.As coisas dos dias …
Há dias que são cinzentos. Há dias que são pesados. Não
pelo tempo, mas pelas coisas. São as coisas que vêm, ficam e caem. E os dias
afundam
Há dias pesados. Aqueles que acordam com sol, crescem ventosos,
entardecem cinzentos e adormecem húmidos. São os dias da vida.
Há gentes como os
dias. Nascem cinzentos, porém abrem os olhos ao sol, fechando-os de imediato
porque a luz desventra-os, permanecendo na letargia das horas pela vida fora.
Gente cinzenta, gente pesada, gente dos tempos. Depois os dias cinzentos de
gente cinzenta, quais sonâmbulos giram na lentidão dos anos, com meios sorrisos
aqui e ali num deslizar de tempo sem alma. Percorrem caminhos sem olhar em redor
numa inércia metabólica orlada solavancos e quando chegam, se chegam ao sítio,
olham num misto de cansaço e desdém e acomodam-se. Gente cinzenta …
Há outra
gente, leve e móvel que desliza nos dias claros, que sorri e sabe caminhar, que
calcorreia os caminhos em passos seguros, em passos de busca
A natureza das
coisas porque é caprichosa tem por devaneio estender atritos que fazem a gente
de luz tropeçar, cair, esfolar-se, levantar-se e continuar. Nada lhes é fácil.
Nasceram em dias claros, os dias quentes da razão e do porvir. Gente de
sorrisos.
Há dias de chuva. Miúda e semítica. Gotas por ser. Há gente como os
dias. Gente pequena do tamanho do nada com a altura do ser. Passam e perpassam
entre as gotas semíticas. Alimentam-se delas. Hidratam-se. Húmidos e semíticos
partem para a vida. Vivem na humidade do receber e secos no dar, aconchegando-se
no bolor húmido de ter. São gotas.
Há dias de vento soprado, forte, arrepanhado
e zangado. Há ventos que quebram, há ventos que fustigam, que marcam que enrolam
e varrem. Há dias assim. Assim há gente.
Gente do vento. Gente impetuosa,
agreste, forte. Gente que assobia, ulula e depois serena. Gente apressada qual
porta sem tranca que bate de supetão para depois deslizar de mansinho e
quedar-se. Gente em azáfama de horas para não se se perder na espiral do tempo.
Gente em contraponto.
Há dias falsos. Aqueles que pespontam com luz e se cobrem
de sombras numa máscara desbotada de Carnaval cansado. Há gente de máscaras.
Tapam os rostos disfarçam-se de arlequins, palhaços, damas, cavaleiros e animais
do mundo
Há dias de tudo, dias num rodopio de faz-de-conta. Passa o tempo, passa
o engano, passa o riso de época e a máscara cai. Ah, mas há sempre uma em cada
tempo do ano!
Há dias felizes, dias da terra, dias da gente. Dias em que é
natural sonhar, rir e crescer. Há tempos de amanhã com horas de presente. Há
gente de presente com alma de amanhã e há amanhã sem presente. A gente faz, a
gente desfaz. Há dias de tudo. Dias de agora e dias que vão ser. Há gente que
vai ser e de agora.
Há coisas que são dos dias, há dias que são da gente. Gente
dos dias e dias que faz gente. São tão simplesmente as coisas dos dias.
Chaves
25-05-2022
Maria Teresa Soares