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Tango da Vida
As paredes esquálidas sombreadas de amarelo pardo e escuro triste, o chão rangente, esfregado de humidade escorrida, aqui, e ali, já carcomido de tábua podre, a janela no meio da parede em esquadria torta, olhando parada a vida, que de igual suja os vidros já foscos de amanhã, a cadeira velha, gasta que descansa ao canto na espera de um corpo macio. Tudo é cinzento, triste e atávico no quarto da Vida.
O Cheiro, não se sabe porquê, é de suor; suor escorrido, transpirado e molhado. Eleva-se em nuvens, molha as almas e invade os corpos. O suor rebola o ar, dá-lhe o odor vivido do desejo.
A porta geme e entra o homem, gingão, moreno, franzino, maleável, permeável. A brilhantina escorre-lhe no azeviche da cabeça, o olhar corta o cheiro e embala o desejo. A música crepita nos acordes. Três, únicos, marcantes, vibrantes e dançantes. O homem gira, agacha-se, compassa. Levanta-se, e entrega-se ao som que crepita de tom, qual labareda vermelha. Estende a mãos. Ela chega, carne viva, roçada e criada de movimento. Juntos, unidos, em ritmo único abanam, baixam, cruzam, afastam, inclinam, um, dois, três, em baixo, um, dois, três, ao lado. O olhar é fixo, interior, sentido. Dobra-se, ergue-se e parte-se na entrega.Viola-se no prazer. Suspira no escutar e abandona-se no vai e vem.
Há paixão, ritmo, carne. As pernas entrecruzam-se, tocam-se, exploram-se. Há prazer. Os corpos dúcteis entrechocam-se no desejo, e o suor invade a cabeça, desliza pelos cabelos que empapados se tornam mais vivos e dançam também, colando-se tal como os corpos. Exala o suor do sentir, fétido de desejo, prenhe de paixão. E o movimento único, compassado, ao som das palhetas de bandoneón grita em raiva dolente, em escárnio cuspido, em sentir violado. Tudo salta, tudo irrompe em gestos, olhares e dança. Há fogo, há labareda. Há cinza, tristeza. Vermelho e negro. Corpo e alma. Mais um passo, mais um acorde, e ela requebra, articula a perna esquerda em movimentos fortes e vibrados. Baixam-se de novo em uníssono de movimento, alagados no fluir da música. É dança canalha, suor perlado, olhar dividido, roçares mastigados. É raiva, é dor, é asco ,é paixão. É assim que se dança Tango da Vida…
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15 comentários:
Mais uma vez Astor.
Mais uma vez palavras a rasgarem corpos e soalhos; suores e paixões.
Violar o amor como coisa de comer.
Adorei ler-te neste registo tão visceral. Tão dançado, tão vida.
Um beijo, Minha Querida.
E obrigado.
Uau!!!!Que descrição fabulosa desta apaixonante dança (canalha)
Um beijo*
Um tango de carne e sangue. E Piazzola, claro. Adorei. Uma flor de paixão.
Fantástico! Adorei.
Beijos*
abro as mãos de vento e rosas
aos satélites sem rota
de par em par
Inunda teu espaço a narrativa belíssima e 'visual' de um tango sentido!
Hoje, não sei mas nos espaços amigos pairam grandes afectos!?
Bom sinal!
Meu silêncio foi longo... perdoa! Sabes o que me tem mantido afastada...
Sensibilizada pelos teus olhares amistosos em 'fragmentos'!
... Piazzola, esse mago das sonoridades intimistas !
gosto de quem chega e é carne viva.
para todos os efeitos.
mesmo os perversos!
no tango e na vida.
cada vez mais raro.
lindo o teu post!
.beijO. mateso ~
Literalmente muda com o calor apaixonado deste texto dançante.
Passa aqui: http://desafiosdeamigos.blogspot.com/
tens um mimo para ti.
o sentimento louco ,vibrátil ,a roçar a palavra tocada em harmonia ímpar .Só quem conhece a Música da Vida dança desta maneira o tango
BRAVO
BRAVO
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( tinha saudade desta tua raiva ,sabes? )
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um beijo ,miúda!
Um dia hei-de saber dançar assim... para já, parabéns a quem faz dançar assim as palavras e o espírito de quem as lê!
a vida feita tango
sensual...
dinâmica
paixão...
dançando um tango... caminhando, não havendo tempo para a dança nem agendas,,,,
abrazo serrano
Tenho andado com grandes dores de laringite e uma tosse que me deixa incomodado por isso nem vontade tenho tido de ligar o PC , pois nem sei se é gripe, com os medicamentos receitados pelo medico, ainda não fez efeito, por isso não tenho aparecido
As minhas desculpas
Saudações amigas
Delicias! Tudo aqui contido.
Movimento vivo.
Bellissimo!
Ciao
Dançam o tango, as tuas palavras.
Vibrantes.
Ardentes.
Sensuais.
Cor, calor, movimento.
E Piazzola acompanha tudo isso na mesma intensidade!
Lindo!
Resto de boa semana...
;)
(Obrigada pela visita no meu blog.)
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