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Alguém que ama a vida e odeia as injustiças

05 dezembro, 2021



O tempo....
Tenho ouvido, nestes últimos tempos, falar muito de tempo, de bolha de tempo, do que foi e já não volta, do tempo perdido, enfim do passado.
O passado é aquele muro a que subimos, onde nos sentamos e que depois descemos ora titubeando, ora graciosamente ou ainda de supetão. Assim, não se me afigura tão memorável, saudosa ou ainda percetível tantos suspiros de memória, pois que não sendo mais do que o caminho dos nossos dias torna-se o resultado dos nossos passos. Há quem se lave de memória e na memória, quem se vista dela e há aqueloutros que se adornam da mesma. Gostos.
Não acredito em bolhas. Só as de espuma cuja duração é de átimos de segundo. Não acredito no passado revivido ou por viver. Tudo tem o seu peso e a sua conta nesta vida. O que foi, foi, o que era, era, os tempos verbais atestam o concreto.
Bolhas de tempo? Metáfora ou sinestesia? Comparação ou sensação? Na verdade …
Agostinho rijo de tempo e vida nos seus setenta anos ainda abre as portas da sua loja. Lê-se nos vidros pintados em tons de outono” Tino Gourmet”. Quem entra depara-se com prateleiras onde se alinham meticulosamente boiões vestidos de cores quentes da vida que fazem crescer a saliva. E o cheiro? Ui, o cheiro é esfomeante. De um lado, cestas de vime velho repletas de frutas e do outro um balcão de ar sério onde espreita o pão.
O “Gourmet do Tino” é moderno na sua conceção e velho nos seus sabores e odores.
Agostinho Roxo, nascido e criado na velha Lisboa dos anos vinte, viu mais mudanças na sua vida que de peúgas mudou até agora. Senão vejamos: apanhou com o rescaldo da IGM, a gripe espanhola, a IIGM, a Guerra Fria, a Guerra colonial, e outras pelo mundo fora, o explodir dos interesses do médio oriente, as guerras civis, as crises monetárias, as financeiras, as mudanças concetuais da diferença fosse de etnia, género e outras, tanta, tanta coisa, que o pobre homem muitas das vezes é a olhar para a imutabilidade dos seus frascos que consegue apanhar o fio à meada aos dias. Contudo, nunca foi homem de bolhas de tempo, rompeu-as sempre e foi à luta.
Da velha mercearia de bairro, por sinal bem situada, transformou-a numa loja gourmet de acordo com os novos preceitos de mercado. Ouviu falar na Web Summit e pôs-se a caminho, apesar do preço do bilhete não ser para gente pobre. Mas lá foi. Ouviu, ouviu, percebeu pouco de início. Uma linguagem truncada, onde os mais jovens debitavam projetos à velocidade do trânsito lisboeta em sexta-feira à tarde. O pobre Agostinho saiu tonto. Foi para casa e meditou, pesou, telefonou ao filho, à neta e ao contabilista , concluindo que tinha que mudar o rumo do negócio, senão estava acabado.
Se bem o pensou, melhor o fez. Depois meteu mãos à obra.
Fez a sua candidatura pedindo o empréstimo a fundo perdido de acordo com os novos cânones, subordinando-se ao subtítulo em questão de dinamização empresarial. Um projeto cheio de papelada, para” Endogeneizar dinâmicas de inovação proativa em articulação com o mercado, geradora de novos produtos e serviços”.
O funcionário abriu os olhos da monotonia habitual e bom do Agostinho continuou o seu discurso: pretendia
reforçar a sua responsabilidade individual de empresário enquanto agente socialmente responsável pela criação de riqueza; tornando-se um empreendedor ativo e consciente do seu papel positivo na organização, desejava, por outro lado, fazer da "empresa" um espaço permanente de procura da criatividade e do valor transacionável nos mercados internacionais consolidando uma cultura de cooperação ativa entre empresas pequena se grandes, nacionais e hipoteticamente internacionais
O discurso estava bem decorado.
Pois entre papeis, arranques, demoras, desesperos e aceitação, chegou, enfim, o dia em que o empréstimo lhe foi concedido.
Imediatamente as obras na loja começaram. Arrastaram-se mais do que o previsto, mas também é quase bíblia no cantinho em vivemos. Daí somente um pequeno desespero.
Os meses voaram. Finalmente chegou o dia em que o “Gourmet do Tino” abriu portas.
De início os clientes espreitavam receosos, não da qualidade, mas da quantidade de euros. As bolsas da nossa casa são, invariavelmente, modestas. Perante uma clientela arredia, Agostinho começou a ver os seus dias enovoados, cinzentões , a pavimentarem o caminho de mais uma malfadada crise.
Na verdade, o que lhe importava era fazer negócio, fosse ele gourmet ou prosaico. A caixa registadora não tilintava como lhe fora impingido pelas jovens mentes, nemo negócio nada tinha a ver com os gráficos projetados.
Havia um vazio entre o prometido e o vivido. Algo não batia certo. Havia que mudar o estilo, sem mudar o rumo, pois que estava financeiramente atolado.
Não dormia o bom do nosso amigo. A enrascada era demasiado grande e a idade não lhe permitia grande descanso. Conversou com a sua Rita, companheira de muitos altos e baixos nos quase cinquenta anos que levavam juntos. A perceção feminina pura e simples, nua de conceitos e calçada de experiência sugeriu-lhe que mantivesse tudo por fora igual, mas que fizesse uma espécie de promoção semanal dos legumes mais antigos e das outras coisas mais baratas que não tinham tido muita saída ao longo da semana. Assim não só escoavam os bens perecíveis , seriam um chamariz e arrecadariam algum dinheirito.
-Sabes Tino, a gente do nosso bairro, os nossos, ainda não se importam se as coisas vieram ontem da horta ou não, o que eles querem é ter comida para encher a barriga, comer muitos legumes, alguma fruta tal como nos impingem agora, comer saudável como é modo e dizem fazer bem à saúde. Tudo isso desde que não seja caro. O caro, é que é o Diabo, por isso é que desconfiam e arredam.
É verdade, Rita. Mas não posso fazê-lo assim como antigamente. Tenho que lhe dar um ar, tudo tem que ter um Ar novo. É quase lei.
-Ó Agostinho. Há tantas caixas que vêm por aí, é só começar a forrá-las de folhas dando-lhe um ar de cabazes bonitos e saudáveis, com um preço apetecível e ao fim de , digamos , seis cabazes têm direito a um miminho, uma compota, um docinho qualquer e vais ver… claro que nunca te esqueças de ser simpático, muito simpático, ser quase feliz. O cliente espera isso de nós.
-És capaz de ter alguma razão. Não há como experimentar.
Passei no sábado por aquela loja de bairro de nome sonante e não era que estava cheia. Na porta, uma mãe dava a mão à filha e na outra carregava uma bela caixa de legumes que quase parecia uma floreira.
As bolhas do tempo também se abrem …
Chaves out.2021
Maria Teresa Soares
Manuela Lopes, Orinda Caetano e 16 outras pessoas
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02 agosto, 2021

