Três
e meia a noite ainda enrola o céu. Dentro das paredes de azulejo branco, a luz
maravilha a bola de água e farinha que de redonda é puxada, sovada, unida e de
novo enrolada em bola. Um gesto maquinal, um salpico de farinha e jaz redonda e
tenra naquele fermento de tempo à espera da levedura das horas.
No
seu tique-taque o relógio da parede branca marca o compasso das mãos. Uma bola,
duas, três, quatro. Tantas que na mesa os tabuleiros se perfilham em alas de
soldados de pão. A paz dos corpos. O fogo pacificado das mentes. O sorriso das
almas. O pão.
José
esfrega as mãos num gesto simples. Fios toscos despegam-se. O esfarelar da massa.
Os braços fortes e ágeis continuam incansáveis a sua lide. As mãos macias e doces
dão vida à farinha. Acrescenta um beijo de água mais um suspiro de fermento
levedado. Com um rodar preciso que os pulsos elásticos sabem imprimir, a massa
brota, ali mesmo como se alguém lhe suspirasse vida.
As
bolas cresceram, redondas, fortes, lisas e macias. José, padeiro -artista
molda-lhes as formas. Umas pequeninas, outras maiores, outras ainda
caprichosas. A imaginação vestida de amor.
José
padeiro, nem jovem nem velho. Homem calado de olhos avaros de dia e trabalhados
de noite. A massa que gera em cada madrugada é o alimento dos seus dias. Sonha. Os padeiros também sonham. Sonha que
aqueles pãezinhos moldados entre os dedos são as sementes de cada dia. Uma
barriga cheia é um olhar feliz, um sorriso na boca. Um saciar. A paz da alma
que adoça a vontade dos homens.
José
sente-se soldado do mundo. A sua arma é diferente. Não vomita, mastiga-se,
engole-se. Alimenta. É o pão,o seu pão. E o pão dos dias é a mais bela escopeta
de amor.
José
também é soldado trincheira da vida.