O Homem Cruel
Quando o rico tira um pertence ao pobre (por exemplo, um príncipe que tira
a amante ao plebeu), então gera-se um erro no pobre; este acha que aquele tem
de ser absolutamente infame, para lhe tirar o pouco que ele tem. Mas aquele
não sente de modo algum tão profundamente o valor de um único pertence, porque
está habituado a ter muitos: portanto, não se pode transpor para o espírito
do pobre e não comete tal uma injustiça tão grande como este julga. Ambos têm
um do outro uma concepção errada. A injustiça do poderoso, a que mais indigna
na História, não é assim tão grande como parece. O mero sentimento hereditário
de ser um ser superior, com direitos superiores, torna uma pessoa bastante
fria e deixa-lhe a consciência tranquila: até todos nós, se a distância entre
nós e um outro ente for muito grande, já não sentimos absolutamente nada de
injusto e matamos um mosquito, por exemplo, sem qualquer remorso.
Assim, não é sinal de maldade em Xerxes (a quem mesmo todos os Gregos descrevem como eminentemente nobre) quando ele tira a um pai o seu filho e o manda esquartejar, porque este havia manifestado uma inquieta e ominosa desconfiança em relação a toda a expedição militar: neste caso, o indivíduo é eliminado como um insecto desagradável, ele está demasiado baixo para poder provocar por mais tempo sentimentos importunos num soberano univsal. Sim, nenhum homem cruel é cruel na medida em que o maltratado julga; a sua noção da dor não é a mesma que o sofrimento deste. Passa-se o mesmo com o juiz injusto, com o jornalista que, com pequenas desonestidades, desorienta a opinião pública. Causa e efeito estão, em todos estes casos, rodeados por grupos de sentimentos e de pensamentos diferentes; enquanto que, involuntariamente, se pressupõe que réu e queixoso pensam e sentem da mesma maneira e, em conformidade com esse pressuposto, se mede a culpa de um pelo sofrimento do outro.
Friedrich Nietzsche, in 'Humano, Demasiado Humano'
Assim, não é sinal de maldade em Xerxes (a quem mesmo todos os Gregos descrevem como eminentemente nobre) quando ele tira a um pai o seu filho e o manda esquartejar, porque este havia manifestado uma inquieta e ominosa desconfiança em relação a toda a expedição militar: neste caso, o indivíduo é eliminado como um insecto desagradável, ele está demasiado baixo para poder provocar por mais tempo sentimentos importunos num soberano univsal. Sim, nenhum homem cruel é cruel na medida em que o maltratado julga; a sua noção da dor não é a mesma que o sofrimento deste. Passa-se o mesmo com o juiz injusto, com o jornalista que, com pequenas desonestidades, desorienta a opinião pública. Causa e efeito estão, em todos estes casos, rodeados por grupos de sentimentos e de pensamentos diferentes; enquanto que, involuntariamente, se pressupõe que réu e queixoso pensam e sentem da mesma maneira e, em conformidade com esse pressuposto, se mede a culpa de um pelo sofrimento do outro.
Friedrich Nietzsche, in 'Humano, Demasiado Humano'
3 comentários:
À pergunta nos armários
À pergunta nos armários
Tão frágeis as pedras
Postar um comentário