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A semente e o silencio e a soidão

 

Sofia, a semente, caiu enrolada no chão. Recolheu-se na escuridão escura e húmida da terra abrigo. Queda, respirou, aspirou e alimentou-se. Germinou. Lenta e metodicamente lançou -se em busca da luz. Quando espreitou, achou-a.

Sofia, a semente, estava no mundo, mas estava só. A solidão abraçava-a.

Sofia ganhou força, expandiu a sua vontade, tornou o caule mais ereto ainda, alargou e multiplicou as folhas e cresceu. Pã, a solidão vagueou intermitente em seu redor na exata medida dos dias do calendário a primeira vintena do novo milénio. Vagueando entre muros vazios e luzes apagadas, Pã entrelaçou-se com o silêncio, com Lala.

Sofias a semente, Lala o silêncio e Pã a solidão. Três nomes, três sentires, um hiato do mundo.

Porém a semente germinada tornou-se planta, de planta em arbusto e finalmente árvore. Floriu qual jacarandá tardio, mas floriu. Floriu a esperança e coragem de um amanhã. Sofia fez-se grande

E Sofia saltou para o tempo.

Um tempo de vazios, de contrições, de medos, de distanciamento, um tempo sem alma. O tempo que nos rodeia.

Sofia a árvore de ramos brilhantes e folhas verdes. Sofia a semente, arbusto, arvore, a esperança. A semente da esperança. A esperança que corre nas veias de outras sementes germinadas, redondas, quadradas, esguias, fortes, fracas, voláteis e duradouras. As sementes humanas que tremem, que adormecem sob  as franjas de Pã e lutam contra Lala. Lala é a bruxa que engole os sentires, Pã a força que quebra o porvir.  Três lutas. Três hiatos, três esgares.

