..Este Requiem é a banda sonora( elegante) do momento político e financeiro... o que acham?
"...És homem, não te esqueças! Só é tua a loucura onde, com lucidez, te reconheças." Miguel Torga
30 setembro, 2010
Mozart's Requiem-Confutatis (lyrics+translation)
..Este Requiem é a banda sonora( elegante) do momento político e financeiro... o que acham?
24 setembro, 2010
Setembro em Bagos
Setembro em Bagos
Na manhã vestida com saia de neblina, o corpete azul do céu pesponta enviesado na janela do amanhecer. Setembro. Novelo de tons, fios de alma, chama bruxuleante dos dias em despedida.
Logo, logo, o sol empurra a saia húmida de neblina e, beija a árvore humilde. Pinta-a de luz e sombra. Com verde negro onde mora a teia tecida nas lágrimas do orvalho, com verde doce onde pesponta a folha tenra, depois Senhor, envolve o fruto de cachos maduros pintalgando-os de ouro. Deixa-se escorrer neles em gozo perfeito, em arco de e luz e tons.
Nos lábios da criança, que corre entre os bardos, uma ponta de saliva aloja-se no canto. Escorrega o sorriso, enquanto as mãos se estendem abertas para o cacho mudo, que descansa entre as folhas matizadas de rosas, roxos e castanhos-ouro. Já se enrolam na despedida.
A mulher dobra-se em gesto calado. A mão, concha aberta, recolhe feliz o cacho de bagos roxos. Toca-o no seu fulgor de perfeição, depois joga-o no interior do cesto, onde outros já gotejam a doçura em líquido doce.
Lá em baixo o rio remansa plácido, quente, vivo e dono. Recurva-se nos cantos em toque breve na terra, mulher. O jogo eterno dos amantes. Um desejo cumprido mas não saciado. Retoma o seu curso e adormece cansado no leito.
E Setembro desce nas encostas, enrolando a terra, vestindo -a de matizes. Tela viva de ocres e mostos. A cor do cheiro que mastiga a brisa.
Setembro das neblinas, dos cheiros, da partida. Setembro prenhe de cor e mel. Setembro ébrio de mosto, de cantigas enroladas em gargantas por abrir. Setembro de mãos entrelaçadas, de coxas quentes em toque de movimento, de olhares fulvos de alma, de bagos que se abrem grávidos de seiva, de gente em procissão carregando nos ombros os andores de cachos maduros.
Setembro fruto, Setembro mosto, Setembro Homem, Setembro Terra. Setembro despiu-se. Setembro partiu.
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09 setembro, 2010
Um querido amigo de longa data enviou-me este poema de Fernando Pessoa,não resisti em partilhar convosco a verdade do tempo e da vida na mestria das suas palavras .
Fernando António Nogueira Pessoa
"Um dia a maioria de nós irá separar-se.
Sentiremos saudades de todas as conversas atiradas fora,
das descobertas que fizemos, dos sonhos que tivemos,
dos tantos risos e momentos que partilhámos.
Saudades até dos momentos de lágrimas, da angústia, das
vésperas dos fins-de-semana, dos finais de ano, enfim...
do companheirismo vivido.
Sempre pensei que as amizades continuassem para sempre.
Hoje já não tenho tanta certeza disso.
Em breve cada um vai para seu lado, seja
pelo destino ou por algum
desentendimento, segue a sua vida.
Talvez continuemos a encontrar-nos, quem sabe... nas cartas
que trocaremos.
Podemos falar ao telefone e dizer algumas tolices...
Aí, os dias vão passar, meses... anos... até este contacto
se tornar cada vez mais raro.
Vamo-nos perder no tempo...
Um dia os nossos filhos verão as nossas fotografias e
perguntarão:
Quem são aquelas pessoas?
Diremos... que eram nossos amigos e... isso vai doer tanto!
- Foram meus amigos, foi com eles que vivi tantos bons
anos da minha vida!
A saudade vai apertar bem dentro do peito.
Vai dar vontade de ligar, ouvir aquelas vozes novamente...
Quando o nosso grupo estiver incompleto...
reunir-nos-emos para um último adeus a um amigo.
E, entre lágrimas, abraçar-nos-emos.
Então, faremos promessas de nos encontrarmos mais vezes
daquele dia em diante.
Por fim, cada um vai para o seu lado para continuar a viver a
sua vida isolada do passado.
E perder-nos-emos no tempo...
Por isso, fica aqui um pedido deste humilde amigo: não
deixes que a vida
passe em branco, e que pequenas adversidades sejam a causa de
grandes tempestades...
Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem
morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem
todos os meus amigos!"
fernando pessoa
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02 setembro, 2010
ADEUS VERÃO
Adeus Verão
Um bocejo. Um olhar.
É o tempo da luz que se recolhe.É o Verão que se encolhe.
Cabelos longos, soltos, emaranhados na brisa da tarde, pele doirada do sol e do mar, lábios rubros de adolescente, mãos doces de menina e olhar perdido de mulher. Isabel.
Sob o toldo branco que teima ainda em filtrar a luz macia de Agosto, olha em redor. Uma centelha. Um palpitar. Nada. O olhar desce de novo para a mesa redonda onde os dedos tamborilam o tampo verde de metal. Puxa a cadeira um pouco para trás. Cruza as pernas morenas, despidas. Uns calções curtos vestem-lhe as coxas. Assim leve. Assim solta. À espera.
Sacode a massa castanha que desce pelas costas. Naquele trejeito derrama o olhar em redor. Nada. Vê o pulso. Cinco horas. Atrasado.
Suspira.
Amanhã já é Setembro. Amanhã acaba o tempo. Amanhã é dia de adeus. Amanhã o tempo vai mudar.
E a luz a inundar a praça. A luz que a faz piscar. A luz que lhe rouba o tempo.
O pé direito baloiça nervoso no sincopar dos minutos. Dança na sandália despida. Move-se ao ritmo do palpitar do corpo. Eis que se solta e cai. O pé desliza e busca-a no chão. Enfia-se nela tal como na espera. Voluntariamente.
Chega. Desengonçado. Alto e magro. Com calças a mais e camisa de menos. Sorridente. Lança-lhe um beijo nos dedos que poisa nos lábios. Um trejeito.
Isabel sorri. Feliz. A luz do verão espalha-se nas faces e aninha-se nos olhos de veludo. Sorriem um no outro.
Isabel e João.
Sorriem e estreitam as mãos. Afagam-se no olhar. O tempo está ali. Parou. Amanhã já não é Setembro.
Levantam-se. Entrelaçam os dedos. Partem
O pôr-do-sol desceu na praça.
Fechou-se o último toldo.
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