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Carta a um jovem político
A Politica ou a Politeia
motivou-a dado seu lado social, humano, jurídico ou económico ou simplesmente
pela apetência intrínseca à mudança. Tantas premissas num só conceito. Daí
nasce ou nasceu a sua complexidade. Mas paremos com as divagações e sejamos
assertivos.
Creio que todo o jovem quando a
abraça sente aquele frémito de ser capaz de alguma forma em mudar o mundo. Seja
o pequeno mundo à sua volta (a Pólis), seja a multiplicidade de Pólis que
interligadas constituem a nossa globalidade. Pois bem, acredito que o sente,
acredito que o tentará fazer, acredito que a sua força será, não um produto
tóxico tão comum nas lides financeiras, mas sim uma mais-valia ricardiana em
que o “resíduo”sobejará.
A minha visão política é a de
quem viveu já o suficiente para ser um pouco cética sobre o uso das palavras,
que de um modo geral jamais acompanharam as ações. Aliás, creio que um dos
grandes problemas da política ou dos políticos portugueses é a dessincronização
entre o que é pensado, quiçá legislado e o executado. Delibera-se, promete-se
originando um hiato entre a resolução e a sua consecução. Talvez aqui se inicie
o conceito de não política, mãe e pai de tanta abstenção.
O conceito político pressupõe à priori boas intenções dado ser umas
atividade dos cidadãos que se ocupam dos assuntos públicos. Ora, assim sendo,
porque razão debitamos tantos pós-conceitos sobre o que de errado se fez, que
em boa verdade já foi julgado (as eleições têm a sedução única de cativar ou
desmotivar o amante, neste caso o povo.), mas dizia eu, o eterno cliché verbal
sobre os erros passados é desnecessário. A memória dos povos é irrevogável,
pese muitas vezes parecer adormecida, porém quando chega a altura,
estremece-se, acorda-se e uiva-se. Nós sabemos porque vivenciamos as
disfuncionalidades e os erros dos quadriénios legislativos. Estamos cientes.
Criticar foi próprio da uma geração da qual faço parte e não da vossa. A
síndrome de “ se não foste tu, foi o teu pai há um ano” não tem lugar nesta
sociedade em mutação e mutante. O ontem foi arquétipo de idiossincrasias que o
futuro não comporta.
Por outro lado convenhamos que o
povo já não é o que era, ainda que inculto, embora já alfabetizado, descrê
facilmente qual herança de um passado ainda não tão longínquo, cuja roda da
história ainda teima em manter atavismos, irresoluções e ceticismos. De má
memória o analfabetismo facilitador da ditadura para a atual iliteracia
potenciadora de má democracia. Ouvir não é o mesmo que compreender, ouvir não
significa aplicar, (há que compreender primeiro sem ser embalado) porém as
legislaturas genericamente falando, têm embalado não o povo, mas a si próprias.
Anda a politica, andam os
políticos, andam os fazedores de política questionando-se sobre a razão de
tamanha abstenção que grassa nas democracias ocidentais. Fazem-se estudos,
preconizam-se inquéritos, delineiam-se conceitos que se procuram inscrevem em
grelhas para posteriormente sofrerem a diatribe da estatística. Pobres humanos!
Quão simples é a resposta: O
povo, nós, tu e eles, está farto de promessas, de ideologias, de
incongruências, de injustiças. Quando os políticos e os fazedores da política
se convencerem disso, então o processo de votação será revertido, porque as
ações serão o espelho dos conceitos. Até lá, a estagnação será óbvia. A
saturação tal como a sabemos no liquido torna-o não bebível. Do mesmo modo a
saturação de boas intenções perdidas, de tanto e tanto por fazer é impeditiva
da votação. Atenção que legislar ou radiodifundir promessas é a antítese da sua
execução. O povo não come promessas. São por demais incompletas para saciarem a
fome de vida.
Pertenço a uma geração de ideais.
