O vento ulula numa morna
de verão. Jacinto de olhar mortiço segue o som. Os olhos pequenos e opacos
avermelham-se na caixa das lágrimas. Jacinto é velho. Idoso, diz-se, e fica
melhor. O vento estremece em movimento de ancas. Contorce-se e suspira. Jacinto
pestaneja de olhar húmido. Apoia as mãos nas tiras de madeira do banco do
jardim Está sentado, mas há um inclinar do tronco para a frente, como, se o
vento o puxasse ou a morna o trepidasse. O vento passa ululando, de novo.
Jacinto deita as mãos aos olhos. Lacrimeja. Não de dor ou insipidez. De vento,
de solidão. De morna que o agita.
E o vento volta a trás e
ri-lhe nos olhos, puxa-lhe as mãos e crispa-lhe as pernas. Puxa-o para a morna.
A morna da vida. O vento tem alma. Jacinto espirra. Prosaico. O vento não ri.
Gira e gira e contorce-se nas ancas do ar. Espirais redondas de volúpia.
Jacinto percebe. Percebe que o chama. O olhar opaco na caixa das lágrimas
aviva-se. Já tem luz. E na boca de dentes pardos e ralos, o sorriso rasga-se.
Há um agitar no corpo. Vem das entranhas, vem da vida. Jacinto é idoso. É lento
e frágil. Tem nos anos de vida a memória das mornas sentidas. Algures, bem
dentro de si, a caixa o tempo entreabriu-se deixando escapar a força do átimo
já experimentado. Saciado na sua memória, risonho do seu segredo, Jacinto
recosta-se no banco do jardim. Fecha a caixa do olhar. Orladas de gotículas a
esparsas pestanas pingam suavemente. As mãos, enrugadas de veias bisbilhoteiras
abrem-se no ar, para depois se apertarem num decúbito de unhas. Querem guardar
aquela morna que o vento teimou em dançar. Jacinto dançou.