Amanhã, talvez, as sementes do mundo voltem a viver.

Amanhã será de novo madrugada.

Chaves, 2 de agosto de 2021

Maria Teresa Soares

 

18 maio, 2021

 Admirável Mundo Velho
2021 parece desembocar na era do inverosímil. Nada que não fosse expectável, claro que o era.
O Covid -19 teve destas coisas, fez esquecer as maleitas de carácter para se focar exclusivamente nas doenças do corpo do nosso cantinho, da Europa e do Mundo., pois que, por ora ainda somos todos cidadãos desta aldeia global. Pasmamos com a pandemia no Brasil, com a virulência que explode na Índia, com as mutações sul-africanas, com a celeridade de inoculação nos States, com o controlo quase, quase, conseguido em terras de Sua Majestade, (pena que a variante indiana esteja a fazer das suas), ficamos felizes, e muito bem com as descidas do RT, com a vacinação, com o de confinamento e a aceleração da economia, e mais do que tudo isso, com a nossa intrínseca liberdade. Podermos circular, podermos ir de Aa B e de B a A, algo que embora pequenino é muito nosso e ao qual apelidamos de Ser Livre. Pois então, somos de novo livres. Com condicionantes, com cuidados, com panaceias, mas somos. Este pequeno grande item já está solucionado.
Contudo, no meio de tantos problemas de saúde publica, sociais, económico-financeiros (ainda estão para eclodir, segundo dizem os experts), que parecem grassar de forma atribulada por esta aldeia global, existe numa tal aldeia, por sinal muito bonita, geoestrategicamente situada algures num cantinho da Europa e, segundo o seu poeta maior, à beira-mar plantada, que como é pequena em território, acaba sempre por meter-se em grandes sarilhos. Servindo-me do conceito de Principles of Population de Malthus, diria que arranjamos sarilhos em proporção geométrica enquanto solucionamos problemas em proporção aritmética, o que de acordo com a teoria implica um deficit de estabilidade constante.
É, pois, esta instabilidade que grassa no nosso quadrante seja do foro judicial, seja financeiro, seja económico, seja social, cultural e até humano, que desatina, desalenta e irrita o nosso Zé Povinho tão fustigado por decisões e falcatruas cujos epílogos acabam sempre por ser redondos para quem as executou e quadradas para os outros, que as têm que pagar. Na verdade, quer-me a mim parecer que o Estado não produz riqueza que não seja a que lhe advém dos impostos ou dos subsídios sine die que a comunidade vai adiantando, ( não foi em vão que aderimos às dez regras do Consenso de Washington e tendo em conta que seremos perenemente uma economia em desenvolvimento, cá vamos usufruindo das verbas do FMI e do Banco Mundial), porque assumimos a nossa economia como de  neoliberal o Estado não é detentor de empresas de transporte, de correios, de águas, de eletricidade, e demais bens.  Assim seja se for por bem.
Todavia, o por bem desta nossa pequenina aldeia parece não funcionar. Não será culpa dos governos e respetivas ideologias políticas, as quais parecem não navegar, mas antes soçobrar no mar da tempestade do nosso cantinho. Se ainda copiássemos o da Tranquilidade lunar, talvez, embora lunáticos, avançássemos. Há uma degeneração genética de carater que dá pelo nome de corrupção. É essa corrupção que perpassa lasciva entre os cidadãos, tornando uns quantos passivos, outros indiferentes, outros encolhidos e outros ainda revoltados. A revolta nasce da injustiça, ou antes, a justiça deveria prevenir a revolta. pois ela obstrui que a falta de justiça que está na base da sociedade, seja conhecida por todos. Vejamos então, se a justiça é aquela que previne a revolta, as leis do Estado, visando a justiça, são estabelecidas pela força, será incongruente que o povo obedeça às leis e respeite os dominantes em virtude de uma imposição arbitrária da força. É nessa força que se esconde, a ignominia da impunidade que alguns cidadãos nacionais usufruem, pese sofrerem de degeneração vinculativa de carater. Não vale a pena mencionar nomes, até porque seria deselegante e, por outro lado, os mesmos estão frescos na memória de cada um de nós, não pelo bem que fizeram, mas antes pela caterva de venalidades que alegadamente cometerem
Não foi por bem, não foi bem.