Aquela geração que ainda acreditou no poder da solidariedade, na verdade
e na justiça. Uma geração cuja safra de homens foi notável em várias áreas,
mormente na politica: Olof Palme, Bruno Craxi, Willy Brandt, J.F. Kennedy, João
Goulart, Fidel Castro, João XXIII, Mário Soares, António Arnaut, Sá Carneiro,
Álvaro Cunhal e tantos outros que se “ libertaram da lei da morte” como disse o
nosso poeta maior.
O Estado de Providencia ou Estado
Social ao jeito socialista tem por objetivo o bem-estar do seu povo. É factual.
Em boa verdade se diga, que existiu um desenvolvimento incomensurável a nível
social nestes últimos quarenta anos. Passamos de uma sociedade puramente rural
(no sábio dizer de António Barreto) para uma sociedade tecnológica. O salto foi
tanto e tão grande que na maioria das vezes dispensou a velha e sólida
estrutura dos andaimes e decidiu movimentar-se numa espécie de parkour insano,
originando quedas perigosas e deslizes pecaminosos.
Recuando um pouco, verificou-se
que o compromisso entre as classes trabalhadoras e os detentores do capital
cedo se cansaram mesmo tendo ainda na
memória a multiplicidade de lutas sociais violentas e crises económicas graves
que foram conducentes a um compromisso
no qual os trabalhadores deixaram cair muitas das suas reivindicações e os
proprietários aceitaram uma maior tributação no que respeita aos lucros de curto
prazo. Esta dupla renúncia facultou a gestão do Estado e simultaneamente
conferiu-lhe autonomia no que respeitava os interesses divergentes das partes,
passando a tutelar a concertação social. Deste modo transformou os recursos
financeiros provenientes da tributação do capital privado e dos rendimentos
salariais em “capital social”, que por outras palavras se diziam ser as
politicas públicas e sociais.
Ora são ou deviam ser essas
mesmíssimas políticas públicas ou sociais que provavelmente seriam a matriz de
desenvolvimento de um país, do nosso país. Porém e, tristemente consta-se que
tal não sucede, uma vez que o desvio dos dinheiros públicos é a vergonha da
politica nacional.
Abstenho-me de epítetos
partidários. Recuso-os, porque acima de tudo o bem comum gizado em ideais
democráticos não comportava ideologias. Essas vieram depois, muito depois, uma
espécie de moda, que por ser tão volátil tem que mudar sazonalmente, neste caso
quadrienalmente, mas enfim, é consensual nas grelhas da política.
Escolher esta ou aquela roupagem
política é usual, tal como o é optar por este ou aquele estilo de vida de
acordo com as vivências resultantes da inserção socioeconómica cultural a que
somos sujeitos por inerência, opção ou desvario. Depois chega o politicamente
correto. Este cavalheiro ou senhora, quiçá transexual, lésbica ou gay
vinculou-se quase como regra sem que todavia se saiba o porquê. Uma moda ou uma
falácia? O tempo o dirá. Se moda, passará, se falácia, a lógica repô-la-á. É
nesta camuflagem que se vão gizando os costumes, os valores e a sociedade toma
a forma de retorta sem conteúdo. Não, não dou pessimista, somente analítica.
Aprendi que tomar a “nuvem por Juno” é muito perigoso, muito mesmo. Porque
vivemos num mundo de teia comunicacional, talvez essa mesma teia se tenha
extrapolado nos seus contornos e perturbado, quiçá as ideias, as nossas ideias.
A rapidez das ideias é comparada
à mudança de opinião dos políticos. Mais rápida do que a mudança de fraldas que
o nosso Eça preconizava, até porque hoje já são descartáveis. Verificamos como
hoje se diz branco, para depois se afirmar preto e quando ambas se diluem
sorri-se no cinzento. Jamais pensei que a oratória se tornasse paleta de cores,
mas o que sei eu?
Desejo-lhe firmemente as melhores
vitórias, as mais imparciais decisões, a mais frutuosa carreira política, no
entanto tenha sempre presente de que “ as promessas só comprometem aqueles que
as recebem (Charles de Gaulle) e porque o politico serve ou deve servir o povo
é apenas a verdade que compromete o povo à política e com a política.
Chaves, 4 de Setembro de 2019
Maria Teresa Soares