"...És homem, não te esqueças! Só é tua a loucura onde, com lucidez, te reconheças." Miguel Torga
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05 dezembro, 2021
02 agosto, 2021
A semente e o silencio e a soidão
Sofia, a semente, caiu enrolada no chão. Recolheu-se na
escuridão escura e húmida da terra abrigo. Queda, respirou, aspirou e
alimentou-se. Germinou. Lenta e metodicamente lançou -se em busca da luz.
Quando espreitou, achou-a.
Sofia, a semente, estava no mundo, mas estava só. A solidão
abraçava-a.
Sofia ganhou força, expandiu a
sua vontade, tornou o caule mais ereto ainda, alargou e multiplicou as folhas e
cresceu. Pã, a solidão vagueou intermitente em seu redor na exata medida dos
dias do calendário a primeira vintena do novo milénio. Vagueando entre muros
vazios e luzes apagadas, Pã entrelaçou-se com o silêncio, com Lala.
Sofias a semente, Lala o silêncio
e Pã a solidão. Três nomes, três sentires, um hiato do mundo.
Porém a semente germinada
tornou-se planta, de planta em arbusto e finalmente árvore. Floriu qual
jacarandá tardio, mas floriu. Floriu a esperança e coragem de um amanhã. Sofia
fez-se grande
E Sofia saltou para o tempo.
Um tempo de vazios, de contrições,
de medos, de distanciamento, um tempo sem alma. O tempo que nos rodeia.
Sofia a árvore de ramos
brilhantes e folhas verdes. Sofia a semente, arbusto, arvore, a esperança. A semente
da esperança. A esperança que corre nas veias de outras sementes germinadas,
redondas, quadradas, esguias, fortes, fracas, voláteis e duradouras. As sementes
humanas que tremem, que adormecem sob as
franjas de Pã e lutam contra Lala. Lala é a bruxa que engole os sentires, Pã a
força que quebra o porvir. Três lutas. Três
hiatos, três esgares.
Amanhã, talvez, as sementes do
mundo voltem a viver.
Amanhã será de novo madrugada.
Chaves, 2 de agosto de 2021
Maria Teresa Soares
18 maio, 2021
Admirável Mundo Velho
2021 parece desembocar na era do inverosímil. Nada que não fosse expectável, claro que o era.
O Covid -19 teve destas coisas, fez esquecer as maleitas de carácter para se focar exclusivamente nas doenças do corpo do nosso cantinho, da Europa e do Mundo., pois que, por ora ainda somos todos cidadãos desta aldeia global. Pasmamos com a pandemia no Brasil, com a virulência que explode na Índia, com as mutações sul-africanas, com a celeridade de inoculação nos States, com o controlo quase, quase, conseguido em terras de Sua Majestade, (pena que a variante indiana esteja a fazer das suas), ficamos felizes, e muito bem com as descidas do RT, com a vacinação, com o de confinamento e a aceleração da economia, e mais do que tudo isso, com a nossa intrínseca liberdade. Podermos circular, podermos ir de Aa B e de B a A, algo que embora pequenino é muito nosso e ao qual apelidamos de Ser Livre. Pois então, somos de novo livres. Com condicionantes, com cuidados, com panaceias, mas somos. Este pequeno grande item já está solucionado.
Contudo, no meio de tantos problemas de saúde publica, sociais, económico-financeiros (ainda estão para eclodir, segundo dizem os experts), que parecem grassar de forma atribulada por esta aldeia global, existe numa tal aldeia, por sinal muito bonita, geoestrategicamente situada algures num cantinho da Europa e, segundo o seu poeta maior, à beira-mar plantada, que como é pequena em território, acaba sempre por meter-se em grandes sarilhos. Servindo-me do conceito de Principles of Population de Malthus, diria que arranjamos sarilhos em proporção geométrica enquanto solucionamos problemas em proporção aritmética, o que de acordo com a teoria implica um deficit de estabilidade constante.
