Admirável
Mundo Velho
2021
parece
desembocar na era do inverosímil. Nada que não fosse expectável, claro que o
era.
O
Covid -19 teve destas coisas, fez esquecer as maleitas de carácter para se
focar exclusivamente nas doenças do corpo do nosso cantinho, da Europa e do Mundo.,
pois que, por ora ainda somos todos cidadãos desta aldeia global. Pasmamos com
a pandemia no Brasil, com a virulência que explode na Índia, com as mutações
sul-africanas, com a celeridade de inoculação nos States, com o controlo quase,
quase, conseguido em terras de Sua Majestade, (pena que a variante indiana
esteja a fazer das suas), ficamos felizes, e muito bem com as descidas do RT,
com a vacinação, com o de confinamento e a aceleração da economia, e mais do
que tudo isso, com a nossa intrínseca liberdade. Podermos circular, podermos ir
de Aa B e de B a A, algo que embora pequenino é muito nosso e ao qual
apelidamos de Ser Livre. Pois então, somos de novo livres. Com condicionantes,
com cuidados, com panaceias, mas somos. Este pequeno grande item já está
solucionado.
Contudo,
no meio de tantos problemas de saúde publica, sociais, económico-financeiros (ainda
estão para eclodir, segundo dizem os experts), que parecem grassar de forma
atribulada por esta aldeia global, existe numa tal aldeia, por sinal muito
bonita, geoestrategicamente situada algures num cantinho da Europa e, segundo o
seu poeta maior, à beira-mar plantada, que como é pequena em território, acaba
sempre por meter-se em grandes sarilhos. Servindo-me do conceito de Principles
of Population de Malthus, diria que arranjamos sarilhos em proporção
geométrica enquanto solucionamos problemas em proporção aritmética, o que de
acordo com a teoria implica um deficit de estabilidade constante.
É, pois, esta instabilidade que
grassa no nosso quadrante seja do foro judicial, seja financeiro, seja
económico, seja social, cultural e até humano, que desatina, desalenta e irrita
o nosso Zé Povinho tão fustigado por decisões e falcatruas cujos epílogos
acabam sempre por ser redondos para quem as executou e quadradas para os
outros, que as têm que pagar. Na verdade, quer-me a mim parecer que o Estado
não produz riqueza que não seja a que lhe advém dos impostos ou dos subsídios sine
die que a comunidade vai adiantando, ( não foi em vão que aderimos às dez
regras do Consenso de Washington e tendo em conta que seremos perenemente uma
economia em desenvolvimento, cá vamos usufruindo das verbas do FMI e do Banco
Mundial), porque assumimos a nossa economia como de neoliberal o Estado não é detentor de
empresas de transporte, de correios, de águas, de eletricidade, e demais bens. Assim seja se for por bem.
Todavia, o por bem desta nossa
pequenina aldeia parece não funcionar. Não será culpa dos governos e respetivas
ideologias políticas, as quais parecem não navegar, mas antes soçobrar no mar da
tempestade do nosso cantinho. Se ainda copiássemos o da Tranquilidade lunar,
talvez, embora lunáticos, avançássemos. Há uma degeneração genética de carater
que dá pelo nome de corrupção. É essa corrupção que perpassa lasciva entre os
cidadãos, tornando uns quantos passivos, outros indiferentes, outros encolhidos
e outros ainda revoltados. A revolta nasce da injustiça, ou antes, a justiça
deveria prevenir a revolta. pois ela obstrui que a falta de justiça que está na
base da sociedade, seja conhecida por todos. Vejamos então, se a justiça é
aquela que previne a revolta, as leis do Estado, visando a justiça, são
estabelecidas pela força, será incongruente que o povo obedeça às leis e
respeite os dominantes em virtude de uma imposição arbitrária da força. É nessa
força que se esconde, a ignominia da impunidade que alguns cidadãos nacionais usufruem,
pese sofrerem de degeneração vinculativa de carater. Não vale a pena mencionar nomes,
até porque seria deselegante e, por outro lado, os mesmos estão frescos na
memória de cada um de nós, não pelo bem que fizeram, mas antes pela caterva de
venalidades que alegadamente cometerem
Não foi por bem, não foi bem.
A vida é feita de episódios.
Muitos. Tantos, que muitos são esquecidos. Ficam na memória da gente. Os bons,
vá lá saber a razão, desvanecem-se no tempo ao ritmo do apaziguamento da
serotonina, os menos bons corroem dando azo a um mal-estar generalizado, o qual
passa pela vulgarização da descrença seguida da maledicência irónica quiçá vingativa.
