Quem sou eu

Minha foto
Alguém que ama a vida e odeia as injustiças

18 julho, 2010


"
As pessoas afivelam uma máscara, e ao cabo de alguns anos acreditam piamente que é ela o seu verdadeiro rosto. E quando a gente lha arranca, ficam em carne viva, doridas e desesperadas, incapazes de compreender que o gesto violento foi a melhor prova de respeito que poderíamos dar."




(Miguel Torga)
Posted by Picasa

04 julho, 2010

Alice



Alice

Alice crua de sonhos vagueia na rua dos sentidos. Percorre-a sem olhar. Sente. Sente apenas. Sente o enrolar das tripas. Sente o fardo das pernas. Sente o suor gotejante. Sente o bafo quente da tarde a enrolar-lhe os sentidos. E o suor que a empapa e, o trago amargo da fome a vomitar-lhe a boca. E a tarde a secar.

A rua, a casa. Traves e tijolos, pó e calçada. Tudo gira. Uma neblina tolda-lhe os olhos. Esfrega-os. O suor teima em cair. As costas das mãos estão molhadas. Passa-as pelos lábios. Sabem a sal. Tem sede.

A língua, a ponta humedece os lábios secos tal como a boca. Só o corpo está húmido. Húmido e melado. Respira com força. Mais um passo aqui, ali, em frente, em frente. O caminho de sempre.

O ar escoa-se por entre as varandas vestidas de roupa. Há sons que se diluem no vento morno. São vagos. Cheiram a dor. Sabem a amargo. Os sons desnudaram-se. A tristeza vestiu-se.

O tempo parou na calçada crua. Alice caminha. Detém-se na porta semi-aberta. Empurra-a. A escuridão de bafo quente envolve-a. Uma voz perdida pergunta:

-Quem é?

-Sou eu, a Alice.

-Estava à tua espera.

-Eu sei, eu vim. Sem nada, mas vim.

-Ah! Para quê, então?

-Trouxe-lhe uma côdea do ontem.

-Ah!


..
Posted by Picasa

25 junho, 2010


Somos mais pais do nosso futuro do que filhos do nosso passado.

(Miguel de Unamuno)

..


..
Posted by Picasa

24 maio, 2010

Maio

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiTKsaoiplr_i-i91sqpBeEAQlzaspkom-UYJSOHJ-JPo-7yDOP9mgp0-xVh6zgmLRPliaMcL9sKMCCaOc0sal0wMhmcIPsyXs0WyT-m0Kd6MJ81AfZlqKC9n3nxi2lNDB0DkYe2LOwFgQb/s1600/576974_76.jpg


Maio

Senta-se diante da tília que se agita suavemente na noite doce de Maio. No ar vibra aquele odor suave das rosas a desenrolarem-se em saias novas. Maio. Um suspiro.

João velho respira o Maio novo. Tremor e brisa. João e Maio. Gente e Tempo. João respira devagar deglutindo o ar doce que a Tília lhe oferece. Sorri fechando os olhos já cansados. O tempo desprende-se. A Tília envolve-o no seu odor. João deixa-se embalar. Suave, suavemente. Chamam-no. É o tempo. O seu que terminou. O de Maio que vibra. João entreabre os lábios e engole o perfume. Olha em frente, para além da Tília, na curva do tempo onde o mundo nasce de um lado, e morre do outro. É ali que tudo acaba. Sem alarde, embrulhado na doçura de Maio, João parte. Assim serenamente.

Alguém que passou reparou numa tília que chorava ao lado de um velho que olhava sem ver.

Achou estranho mas não parou.

Amanhã era Junho.


..
Posted by Picasa

23 maio, 2010



As palavras

São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?


Eugénio de Andrade

..

16 maio, 2010

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiV2WFIJFIfDQeoOuLewZK_gDlboIx70ty1nUsbIH-k8Itzr_lj3xz4n-Ai6jLV79lsHm9VjOHz_5eqwTzoqrH2OInnjn15-NlpmEESKY37xFF5CsTK9SDIm4lwgtU_UEStA2d3Z63Ufu5N/s1600/3841_70.jpg



Ma bohème

Je m'en allais, les poings dans mes poches crevées ;
Mon paletot aussi devenait idéal ;
J'allais sous le ciel, Muse ! et j'étais ton féal ;
Oh ! là ! là ! que d'amours splendides j'ai rêvées !

Mon unique culotte avait un large trou.
- Petit-Poucet rêveur, j'égrenais dans ma course
Des rimes. Mon auberge était à la Grande-Ourse.
- Mes étoiles au ciel avaient un doux frou-frou

Et je les écoutais, assis au bord des routes,
Ces bons soirs de septembre où je sentais des gouttes
De rosée à mon front, comme un vin de vigueur ;

Où, rimant au milieu des ombres fantastiques,
Comme des lyres, je tirais les élastiques
De mes souliers blessés, un pied près de mon coeur !

Arthur RIMBAUD (1854-1891)


..
Posted by Picasa

06 maio, 2010

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgyhG_9yCWjwf70Y2ctr5jhwuIHrtYaDnDTQiRP5w9qk98bVDGwS9-WcPHaGm2oca6Esr4rmsJsJnhBZKDjqJSH45J1XpnuwC1AObUUneI3l0vpbozbY4ckGI9uHIlepHkMYVslYfvzxJby/s1600/548264_68.jpg


O Crepúsculo dos Deuses

Fulge em nuvens, no poente, o Olimpo. O céu delira.
Os deuses rugem. Entre incêndios de ouro e gemas,
Há torrentes de sangue, hecatombes supremas,
Heróis rojando ao chão, troféus ardendo em pira,

Ilíadas, bulcões de gládios e díademas,

Ossa e Pélio tombando, e Zeus em raios de ira,
E Acrópoles em fogo, e Homero erguendo a lira
Em reverberações de batalhas e poemas...

Mas o vento, embocando as bramidoras trompas,

Clangora. Rolam no ar, de roldão, num tumulto,
Os numes e os titãs, varridos à rajada:

E ódio, furor, tropel, fastígio, glória, pompas,

Chamas, o Olimpo, - tudo esbate-se, sepulto
Em cinza, em crepe, em fumo, em sonho, em noite, em nada.
Olavo Bilac