É, pois, esta instabilidade que grassa no nosso quadrante seja do foro judicial, seja financeiro, seja económico, seja social, cultural e até humano, que desatina, desalenta e irrita o nosso Zé Povinho tão fustigado por decisões e falcatruas cujos epílogos acabam sempre por ser redondos para quem as executou e quadradas para os outros, que as têm que pagar. Na verdade, quer-me a mim parecer que o Estado não produz riqueza que não seja a que lhe advém dos impostos ou dos subsídios sine die que a comunidade vai adiantando, ( não foi em vão que aderimos às dez regras do Consenso de Washington e tendo em conta que seremos perenemente uma economia em desenvolvimento, cá vamos usufruindo das verbas do FMI e do Banco Mundial), porque assumimos a nossa economia como de neoliberal o Estado não é detentor de empresas de transporte, de correios, de águas, de eletricidade, e demais bens. Assim seja se for por bem.
Todavia, o por bem desta nossa pequenina aldeia parece não funcionar. Não será culpa dos governos e respetivas ideologias políticas, as quais parecem não navegar, mas antes soçobrar no mar da tempestade do nosso cantinho. Se ainda copiássemos o da Tranquilidade lunar, talvez, embora lunáticos, avançássemos. Há uma degeneração genética de carater que dá pelo nome de corrupção. É essa corrupção que perpassa lasciva entre os cidadãos, tornando uns quantos passivos, outros indiferentes, outros encolhidos e outros ainda revoltados. A revolta nasce da injustiça, ou antes, a justiça deveria prevenir a revolta. pois ela obstrui que a falta de justiça que está na base da sociedade, seja conhecida por todos. Vejamos então, se a justiça é aquela que previne a revolta, as leis do Estado, visando a justiça, são estabelecidas pela força, será incongruente que o povo obedeça às leis e respeite os dominantes em virtude de uma imposição arbitrária da força. É nessa força que se esconde, a ignominia da impunidade que alguns cidadãos nacionais usufruem, pese sofrerem de degeneração vinculativa de carater. Não vale a pena mencionar nomes, até porque seria deselegante e, por outro lado, os mesmos estão frescos na memória de cada um de nós, não pelo bem que fizeram, mas antes pela caterva de venalidades que alegadamente cometerem
Não foi por bem, não foi bem.
A vida é feita de episódios. Muitos. Tantos, que muitos são esquecidos. Ficam na memória da gente. Os bons, vá lá saber a razão, desvanecem-se no tempo ao ritmo do apaziguamento da serotonina, os menos bons corroem dando azo a um mal-estar generalizado, o qual passa pela vulgarização da descrença seguida da maledicência irónica quiçá vingativa. Porém, se o dichote, a ironia, a sátira são elementos constituintes da verborreia lusa, já o alheamento, o descrédito, o afastamento generalizado dos das mesas de voto, da participação em atos públicos, o ser opinativo de modo construtivo, fazer saber e mostrar de acordo com o consignado em lei sobre o que vi mal neste cantinho, parece não merecer aquiescência dos Tugas que,invariavelmente, delegam nas mãos nem sempre impolutas ou hábeis dos políticos. Depois do aligeirar das responsabilidades, culpabilizam-se os atos daqueloutros cujo mister seria gerir a coisa publica e parece que, ao invés, progadilizam em bolsos vá-se lá saber de quem. Alvitram-se hipóteses, porém, o certo é que de acordo com as sentenças judiciais, dessas hipotéticas conjeturas saem-se quase sempre impolutos como se fossem puras virgens platónicas. E o povo arrelia-se, torna-se incrédulo, encolhe os ombros e vai à sua vidinha.
Não é por mal. É por hábito.