Porém, se o dichote, a ironia, a sátira são elementos constituintes da
verborreia lusa, já o alheamento, o descrédito, o afastamento generalizado dos
das mesas de voto, da participação em
atos públicos, o ser opinativo de modo construtivo, fazer saber e mostrar de
acordo com o consignado em lei sobre o que vi mal neste cantinho, parece
não merecer aquiescência dos Tugas que,invariavelmente,
delegam nas mãos nem sempre impolutas ou hábeis dos políticos. Depois do aligeirar das responsabilidades,
culpabilizam-se os atos daqueloutros cujo mister seria gerir a coisa publica e
parece que, ao invés, progadilizam em bolsos vá-se lá saber de quem.
Alvitram-se hipóteses, porém, o certo é que de acordo com as sentenças
judiciais, dessas hipotéticas conjeturas saem-se quase sempre impolutos como se
fossem puras virgens platónicas. E o povo arrelia-se, torna-se incrédulo,
encolhe os ombros e vai à sua vidinha.
Não é por mal. É por hábito.
É verdade que a democracia foi
corrompida. Sabemos que quando os indivíduos deixaram de “decidir” algures
entre a retoma burguesa dos séculos anteriores e o assenhoreamento da classe
política no que respeita ao bem comum, ai cessou o conceito de regime politico
em que todos os cidadãos elegíveis participavam de forma igual seja direta ,
seja indiretamente através dos seus legítimos porque eleitos representantes. Hoje
a coisa não é bem assim. A distorção consolidou-se entre políticas, banqueiros,
empresas e ideologias. Uma alquimia de não símbolos químicos incapazes de gerar
o “ouro” do bem-estar social, originando a refração do nosso caleidoscópio
racional em dúvidas, negações e equívocos. O sistema padece de doença, uma
verdade anquilosante que petrifica a capacidade humana dos governantes,
tornando-os, muitas das vezes, reféns de decisões, interesses, análises e
inclusive, pasme-se, de boas vontades.
Governar é difícil, muito difícil, extremamente difícil, sobretudo num
mundo em constante transmutação, em busca de si mesmo, esgotado em si, cujo
único crédito e descrédito em simultâneo é o de ser gerido pelo ser humano.
Creditamos políticas, atos, ideias, gestos e sentimentos., mas igualmente
usamos o descrédito com ações, conceções, produções, rendas, consumos e
acumulações de capital em atos económicos de limpeza duvidosa a tresandar a
vicio. São estes óbices as forças
centrifugas e centrípetas que transformam os indivíduos em meras espirais de
movimento. A nossa inarrável capacidade humana de sofrimento perpetua-nos tanto
na queda como na ascensão, porque somos mais do que carne e osso e menos do que
pura energia. Ficamos, talvez, no meio caminho, na busca do amanhã, vivendo o
presente, com a memória do passado e piscando ao futuro como quem não a quer a
coisa.
Assim fomos, assim somos.
Vivem-se tempos
de lavagem. Lavam-se os conceitos, o passado, a vontade, o dinheiro, o sentir. Há
no ar um desejo de pulcritude antagónico aos atos, um disfarce veneziano fora
de época. A história faz-se do bom e do mau, não se reinventa, não se destrói,
não se manipula. É fixa no seu passado mau e bom, por isso é história. No
entanto, talvez devido à letargia mecânica provocada pelo Covid-19, deu-se
inicio a uma verborreia de ideias, as quais necessitando de seriação,
irromperam descontroladas pelas urbes desta nossa aldeia global, crispando à
sua passagem a historia do mundo que, não é senão a do Ser Humano.
Porque então
pretender que este espécime de vinte e um seculos belicista, belicoso, rude, dominador,
mas também criativo, conciliador, sonhador, numa palavra humano seja réu da sua
própria história? A história dos pequenos e dos grandes, dos bons e dos maus é
que nos permitiu estar aqui e agora sentados num mundo que queremos que seja
melhor, que, no entanto, ainda continua firme nas suas incongruências e
desleixos para com o próximo. A
máxima errare humanum est assenta-nos como uma belíssima luva. Assim tem
sido no desenrolar dos séculos: de erro em erro construiu-se o que
prosaicamente achamos bem, construímos destruindo ali, erguendo aqui,
aplainando acolá, até chegarmos ao edifício final de hoje. O mundo, o admirável
velho mundo , qual feixe assimétrico foi a base deste que dizemos de forma
quase garota ( o mundo ainda cresce) ser um admirável Mundo Reinventado
Se assim for, que seja por bem.
Chaves,18 maio 2021
Maria Teresa Soares.