A vida é feita de episódios. Muitos. Tantos, que muitos são esquecidos. Ficam na memória da gente. Os bons, vá lá saber a razão, desvanecem-se no tempo ao ritmo do apaziguamento da serotonina, os menos bons corroem dando azo a um mal-estar generalizado, o qual passa pela vulgarização da descrença seguida da maledicência irónica quiçá vingativa. Porém, se o dichote, a ironia, a sátira são elementos constituintes da verborreia lusa, já o alheamento, o descrédito, o afastamento generalizado dos das mesas de voto, da participação  em atos públicos, o ser opinativo de modo construtivo, fazer saber e mostrar de acordo com o  consignado em lei  sobre o que vi mal neste cantinho, parece não  merecer aquiescência dos Tugas que,invariavelmente, delegam nas mãos nem sempre impolutas ou hábeis dos políticos.  Depois do aligeirar das responsabilidades, culpabilizam-se os atos daqueloutros cujo mister seria gerir a coisa publica e parece que, ao invés, progadilizam em bolsos vá-se lá saber de quem. Alvitram-se hipóteses, porém, o certo é que de acordo com as sentenças judiciais, dessas hipotéticas conjeturas saem-se quase sempre impolutos como se fossem puras virgens platónicas. E o povo arrelia-se, torna-se incrédulo, encolhe os ombros e vai à sua vidinha.
Não é por mal. É por hábito.
É verdade que a democracia foi corrompida. Sabemos que quando os indivíduos deixaram de “decidir” algures entre a retoma burguesa dos séculos anteriores e o assenhoreamento da classe política no que respeita ao bem comum, ai cessou o conceito de regime politico em que todos os cidadãos elegíveis participavam de forma igual seja direta , seja indiretamente através dos seus legítimos porque eleitos representantes. Hoje a coisa não é bem assim. A distorção consolidou-se entre políticas, banqueiros, empresas e ideologias. Uma alquimia de não símbolos químicos incapazes de gerar o “ouro” do bem-estar social, originando a refração do nosso caleidoscópio racional em dúvidas, negações e equívocos. O sistema padece de doença, uma verdade anquilosante que petrifica a capacidade humana dos governantes, tornando-os, muitas das vezes, reféns de decisões, interesses, análises e inclusive, pasme-se, de boas vontades.  Governar é difícil, muito difícil, extremamente difícil, sobretudo num mundo em constante transmutação, em busca de si mesmo, esgotado em si, cujo único crédito e descrédito em simultâneo é o de ser gerido pelo ser humano. Creditamos políticas, atos, ideias, gestos e sentimentos., mas igualmente usamos o descrédito com ações, conceções, produções, rendas, consumos e acumulações de capital em atos económicos de limpeza duvidosa a tresandar a vicio. São estes óbices as forças centrifugas e centrípetas que transformam os indivíduos em meras espirais de movimento. A nossa inarrável capacidade humana de sofrimento perpetua-nos tanto na queda como na ascensão, porque somos mais do que carne e osso e menos do que pura energia. Ficamos, talvez, no meio caminho, na busca do amanhã, vivendo o presente, com a memória do passado e piscando ao futuro como quem não a quer a coisa.
Assim fomos, assim somos.
Vivem-se tempos de lavagem. Lavam-se os conceitos, o passado, a vontade, o dinheiro, o sentir. Há no ar um desejo de pulcritude antagónico aos atos, um disfarce veneziano fora de época. A história faz-se do bom e do mau, não se reinventa, não se destrói, não se manipula. É fixa no seu passado mau e bom, por isso é história. No entanto, talvez devido à letargia mecânica provocada pelo Covid-19, deu-se inicio a uma verborreia de ideias, as quais necessitando de seriação, irromperam descontroladas pelas urbes desta nossa aldeia global, crispando à sua passagem a historia do mundo que, não é senão a do Ser Humano.
Porque então pretender que este espécime de vinte e um seculos belicista, belicoso, rude, dominador, mas também criativo, conciliador, sonhador, numa palavra humano seja réu da sua própria história? A história dos pequenos e dos grandes, dos bons e dos maus é que nos permitiu estar aqui e agora sentados num mundo que queremos que seja melhor, que, no entanto, ainda continua firme nas suas incongruências e desleixos para com o próximo.           A máxima errare humanum est assenta-nos como uma belíssima luva. Assim tem sido no desenrolar dos séculos: de erro em erro construiu-se o que prosaicamente achamos bem, construímos destruindo ali, erguendo aqui, aplainando acolá, até chegarmos ao edifício final de hoje. O mundo, o admirável velho mundo , qual feixe assimétrico foi a base deste que dizemos de forma quase garota ( o mundo ainda cresce) ser um admirável Mundo Reinventado  
Se assim for, que seja por bem.
Chaves,18 maio 2021
Maria Teresa Soares.

