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Alguém que ama a vida e odeia as injustiças

29 fevereiro, 2008




A Chuva na Cidade.

A Chuva cai gorda e fria. O asfalto vibra em espelho deslavado. O céu vestiu um casaco roto de cinzento opaco. Na rua perpassa vento que abana as gotas redondas de água. O dia magoa-se soprado de água, e solidão. As ruas estão corridas de água em poças escuras ou de correntes esparsas de amarelo barrento. É a cidade lavada, que liberta o pó dos seus sonhos perdidos.

Um homem, um só, retalha a água por entre os passos de uma rua. Dança no calcorreio. Os pés, gelados dentro de uns sapatos cansados onde as estrias engraxadas se enrugam de água, enfrentam o dia. A gola erguida de um casaco que já teve melhores dias, a par de umas calças coçadas, revelam o homem jovem de face rude. Os ombros carregam o peso do dia mais do sentir. São largos mas abaulados como se o correr do tempo os saturassem de desconsolos.

Tem o nome de Albano. Albano Vieira como usa apresentar-se naquele rumorejar cavo. Atravessa a rua húmida de chuvada e entra no café. Olha em redor. Quase cheio. Toma o lugar junto á janela, na mesa que espreita a rua. Sente-se aquecido pelo bafo quente que lhe chega ao rosto.

Pede um galão. O dinheiro não dá para mais. Enganar as horas do tempo e do corpo. Uma arte que domina. Está desempregado. Está só.

Um dia, já quase difuso tivera família. Companheira, filho e emprego. Hoje tem uma mão cheia de vida vazia mais um coração esvaído de luta. São os alcatruzes da nora no seu perpétuo rodar. Lenta e inexoravelmente. Ora em cima, ora descendo, até ao fim.

Suspira, abana a cabeça espargindo gotículas em redor. Leva os dedos longos ao cabelo que percorre como se fora um arado cortando a terra. Cruza a perna esquerda, endireita o tronco e olha em redor. Velhos. Enrugados e pregueados sentam-se em grupos. Falam dos grandes nadas do seu dia. Discutem em voz entaramelada a politiquice nacional. A coisa pública em pires de bicas, cimbalinos ou outros regionalismos, entornada, aguada ou puramente manchada. O tempo sentado na flacidez da vida enquanto o espírito ainda brinca nos canteiros do pensamento.

As vozes tremulam por vezes, enrolam-se na falta dos dentes esganiçam-se na ausência do ouvido ou tornam-se sussurradas quando brotam mais sibilinas. Calendário vivo de uma outra era já em remanso.

Fecha os ouvidos aos sons, afila o olhar em frente. Vê em forma difusa, do outro lado, uma montra. Pingos desfeitos embaciam-na. Silhuetas de modelos parados vestem a roupagem da fantasia de uma estação. E as pessoas continuam a passar. Nos passos esgrimidos sob os fios líquidos, há pressa num vai e vem cadenciado de rumo.

Os candeeiros pestanejaram de amarelo para o céu. O nevoeiro adensou-se. A noite começa a descer à cidade molhada. A solidão esconde-se nas esquinas.

Albano levanta-se, levanta a gola, lança uma moeda sobre a mesa e sai para a rua. O estrebuchar do dia acolhe-o. Mergulha na rua de asfalto luzídio e brilhos manchados. O deslizar dos pneus, o chiar dos travões, o buzinar estridente são ecos perdidos de movimento.

Ouve mesmo por cima da sua cabeça o correr das persianas. Mais pálpebras que escondem o calor de gente. Mais um muro em volta daquela ilha. A cidade prepara-se para descansar sob o xaile azul da noite.

