Uma filhós...
Abre a bolsa. Está minguada. Apenas umas moeditas lá dormem. Volta a fechar e aperta-a contra os dedos. Maldito dinheiro. Sempre se some, nunca leveda, nunca. Pelo menos para ela. E o Natal que se aproxima. O pequeno já lhe anda a pedir uns patins em linha. E não se cala. Todos os dias a ladainha é a mesma:
“-Portei-me bem, não portei? O pai Natal vai dar-me os patins, não vai mãezinha?”
Claro que ela diz que sim, claro que ela lhe diz que tem que continuar a portar-se bem. Claro que sente um nó na garganta, quando poisa o olhar, nos outros olhos, ainda puros. Claro que sorri, sorri sempre. É a forma mais simples de sanar o impossível. Maldito dinheiro. Vida sem tino.
Todas as manhãs levanta-se às cinco da manhã. No seu pequeno apartamento, pequeno, porém grande na altura de pagar a renda, mais a água, mais a luz, respira-se o frio e o escuro da madrugada. O clarear tímido passou ao lado, para a janela da frente, do outro, a do vizinho. O seu, o do canto, o mais económico, só vê luz lá pelo meio-dia. É escuro e húmido. É o que pode ter. Uma cozinha, dois quartinhos, uma casa de banho e uma salinha. Tudo e tão pouco. Mas chega-lhe. É simples e gotejado. Parece que escorre sempre. Nas madrugadas líquidas de Inverno a água perpassa pelas costas e aloja-se-lhe na alma. Um arrepio. Levanta-se. Enfia os pés nos chinelos. O dedão espreita. O tecido espirrou de puído. Imperceptivelmente encolhe o dedo. Olha para baixo. Abana a cabeça de caracóis ruivos. Muito.
Uma espécie de labareda veste o espaço. É a luz que a madrugada teimou em roubar. Já de pé coça os caracóis como se estes lhe atrofiassem os pensamentos. Mais um dia, mais uma rotina. Arranja-se. Depois, já com o sol nos lábios vai até ao quarto do seu menino. Dorme tão docemente, o seu rapazinho. O rostinho está rosado do calor dos lençóis, os caracóis sedosos espalham-se na testa. Chama-o de mansinho.: -“Pedro, Pedrinho, querido…”
Volta-se sonolento, rebola os olhos, chucha na língua e resmunga: -“Hum…só mais um cadinho…tá quentinho.”
Ela senta-se na borda da cama, afaga-lhe o rosto e sorri no amor de mãe, murmurando:” - Mais cinco minutos, Pedro, só mais cinco minutos.”
E fica ali a amá-lo. Tão só com o olhar e o sentir.
Tão só, como se fora pouco.
E o Natal que chega daqui a dias. E o dinheiro que não leveda. E os patins do seu menino. As pálpebras obedecem ao ritmo do pensamento abatendo-se sobre o olhar verde e lindo. Uma menina grande e dorida vexada na imensidão do seu amor de mãe. O querer dar sem ter. Os olhos enevoam-se de estrelas de água. De novo abana o seu Pedro. Lá fora, o dia pesponta preso em teias de labuta. Há que o seguir.
-Mãezinha, quantos dias faltam para o Pai Natal?
-Faltam doze dias, Pedro.
- Sabes mãezinha já escrevi a carta a pedir os patins. Ele vai mos dar, não vai? Portei-me bem, não portei, mãezinha?
-Sim Pedro. Talvez, o Pai Natal pode estar muito ocupado. Sabes há muitas cartas. E se por acaso, a tua, se perde? Já pensaste? Pode acontecer.
-Pode? A Rosa disse-me que o Pai Natal faz sempre a vontade aos meninos que se portam bem.
-A Rosa, disse isso?
-Sim, mãezinha.
-Pois, lá deve saber, então
Ah! Então vou ter os meus patins, não vou. Ah vou, vou…Ah, mãezinha que bom!
-Vamos ver, vamos ver, Pedro.
Deixa-o na creche e corre para o comboio. Tem que atravessar a ponte, logo apanhar o metro. Pega às oito em ponto. Até às cinco e meia. Hoje é daqueles dias longos. Arranjou um extra no restaurante. Vai ficar até às onze. A Rosa, a amiga, vai buscar o Pedrinho. Está descansada.
Este trabalho veio mesmo a calhar. Oxalá lhe paguem para poder comprar os patins, e mais umas coisitas. Bolas, afinal é Natal. A vida é um alcatruz de nora. Tem tanta esperança quanto desengano. Uns pegam no princípio, outros no fim. Ela agarrou no fim. E a vida escreveu-se-lhe assim de páginas voltadas.
Já na cozinha de avental bem assente, touca e luvas descasca as batatas. A faca desenha a espiral certa, que solta, se despenha no caixote. Mais uma, e outra, e mais, e mais. Vai ser assim durante a próxima hora. As espirais dos seus sonhos na ponta de uma faca, caindo no fundo do caixote. Levanta a cabeça. Toma o ar altaneiro que lhe pertence. Daqui a pouco vai ter que bater as filhós. É a sua especialidade. Saem-lhe fofas e túrgidas. Um deleite de sabor. Assim o dizem.