É verdade que a democracia foi corrompida. Sabemos que quando os indivíduos deixaram de “decidir” algures entre a retoma burguesa dos séculos anteriores e o assenhoreamento da classe política no que respeita ao bem comum, ai cessou o conceito de regime politico em que todos os cidadãos elegíveis participavam de forma igual seja direta , seja indiretamente através dos seus legítimos porque eleitos representantes. Hoje a coisa não é bem assim. A distorção consolidou-se entre políticas, banqueiros, empresas e ideologias. Uma alquimia de não símbolos químicos incapazes de gerar o “ouro” do bem-estar social, originando a refração do nosso caleidoscópio racional em dúvidas, negações e equívocos. O sistema padece de doença, uma verdade anquilosante que petrifica a capacidade humana dos governantes, tornando-os, muitas das vezes, reféns de decisões, interesses, análises e inclusive, pasme-se, de boas vontades. Governar é difícil, muito difícil, extremamente difícil, sobretudo num mundo em constante transmutação, em busca de si mesmo, esgotado em si, cujo único crédito e descrédito em simultâneo é o de ser gerido pelo ser humano. Creditamos políticas, atos, ideias, gestos e sentimentos., mas igualmente usamos o descrédito com ações, conceções, produções, rendas, consumos e acumulações de capital em atos económicos de limpeza duvidosa a tresandar a vicio. São estes óbices as forças centrifugas e centrípetas que transformam os indivíduos em meras espirais de movimento. A nossa inarrável capacidade humana de sofrimento perpetua-nos tanto na queda como na ascensão, porque somos mais do que carne e osso e menos do que pura energia. Ficamos, talvez, no meio caminho, na busca do amanhã, vivendo o presente, com a memória do passado e piscando ao futuro como quem não a quer a coisa.
Assim fomos, assim somos.
Vivem-se tempos de lavagem. Lavam-se os conceitos, o passado, a vontade, o dinheiro, o sentir. Há no ar um desejo de pulcritude antagónico aos atos, um disfarce veneziano fora de época. A história faz-se do bom e do mau, não se reinventa, não se destrói, não se manipula. É fixa no seu passado mau e bom, por isso é história. No entanto, talvez devido à letargia mecânica provocada pelo Covid-19, deu-se inicio a uma verborreia de ideias, as quais necessitando de seriação, irromperam descontroladas pelas urbes desta nossa aldeia global, crispando à sua passagem a historia do mundo que, não é senão a do Ser Humano.
Porque então pretender que este espécime de vinte e um seculos belicista, belicoso, rude, dominador, mas também criativo, conciliador, sonhador, numa palavra humano seja réu da sua própria história? A história dos pequenos e dos grandes, dos bons e dos maus é que nos permitiu estar aqui e agora sentados num mundo que queremos que seja melhor, que, no entanto, ainda continua firme nas suas incongruências e desleixos para com o próximo. A máxima errare humanum est assenta-nos como uma belíssima luva. Assim tem sido no desenrolar dos séculos: de erro em erro construiu-se o que prosaicamente achamos bem, construímos destruindo ali, erguendo aqui, aplainando acolá, até chegarmos ao edifício final de hoje. O mundo, o admirável velho mundo , qual feixe assimétrico foi a base deste que dizemos de forma quase garota ( o mundo ainda cresce) ser um admirável Mundo Reinventado
Se assim for, que seja por bem.
Chaves,18 maio 2021
Maria Teresa Soares.
09 março, 2021
29 janeiro, 2021
Publica-se despudoradamente um rol de cogitações criadas sob a pena dos ditos críticos de opinião, jactados como seres pensantes cujo objetivo é o de veicular noticias informando o homem comum, o qual à partida será desprovido de uma qualquer apreciação seja científica, jurídica, filosófica seja, inclusive ,económica.
O homem comum, o tal cidadão que afinal até é possuidor de opinião pasma-se perante o debitar profícuo de juízos adornados sub-repticiamente de alarme, de especulação e de sensacionalismo. Não nos esqueçamos que o artigo é escrito por alguém cujo mister é ganhar a vida com palavras, algo de normal numa sociedade em que se compra e vende serviços a fim de garantir a subsistência do individuo.
Mas não é a dita economia de mercado que está no meu pensamento. É sim o alarmismo fulgurante, o negativismo destrutivo e o quase derrotismo quotidiano em que vivemos.
