kyrie (O Senhor)

Em nome dos que choram,
Dos que sofrem,
Dos que acendem na noite o facho da revolta
E que de noite morrem,
Com a esperança nos olhos e arames em volta.
Em nome dos que sonham com palavras
De amor e paz que nunca foram ditas,
Em nome dos que rezam em silêncio
E falam em silêncio
E estendem em silêncio as duas mãos aflitas.
Em nome dos que pedem em segredo
A esmola que os humilha e os destrói
E devoram as lágrimas e o medo
Quando a fome lhes dói
Em nome dos que dormem ao relento

Numa cama de chuva com lençóis de vento
O sono da miséria, terrível e profundo.
Em nome dos teus filhos que esqueceste,
Filho de Deus que nunca mais nasceste,
Volta outra vez ao mundo!

Ary dos Santos
Vinte anos de poesia
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21 junho, 2015

A Mulher Mais Bonita do Mundo

estás tão bonita hoje. quando digo que nasceram
flores novas na terra do jardim, quero dizer
que estás bonita.

entro na casa, entro no quarto, abro o armário,
abro uma gaveta, abro uma caixa onde está o teu fio
de ouro.

entre os dedos, seguro o teu fino fio de ouro, como
se tocasse a pele do teu pescoço.

há o céu, a casa, o quarto, e tu estás dentro de mim.

estás tão bonita hoje.

os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.

estás dentro de algo que está dentro de todas as
coisas, a minha voz nomeia-te para descrever
a beleza.

os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.

de encontro ao silêncio, dentro do mundo,
estás tão bonita é aquilo que quero dizer.

José Luís Peixoto, in "A Casa, a Escuridão"
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13 junho, 2015


Somos o que fazemos, mas somos, principalmente, o que fazemos para mudar o que somos.
Eduardo Galeano. .

07 junho, 2015

Amar



AMAR

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

de, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,

Que pode o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta, distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

Carlos Drummond de Andrade

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17 maio, 2015


A Tirania do Medo

O nosso mundo vive demasiado sob a tirania do medo e insistir em mostrar-lhe os perigos que o ameaçam só pode conduzi-lo à apatia da desesperança. O contrário é que é preciso: criar motivos racionais de esperança, razões positivas de viver. Precisamos mais de sentimentos afirmativos do que de negativos. Se os afirmativos tomarem toda a amplitude que justifique um exame estritamente objectivo da nossa situação, os negativos desagregar-se-ão, perdendo a sua razão de ser. Mas se insistirmos em demasia nos negativos, nunca sairemos do desespero.

Bertrand Russell, in 'A Última Oportunidade do Homem'

15 maio, 2015

Não sei...



Não sei…
Não sei…
Se é a vida, se é o tempo, que me traz assim…
Inquieta no desassossego das horas,
Asfixiada na brevidade dos passos,
Perdida nos sentidos do corpo,
Não sei…
Se é a vida, se o tempo que me dói assim…
Se é a borrasca dos desenganos, se dos prantos possuídos
Se das mágoas acantonadas, se dos sulcos cravados
Na estatuária ainda quente de um corpo nu de utopias,
Não sei…
Se é o vento enrolado que me varre assim,
Que me crispa a alma, que me vidra os olhos, que me saliva o hálito
Escarrando-se em ululos de riso,

Perverso andante!
Não sei…
Se é o que de mim vem, vai ou foi,
Se sou apenas eu, somente eu, que não sei
Respirar, tragar, mastigar e amassar
O espírito levedado dos anos,

Não sei…
Se vivo na esquina das horas,
Essas que são sombreadas de dias quentes
Ou se respiro nas outras
Nas sombrias de minutos ocultos.
Não sei…Sei sim que vivo aqui, deste lado
Onde a imaginação voa e a verdade vai nascer… um dia!
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11 maio, 2015

O Homem Cruel


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O Homem Cruel
Quando o rico ti­ra um pertence ao pobre (por exemplo, um príncipe que tira a amante ao plebeu), então gera-se um erro no pobre; este acha que aquele tem de ser absoluta­mente infame, para lhe tirar o pouco que ele tem. Mas aquele não sente de modo algum tão profunda­mente o valor de um único pertence, porque está ha­bituado a ter muitos: portanto, não se pode trans­por para o espírito do pobre e não comete tal uma injustiça tão grande como este julga. Ambos têm um do outro uma concepção errada. A injustiça do poderoso, a que mais indigna na História, não é as­sim tão grande como parece. O mero sentimento hereditário de ser um ser superior, com direitos su­periores, torna uma pessoa bastante fria e deixa-lhe a consciência tranquila: até todos nós, se a distância entre nós e um outro ente for muito grande, já não sentimos absolutamente nada de injusto e matamos um mosquito, por exemplo, sem qualquer remorso.
Assim, não é sinal de maldade em Xerxes (a quem mesmo todos os Gregos descrevem como eminente­mente nobre) quando ele tira a um pai o seu filho e o manda esquartejar, porque este havia manifestado uma inquieta e ominosa desconfiança em relação a toda a expedição militar: neste caso, o indivíduo é eliminado como um insecto desagradável, ele está demasiado baixo para poder provocar por mais tempo sentimentos importunos num soberano uni­vsal. Sim, nenhum homem cruel é cruel na medi­da em que o maltratado julga; a sua noção da dor não é a mesma que o sofrimento deste. Passa-se o mesmo com o juiz injusto, com o jornalista que, com pequenas desonestidades, desorienta a opinião pública. Causa e efeito estão, em todos estes casos, rodeados por grupos de sentimentos e de pensamen­tos diferentes; enquanto que, involuntariamente, se pressupõe que réu e queixoso pensam e sentem da mesma maneira e, em conformidade com esse pres­suposto, se mede a culpa de um pelo sofrimento do outro.

Friedrich Nietzsche, in 'Humano, Demasiado Humano'

03 maio, 2015

 

 Poema à Mãe

No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
          Era uma vez uma princesa
          no meio de um laranjal...

Mas — tu sabes — a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber,

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.

Eugénio de Andrade,. .

26 abril, 2015




O Poema

O poema não é o canto
que do grilo para a rosa cresce.
O poema é o grilo
é a rosa
e é aquilo que cresce. 

É o pensamento que exclui
uma determinação
na fonte donde ele flui
e naquilo que descreve.
O poema é o que no homem
para lá do homem se atreve. 

Os acontecimentos são pedras
e a poesia transcendê-las
na já longínqua noção
de descrevê-las.

E essa própria noção é só
uma saudade que se desvanece
na poesia. Pura intenção
de cantar o que não conhece. 

 
em "Poemas (1955)" Natália Correia
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07 abril, 2015

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Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...

O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...


Fernando Pessoa
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28 novembro, 2014


. .As Uvas
 
Que me não fujam as rosas
murchando co'a Primavera:
gosto das uvas em cachos
maduros ao sol da encosta —
glória deste meu val',
pendendo em brilho de pérolas,
prazer do Outono dourado:
oblongas e transparentes
como dedos de donzela.


Pushkin

A Rosa de Hiroxima

Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida.
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.
. Vinicius de Morais

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14 novembro, 2014



Uma névoa de Outono o ar raro vela, (5-11-1932)

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

Fernando Pessoa
. .Gerês (Terras de Bouro) Nov.2014

11 novembro, 2014

 
"Os governos são para fazer bem com o pão próprio, e não para acrescentar os bens com o pão alheio."  Vieira , António

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