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23 março, 2011

Pessegueiro

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Pessegueiro

Numa árvore nua de sorrisos, os primeiros laivos de sol acordaram. Aqui e ali pespontam pequenas quimeras de verde. Veios futuros de um sonho de amanhã.

A árvore, um pessegueiro, de tronco robusto e hastes aéreas, encolhe-se timidamente entre a pereira totalmente despida, mas forte na sua certeza de tempo e, o damasqueiro resistente que já floriu. Ele, pessegueiro, tímido como todos os homens em busca da certeza, deixa que a flor pequenina e subtil lhe vista os ramos vibráteis por breves dias. Quando o vento de norte soprar, o vestido cor-de-rosa será varrido, mas já os alinhavos verdes terão brotado pelos ramos numa ânsia de costura final.

É manhã, uma manhã translúcida de vontade suave banhada de sol e frio, que chega da montanha mesmo por cima. O ar frio enchapelado de dourado arrepia o pessegueiro mas também o acorda para a luz. No solo verde, bêbado de orvalho, pequenos cogumelos tristes pululam num jogo confiado de esconde-esconde.Aliás, a natureza acordou ingénua. Todas as manhãs que renascem são ingénuas qual homem ao acordar da noite povoada de quimeras por ser.

O pessegueiro abana-se num movimento ondulado de prazer por vir. Olha em redor e repara nas suas vizinhas árvores. Já se vestiram de flores ou estão de costura. Como adormeceu durante tanto tempo? Não se lembra, tudo girou tão depressa que as memórias diluem-se no túnel dos dias.

Da janela da casa branca um homem debruça-se no parapeito. Olha o pessegueiro. Olha-a árvore à sua medida. Sabe que cada flor que cai é um pouco da sua esperança que parte também. Esta ligação homem árvore confunde-se com as leis da natureza, cíclicas e eternas. Na terra húmida, as suas raízes nodosas bebem o sémen da vida, dando ao mundo a força. Amanhã o dia voltará a nascer, o vento a soprar, a chuva a cair, o sol a sorrir ou a esconder-se, no entanto o mistério da vida continuará inexorável no seu caminho para a frutificação dos dias dourados. O Homem, mais rápido, cupido e impuro colherá no tempo o mistério da beleza, o hino da vida. Cá em baixo a árvore suspira por entre as hastes quase floridas em rosa. Ao Homem tremem-lhe as narinas, arrepia-se-lhe o coração e freme-lhe a alma. Há algo de novo no ar. Algo que lhe liberta a vontade de renascer. Deixa-se flutuar no suave momento da brisa. Um ar fresco limpa-lhe o olhar, acutila-o na direcção da montanha debruada de verde tímido. Sobe no ar o odor a terra fecundada, qual ventre prenhe, que aspira avidamente. Por momentos, breve, intenso, penitencia-se. Depois, sacode-se, aspira a brisa, alinha a vontade, ri para si. Está saciado, certo e seguro. A vida renasceu. Vai colhê-la.

Murmura num encolher de ombros.” A Primavera chegou!”

Palavras dedilhadas no vento de uma brisa em Março.


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