É verdade que a situação neste janeiro de 2021 é horrível, é verdade que os números exatos, extrapolados, multiplicados e estatisticamente manipulados ou simplesmente estatísticos são a base do nosso descontentamento descontente, da nossa impotência, do nosso medo, da nossa ânsia e do nosso confinar. É verdade que como bons latinos, ainda com sangue dolente árabe a correr-nos nas veias preterimos sempre as planificações para aquele exato momento do “desenrasca”. É verdade.
Não é a geração mais bem preparada que tem obliterado a situação, pois que compelida na espiral horrível do caos , pese dar o que tem e quase o que não tem, também faz parte da força centrifuga dos acontecimentos sem poder esboçar ou praticar os conhecimentos científicos adquiridos ou mudar o rol dos acontecimentos como é mister da mudança.
Pasmo, pasmo, diariamente ao ouvir os noticiários, sejam televisivos ou radiofónicos ( sou muito antiga e gosto da rádio) perante a pressa quase gutural ou histriónica, as inflexões graves cuspidas em tons graves e apressados como se a respiração já estivesse contaminada. Assim se ouvem as notícias. O alarde soa constante, propalando-se a uma velocidade semelhante aos lançamentos espaciais.
Embora sexagenária não vivi a última guerra mundial, a minha geração embora já antiga, ainda está ,ligeiramente, distante dessa outra, a dos nossos pais, a qual viveu o conflito. Conta, quem o suportou, que não foi tão desgastante quanto este. É certo que o cenário era diferente, todos disso estamos cientes. Havia o morticínio, o sangue, a morte e o cheiro dela. Não existia o lado assético que vivemos, nem muito menos a “pseudo civilidade” escrevo pseudo, pois que nos dias em que correm a elegância de saber estar já passou às calendas dando lugar ao politicamente correto, que afinal não é, nem será jamais sinónimo, pese o esforço ortográfico de mudança. Mas enfim, dão desabafos. Era um mundo diferente que a nova geração , a do Millennium desconhece. Não era perfeito, não o era de todo. Aliás nenhum século o será, pois que é vivenciado pelo homem que descendendo do macaco, segundo Darwin, e não dos anjos , logo tornando quase impossível qualquer perfeição.
Não me afastando do tema, creio que se no seculo XX duas guerras dizimaram o mundo, houve, necessariamente, que existir um foco fortíssimo de esperança para resistir, sobreviver e o reconstruir. Ora, na minha fraca conceção a esperança não renasce assim de um pé para a mão, das cinzas, qual Fénix, mas antes num mundo equilibrado de emoções e vontades fazendo o seu caminho para a frente em direção ao porvir. É essa esperança que , creio, gostaríamos todos de ouvir, não feita do nada, antes reconstruída alicerçada em pontos positivos, difundindo um pouco de confiança. que também os há.
Não pretendo fazer análises política até porque não sou em absoluto politóloga, não tenciono, por outro lado ,fazer previsões porque também não sou astróloga, apenas e isso sei, gostaria de ver o meu próximo, aquele individuo anónimo que tem que sair para ganhar o pão com ou sem pandemia, porque caso contrário põe em risco “ o pão nosso de cada dia” da sua família., pouco mais seguro, ligeiramente mais confiante, de todo menos sobressaltado ( para além dos cuidados sanitários) no dia a dia que tem que vencer. Para todos esses um pouco menos de alarmismo e um bocadinho mais de equilíbrio seria vital.
Também para quem trabalha denodadamente e não aqueles que na sua cátedra opinam ( somos campeões nesta matéria), para os que lutam hora a hora para salvar não só vidas, mas também situações, para todos nós que também ainda acordamos todos os dias, uma baforada de esperança ou talvez uma chuvada de positivismo, ajudasse um pouco mais.
É que nestas coisas de notícias gosto de poder parafrasear Churchill: “Não existe opinião pública, existe opinião publicada.”
Maria Teresa Soares
27 janeiro 2021