Entranha as mãos na massa, aperta-a, espreme-a, depois alisa-a, bate-a em golfadas de prazer e dor. A força da sua vida num rolar de punhos adentro. Tende-a ainda liquefeita. Uma teia fechada. Estica-a. Ainda não está. Enfia as mãos com força, com ardor, com raiva e doçura. Com os ingredientes do sentir. Uma vez e outra, mais outra e outra ainda. Assim repetida e vorazmente. A massa borbulha. Abre-se. Em bolhas que rebentam em ais de satisfação. Está pronta para crescer. Uma manta a enrolar o alguidar. Vai levedar. Logo estará mais leve, se possível mais fofa ainda.
Tira o avental enfarinhado que joga para o cesto, alisa a bata. Já na casa de banho, humedece o rosto onde pérolas de suor fizeram os sulcos de cansaço. Está fresca. Maquinalmente olha-se ao espelho. Lá está a cara pálida com uns olhos enormes e uns cabelos de labaredas, teimosos e encaracolados. Ah, como gostaria de ser comum. Olham-na sempre. Os cabelos são tão esfusiantes não têm nada a ver com o seu estado de alma. Mas enfim, a mãe natureza teve destas coisas. Tem que viver com o que tem. Uma enormidade. Pensa que tudo está ao contrário. O calor gelado da sua vida. O desamor feito colar que lhe cinge os sentidos.
Compõe a toca, coloca um avental lavado, olha o relógio. Dirige-se para o alguidar, levanta a manta no canto. Espreita a massa. Lá está ela lêveda. Soberba! Vão ficar boas as filhós. Um tacho, borbulhas de óleo quente, massa que rebola e dança, um prato de açúcar e canela para o enfeito de cor e doce. Eis as filhós. Logo, logo estarão à venda. Quentes e doces.
Dez dias de filhós. Quentes e doces.
Um alguidar de massa, mãos sentidas de dor, raiva batida, esticada. Suor e rubor. Tempo e alento. Fé. No amanhã que se desenha e mais um gesto de amor. Uns patins.
………………
-Mãezinha, mãezinha! Grita a criança.
-…?
-O Pai Natal, O Pai Natal lembrou-se de mim!
-…!
-Mãezinha estou tão feliz!
Santa Clause is coming to town -
Gostei muito desta imagem! Beijos.
ResponderExcluirfotografia muito interessante
ResponderExcluirThank you for your visit and for your comments,always adding value to my pictures.
ResponderExcluirTI AUGURO UN FELICE NATALE
E UN MERAVIGLIOSO ANNO NUOVO
UN ABBRACCIO DALL'ITALIA
CIAO
gOSTEI
ResponderExcluirE NÃO ME PERGUNTE PORQUÊ
Bela conjugação de imagens
ResponderExcluirSaudações amigas e boas festas
Boas imagens...
ResponderExcluirBoas festas:)
Sonhos levo eu sempre a alma cheia por cada vez que passo neste azul.
ResponderExcluirUm Natal Feliz para ti.
Um beijo
Histórias cada vez mais verdadeiras...mas, sem sonhos destes sequer.
ResponderExcluiro meu melhor abraço.
ResponderExcluircom se musgo fosse.
(obrigada)
Hummm...
ResponderExcluirOs sonhos e o licor de laranja!
Sempre o meu presente de Natal nas portas da vizinhança...
Este ano não falho, que já me sinto sobrevivente.
Um beijo grande, um abraço maior, e um Natal com tudo o que se quer...
Excelente conjugação de imagens... :))
ResponderExcluirUm beijo e renovo o desejo de um Feliz Natal para ti e todos os teus.
Feliz Natal!Muita magia!Abraços, Plim e Plum***
ResponderExcluirgiro
ResponderExcluirmas........
porque teimas em minimizar
........TE?
mais uma vez
um boníssimo natal
.
um beijo
Para além de um grande beijinho deixo os desejos de um Santo Natal, com muito Amor, Paz e Carinho
ResponderExcluirInês
Feliz Natal.
ResponderExcluirPaz, Saúde e Amor para 2009.
Voltarei para ler o texto que gentilmente partilhas connosco.
ResponderExcluirA imagem é especialmente convidativa de um viver bem a época! Adorei!
Um Feliz Natal para ti :):)
Com um abraço amigo
Gostei.
ResponderExcluirBoas festas.
Abraços d´ASSIMETRIA DO PERFEITO
Bela imagem, gostei. Parabéns ao autor.
ResponderExcluirFeliz Natal, para ti e para a tua família.
Beijinhos.
Retribuo do coração todos os votos deixados em 'fragmentos'!
ResponderExcluirMuita Paz, Fraternidade, Afectos imensos...
Um beijo
feliz e santo natal...
ResponderExcluirao ler este texto, pensei no que falava ontem, num ultimo jantar de natal deste ano (só houve ai uns 10), que o significado do natal muda com a maternidade.
que nenhuma luz, desta ou outra cidade do mundo, brilha da forma como a luz dos olhos da minha filha, ao olhar o menino jesus no presépio...
muitas pendas no sapatinho
bjs
para lá de desejar um Feliz ntal, dizer-te que adorei o teu conto no 9º jogo
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