Prazeres.
Uma haste tenra que surge, mais outra, outra, e outra ainda. Um laço enrolado. Um braço solto no ar. O vento que vem e embala a haste, acaricia a folha e balança o cacho minúsculo, quais grânulos verdes e múltiplos em triângulo invertido. No bardo verdejante papoilam os cachos emoldurados de parras e laçados nas gavinhas. No chão, faúlhas de xisto amaciam a terra vermelha e seca. O pó solta-se sempre que o vento vem namorar os vinhedos. Dá-lhes a patina do calor aquecendo os pequenos grãos bagos que resfolegam tranquilamente. O verão dança na vinha, por entre as gavinhas que prendem os cachos ,e a terra calçada de alpergatas de xisto. Em cada passo calcado há a memória que se escoa na poalha do solo.
Além desce suave a colina, aqui sobe penoso o socalco. Mais além, brinca o olhar da moçoila e do rapagão, sob a oliveira serena que veste a sombra do recanto, gera-se o grito de vida. No outro além, lá em baixo junto ao rio, deitado na erva tenra e florida de vinagreiras amarelas, sonha-se com o mundo ao sabor da corrente. E os vinhedos maturam-se no rolar do tempo. As cores são inebriantes de luz. Os castanhos descem até ao rosa e pelo meio vestem-se de ouro, de negro, de púrpura. Hino de paleta por pintar, tela viva ainda não gizada na arte do traço. A terra, mater fecunda, abre-se ao estio da idade. Matura no seio ,o néctar, que outros virão colher. Grupos de cestos, cantigas ecoadas e risos perdidos, enchem o céu alinhavado de ténues sopapos de algodão.
E o calor rebola no vento, tisnando o bardo, aquecendo a doçura do líquido, que entre dedos espirra quente e perfumado como se fora aroma estilizado. As tesouras cortam as hastes entoando o seu eterno tic-tac. Soltos os cachos rebolam pelos cestos. Há no ar um cheiro doce, quase enjoativo que as ladainhas respigam mais ainda. A tarde esvai-se. Colossal a paisagem pára. Perde a animação. Descansa, imóvel do prazer tirado do seu ventre fecundo. A orgia do dia cessou, qual cortesã banha-se lânguida na brisa do entardecer que a despe. A terra veste a musselina estrelada da noite, devolve com um beijo sensual o pestanejar daquela estrela atrevida que teima em seduzi-la ,e recolhe-se nas suas entranhas ainda mornas de ardor vivido. O palpitar, de cada dia, no todo do seu ser, fá-la suspirar. Amanhã novas primícias ser-lhe-ão exortadas. Há que descansar.
Boa-noite!
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Lindissimas as tuas palavras numa lindissima fotografia das uvas do paraíso.
ResponderExcluirA tarde esvai-se.
Nunca o prazer de te ler assim o será.
Senti os cheiros, vi as cores e até no palato esse adocicado do todo como memórias que se registam para tardes em que há-de chover.
Um beijo e obrigado por este quadro tão forte da natureza.
há muito que não te lia com tanto agrado.
ResponderExcluirum texto quase sem falhas .absolutamente belo onde as imagens escritas perpassam pelos nossos olhos como que inseridas em filme.
belíssimo ,repito!
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um beijo
Um hino à terra, nesse ritual das vindimas que tanto apela aos nossos sentidos. Belíssimo texto!
ResponderExcluirTenho que o repetir: belíssimo texto!
ResponderExcluirO ambiente bucólico recriado conseguiu dar-me o repouso necessário neste correr do Verão. Algo que só a natureza pode transmitir...
Adorei! :)
Poético, físico, sensorial. Lindo. As vinhas do paraíso apetecem mais do que as da ira... beijos!
ResponderExcluirDoces palavras :)
ResponderExcluirNem de propósito, esta noite já passei bons momentos com esta Humoresque de Dvorák.
posso dizer que até lhes senti o sabor pelas tuas palavras... deliciosas!
ResponderExcluirabraço
luísa
Há nestas tuas palavras uma serenidade, um calor e uma doçura que embalam. Mais ainda do que a forma primorosa como descreves uma cena que é cara ao povo que somos, admiro a tranquilidade e a paz que as tuas palavras transmitem; não está ao alcance de qualquer contador(a) de histórias, merece ser louvado.
ResponderExcluirCom admiração...
Lindo texto,linda foto, música divina....um prazer!
ResponderExcluirE que o dia de amanhã traga uma sensação parecida.
ResponderExcluirbeijinho