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19 janeiro, 2008




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Tango da Vida

As paredes esquálidas sombreadas de amarelo pardo e escuro triste, o chão rangente, esfregado de humidade escorrida, aqui, e ali, já carcomido de tábua podre, a janela no meio da parede em esquadria torta, olhando parada a vida, que de igual suja os vidros já foscos de amanhã, a cadeira velha, gasta que descansa ao canto na espera de um corpo macio. Tudo é cinzento, triste e atávico no quarto da Vida.

O Cheiro, não se sabe porquê, é de suor; suor escorrido, transpirado e molhado. Eleva-se em nuvens, molha as almas e invade os corpos. O suor rebola o ar, dá-lhe o odor vivido do desejo.

A porta geme e entra o homem, gingão, moreno, franzino, maleável, permeável. A brilhantina escorre-lhe no azeviche da cabeça, o olhar corta o cheiro e embala o desejo. A música crepita nos acordes. Três, únicos, marcantes, vibrantes e dançantes. O homem gira, agacha-se, compassa. Levanta-se, e entrega-se ao som que crepita de tom, qual labareda vermelha. Estende a mãos. Ela chega, carne viva, roçada e criada de movimento. Juntos, unidos, em ritmo único abanam, baixam, cruzam, afastam, inclinam, um, dois, três, em baixo, um, dois, três, ao lado. O olhar é fixo, interior, sentido. Dobra-se, ergue-se e parte-se na entrega.Viola-se no prazer. Suspira no escutar e abandona-se no vai e vem.

Há paixão, ritmo, carne. As pernas entrecruzam-se, tocam-se, exploram-se. Há prazer. Os corpos dúcteis entrechocam-se no desejo, e o suor invade a cabeça, desliza pelos cabelos que empapados se tornam mais vivos e dançam também, colando-se tal como os corpos. Exala o suor do sentir, fétido de desejo, prenhe de paixão. E o movimento único, compassado, ao som das palhetas de bandoneón grita em raiva dolente, em escárnio cuspido, em sentir violado. Tudo salta, tudo irrompe em gestos, olhares e dança. Há fogo, há labareda. Há cinza, tristeza. Vermelho e negro. Corpo e alma. Mais um passo, mais um acorde, e ela requebra, articula a perna esquerda em movimentos fortes e vibrados. Baixam-se de novo em uníssono de movimento, alagados no fluir da música. É dança canalha, suor perlado, olhar dividido, roçares mastigados. É raiva, é dor, é asco ,é paixão. É assim que se dança Tango da Vida…







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Posted by Picasa

15 comentários:

  1. Mais uma vez Astor.
    Mais uma vez palavras a rasgarem corpos e soalhos; suores e paixões.
    Violar o amor como coisa de comer.

    Adorei ler-te neste registo tão visceral. Tão dançado, tão vida.

    Um beijo, Minha Querida.
    E obrigado.

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  2. Uau!!!!Que descrição fabulosa desta apaixonante dança (canalha)

    Um beijo*

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  3. Um tango de carne e sangue. E Piazzola, claro. Adorei. Uma flor de paixão.

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  4. abro as mãos de vento e rosas


    aos satélites sem rota



    de par em par

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  5. Inunda teu espaço a narrativa belíssima e 'visual' de um tango sentido!

    Hoje, não sei mas nos espaços amigos pairam grandes afectos!?
    Bom sinal!

    Meu silêncio foi longo... perdoa! Sabes o que me tem mantido afastada...

    Sensibilizada pelos teus olhares amistosos em 'fragmentos'!

    ... Piazzola, esse mago das sonoridades intimistas !

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  6. gosto de quem chega e é carne viva.

    para todos os efeitos.

    mesmo os perversos!

    no tango e na vida.

    cada vez mais raro.



    lindo o teu post!

    .beijO. mateso ~

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  7. Literalmente muda com o calor apaixonado deste texto dançante.


    Passa aqui: http://desafiosdeamigos.blogspot.com/

    tens um mimo para ti.

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  8. o sentimento louco ,vibrátil ,a roçar a palavra tocada em harmonia ímpar .Só quem conhece a Música da Vida dança desta maneira o tango

    BRAVO

    BRAVO

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    ( tinha saudade desta tua raiva ,sabes? )

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    um beijo ,miúda!

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  9. Um dia hei-de saber dançar assim... para já, parabéns a quem faz dançar assim as palavras e o espírito de quem as lê!

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  10. a vida feita tango
    sensual...
    dinâmica
    paixão...

    dançando um tango... caminhando, não havendo tempo para a dança nem agendas,,,,

    abrazo serrano

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  11. Tenho andado com grandes dores de laringite e uma tosse que me deixa incomodado por isso nem vontade tenho tido de ligar o PC , pois nem sei se é gripe, com os medicamentos receitados pelo medico, ainda não fez efeito, por isso não tenho aparecido
    As minhas desculpas
    Saudações amigas

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  12. Dançam o tango, as tuas palavras.
    Vibrantes.
    Ardentes.
    Sensuais.

    Cor, calor, movimento.

    E Piazzola acompanha tudo isso na mesma intensidade!
    Lindo!

    Resto de boa semana...
    ;)

    (Obrigada pela visita no meu blog.)

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