A Catedral
No silêncio da catedral ecoam passos soltos e breves de alguém. O interlúdio do dia adeja por entre a rosácea de miríades lampejos. Feixes rosados, azulados e oiro puro cruzam as paredes. Há paz. A figura genuflecte mesmo junto ao altar em prece ardente. Corpo arquejado ergue as mãos em triângulo de oração. O frémito percorre-a dando sobressalto à figura. Inclina-se mais e mais, esconde o rosto em profundo recolhimento. Assim fica por momentos. A prece termina, alheia ergue o rosto, onde vibrátil uma gota de água rola. Outra e mais outra. Assim leves, simples e puras, as lágrimas escorrem das mãos para o braço deslizando pelo cotovelo direito assente sobre o genuflexório. Sacode-o imperceptivelmente. Um murmúrio solta-se dos seus lábios fazendo emergir um suspiro de paz interior, seguido de um brilho de crença no olhar. Levanta-se, benze-se e lentamente desce o trifório central onde no alto as ogivas entrecruzadas sopram hinos altaneiros. Já no exterior, protege os olhos desse sol casado em céu azul. Avança uns passos, ergue o rosto. Olha a pedra rendilhada, que se ergue dos contrafortes e arcobotantes, ali mesmo ao lado. Pedra cantada de mãos ásperas. Afagos de arte esculpidos em preces de cal humana. No beiral nascente, povoando o algeroz, três gárgulas, hediondas mas majestosas, feias e retorcidas abrem as bocas despidas de raízes de ser. Nos rostos disformes, a quem a pedra tingiu ainda de mais negro, e o artista prodigalizou a loucura em pupilas vazias, perpassa o lodo fétido do sentir errado do mundo que se enxagua sempre que o céu se tinge e quebranta.
Mais acima, lá quase no alto, o pináculo nascente vasculha a imortalidade dos dias na quimérica fé da bem-aventurança. A figura suspira albergando no peito a esperança da sua fé. A catedral jaz imutável no bem e no mal, na sua fidúcia de porvir. O método da alma mora ali.
Texto publicado no jogo das doze palavras.