Continua o seu deambular. Chega ao velho prédio. Empurra a porta, galga a velha escada que range sob os seus pés. Qual ladrão abre devagar, devagarinho, a porta. Olha, espreita. Não vê ninguém, em quase duas passadas cruza o corredor, entra no seu pequeno quarto, despido de quase tudo senão de uma cama e uma cadeira. Num vão de parede pendura o que tem. O espaço sobra para o que falta. Atira-se para cima da cama. Dá um quase pontapé e um sapato solta-se, depois o outro. Rebola. Agarra na almofada tapando meio rosto e soluça. Não. Arqueja, repuxa o cabelo, arfa de raiva e de dor. Sente-se violado. O desatino do não ter, a amargura do caos solitário.

Tem trinta e cinco anos. Um prefácio de luta e um contar presente de angústias. O seu epílogo? Tê-lo-á? Talvez as páginas ainda estejam vazias, talvez a estória deva ser reescrita, talvez o amanhã seja o enredo buscado da sua vida. Talvez, pensa.

Relembra outros dias. O passado vibra glorioso e mordido no seu espírito. Quando tinha gente a seu lado. Carne da sua carne e espírito comungado. Dias de antanho, nebulosos, mas agora achados gloriosos. Sabe -se o travo da coisa quando a boca está faminta. O seu filho, o seu menino. Já vai para cinco anos. Raramente o vê. Prefere esconder-se, prefere ignorar a sua miséria. Procura quebrá-la, mas os alcatruzes não sobem. Um dia pensa, um dia, conseguirá.

A companheira, não a falta. É apenas um tempo que passou. Deixou-o assim de só. Mas o seu menino… sente-o ainda tenro nos seus braços, no gorjeio de um sorriso.

Ana, a mãe, sua companheira de um breve hiato, advogada, avilta-o na sua ascensão célere. Ele, para quem as bolsas já terminaram depois de mestrado, doutoramento e pós-doutoramento, ele cujo saber académico obsta a um simples trabalho, vagueia na obscuridade da tarefa fortuita de dias. É a nova ordem de um país de malha rota. É o gozo sentado das estatísticas manipuladas. É também o futuro hipotecado de uma geração. A sua!

Levanta-se. A janela retalha o azul de um céu, que embora molhado, beija a lua timidamente. Os vidros lavados de noite chamam-no. Abre-os e respira, inspirando aquele cheiro de molhado misturado com o tossido dos carros, e o pó da vida. Odor único de mundo apressado, de corpos suados, de almas estioladas, de vontades desfeitas e sonhos abortados. É a cidade vibrátil, de tons quentes e respirares entrecortados. É o mundo sussurrante, lascivo, envolvente que o chama sempre que lhe fixa a âncora pese a corrente o afundar.

Veste o casaco. Desce a escadas. A chuva enxuga por ora as suas lágrimas. A humidade envolve-o, um passo, outro, mais outro. Simplesmente mergulha na cidade.

Lá em cima, na sua janela, o luar da noite veio sentar-se no parapeito.



26 fevereiro, 2008




...sabes, as aves

sabes, as aves aquáticas já não pernoitam junto ao mar nem por entre os nossos dedos de areia
sobem-nos vozes calcárias à garganta, estrangulo-me neste humilde canto, fico atento ao eterno silêncio do teu castelo

às vezes escuto o teu cantar, raramente, é certo...mas quando cantas saem-te nomes puros da boca e sorrisos diáfanos de cristais
os lábios incendeiam-se com vinho, teu corpo adquire o sabor misterioso das algas
no crepúsculo expande-se o perfume a moreia frita, teu olhar é o mosto dos nossos desejos

dançamos à roda dum mastro, saia em papel de seda bordada com búzios...uma quadra flutua pela noite de nossos cabelos
rodopias, e os teus amores são relembrados pela noite adiante
espalham-se estrelas cadentes, papoulas breves, junco molhado e o mar enche-se novamente de pássaros, embarcações semelhantes a beijos que nos percorrem de alegria.
AL BERTO
Livro Quarto





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25 fevereiro, 2008

Fui contemplada pelo Pela Gi de " Pequenos Nadas" http://velharias-traquitanas2.blogspot.com
e CValente
http://cvalente.blogspot.com

1) Este prémio deverá ser atribuído ao blogs que considera bons e aqueles que acostuma visitar regularmente e deixa comentários
2) Quando o prémio é recebido deverá fazer um post: Indicando a pessoa que lhe atribuiu o prémio e a respectiva ligação ao blog.
3) Indicar 7 blogs para atribuição do prémio.

Uma vez mais ,afirmo, que os blogs que que tento visitar, com certa regularidade ,primam pela excelência num ou noutro aspecto. Assim sendo , todos eles são passíveis de serem nomeados. Porém as regras ditam que o sejam sete. Difícil escolha mas...

http://fragmentosdanoitecomflores.blogspot.com/
http://terra-da-magia.blogspot.com/
http://omshanti1.blogspot.com/
http://omeucais.blogspot.com/
http://intervalos.blogspot.com/
http://arrabisca.blogspot.com/
http://mararavel.blogspot.com/

20 fevereiro, 2008

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18 fevereiro, 2008

"Desafio 12 Palavras"

MCorreia de "Repensando" .desafiou-me para escrever algo utilizando doze palavras. Escolhê-las não é tarefa fácil, porque as palavras nascem ,não, sob a pena ou o dedo, mas antes no redondo do espírito como se fosse um mar a entornar-se na areia. Apanhei algumas gotas, uns salpicos e aqui vão.

No jardim molhado das palavras, há uma menina tímida de grandes caracóis. Chamam-lhe Verdade. Nasceu pequena e frágil, mas agarra a vida com as raízes fortes da determinação.

É de cor indefinida, direi entre o rosado da rosa, o amarelo da luz e o azul do céu. Aponta para a terra, murmura com o vento e pisca sempre para o sol. Na cabeça desta menina de caracóis soltos brilha o sonho de um amanhã digno, e na boca gulosa de amor sorri, sorri, sorri sempre como se o mundo nela bebesse o húmus da compreensão.

Por estes dias, a menina-palavra depois de muito cirandar pelo seu jardim tão repleto de pequenos pés verdes, sentou-se num canteiro de amarelinhos-jacintos-ternura que já pespontavam meio trémulos mas ansiosos por espreitarem a liberdade e pensou, assim de ensimesmada: o menino-vento tão forte e corrido, tão soprado de uivado bem podia levá-la num passeio de domingo junto ao azul-branco de algodão lá de cima. Gostava tanto de lá ir. Queria com o dedo fazer um desenho, um trejeito de redondos mais de direitos, de afuniladinhos e esticadinhos, tudo alinhado e bonitinho na palavrinha Amor.

Ah como seria lindo no algodão azul-branco, lá em cima, para todos verem e respirarem!

Tenho que nomear doze, como faz parte do acordo.Pois então.

Casa de Maio

Portcroft

Un-dress

Last Dance

A Boneca de Porcelana

A Menina dos Olhos de Água

Boa noite e um queijo

Ana Luar

Tempo entre os Tempos

CValente.

Urbanidades da Madeira

Desde já um obrigada a todos vós.

17 fevereiro, 2008

Creedence Clearwater Revival - BAD MOON RISING

Uma das minhas preferidas!


Beatles
Rolling Stones
Pink Floyd.
Creedence Clearwater Revival
Jane Birkin e Serge Gainsbourg
François Hardy
John Halliday
Simon and Garfunkel
Neil Diamond
Joan Baez



Luís Eusébio de "Portcroft" fez-me um desafio, o de mencionar as seis músicas que na minha juventude me tenham feito " abanar o capacete". Uma proposta extremamente difícil. Não pelo "abanar de capacete" diga-se, mas antes, pela selecção. Como é natural não consegui e depois de muita volta, corte e mais corte fiquei-me por estes dez ícones da minha juventude! Peço desculpa pelo excesso, mas foi uma tarefa árdua!
A quem passo?
Hum...
Canto. Chão
Aguarelas de Turner
Árvore das Palavras
Na dualidade da cor
Foi em Novembro que partiste
Selos Difusos
E agora fico à espera...

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