09 março, 2021

A Todas as Mulheres
Duas mãos. Mãos em laço, mãos esguias, flutuantes, macias. Mãos.
Redondas, firmes, ásperas suaves, mãos de vida.
Tamborilantes, deslizantes, acariciadoras, persistentes, mãos de fêmea.
Discursivas, ágeis e modulares, mãos que procuram, que lutam pela verdade e pelo saber; .
E as mãos do mundo, as mãos que embalam, que acariciam, que lavam, que passam, que enxugam. Mãos vivas criam e recriam, que vivificam milagres. 
Mãos de mãe.
 Mãos belas, mãos de amor, mãos de riso, dor, mãos de mulher.
E as mãos sobem os degraus da vida, descem as encostas da dor, erguem-se no pináculo de cada dia, deitam-se em cada estrela da madrugada.
As mãos   são os mais belos instrumentos da geografia mulher. Aquele mapa intersetado não de rios, mas de afluentes de dádiva e renuncia, com colinas de amor e sonho, com bosques latejantes de força onde o solo fecundo se torna o útero do mundo. 
Mulher é mapa físico, político. Mulher é a mão de todos nós. É nas mãos, esguias, macias, fortes e redondas, discursivas, modulares, nas gretadas crivadas de ais, nas etéreas de risos, nas deslizantes de fêmea que o mundo chora, grita, gira e se ergue. 
Cada laço de mãos beija o amanhã, seja em esperança, seja em tremor, beija-o com AMOR de MULHER: 
Chaves 7 de março 2021

29 janeiro, 2021

. .Opinião Pública

Publica-se  despudoradamente um rol de cogitações criadas sob a pena dos ditos críticos de opinião, jactados como seres pensantes cujo objetivo é o  de veicular noticias informando  o homem comum, o qual  à partida será desprovido  de uma  qualquer apreciação seja científica,  jurídica, filosófica seja, inclusive ,económica.

O homem comum, o tal  cidadão que afinal até é possuidor de opinião pasma-se perante o debitar  profícuo de juízos  adornados sub-repticiamente de alarme, de especulação e de sensacionalismo. Não nos esqueçamos que o artigo é escrito por alguém  cujo mister é ganhar a vida com palavras, algo de normal numa sociedade em que se compra e vende serviços a fim de garantir a subsistência do individuo.

Mas não é a dita economia de mercado que está no meu pensamento. É sim o alarmismo fulgurante, o negativismo destrutivo e o quase derrotismo quotidiano em que vivemos.

É verdade que a situação neste janeiro de 2021 é horrível, é verdade que os números exatos, extrapolados, multiplicados e estatisticamente manipulados ou simplesmente estatísticos são a base do nosso descontentamento descontente, da nossa impotência, do nosso medo, da nossa ânsia e do nosso confinar. É verdade que como bons latinos, ainda com sangue dolente árabe  a correr-nos nas veias preterimos sempre as planificações para aquele exato momento do “desenrasca”. É verdade.

Não é a geração mais bem preparada que tem obliterado a situação, pois que compelida  na espiral horrível do caos , pese dar o que tem e quase o que não tem, também faz parte da força centrifuga dos acontecimentos sem poder esboçar ou praticar os conhecimentos científicos adquiridos ou mudar o rol dos acontecimentos como é mister da mudança.

Pasmo, pasmo, diariamente ao ouvir os noticiários, sejam televisivos ou radiofónicos ( sou muito antiga e gosto da rádio) perante a pressa quase gutural ou histriónica, as inflexões graves  cuspidas em tons graves e apressados como se a respiração já estivesse contaminada. Assim se ouvem as notícias. O alarde soa  constante, propalando-se a uma velocidade semelhante aos lançamentos  espaciais.

Embora sexagenária não vivi a última guerra mundial, a minha geração embora já antiga, ainda  está ,ligeiramente, distante dessa outra, a dos nossos pais, a qual viveu o conflito. Conta, quem o suportou, que não foi tão desgastante quanto este. É certo que o cenário era diferente, todos disso  estamos cientes. Havia o morticínio, o sangue, a morte e o cheiro dela. Não existia o lado assético que vivemos, nem muito menos a “pseudo civilidade” escrevo pseudo, pois que nos dias em que correm a elegância de saber estar já passou às calendas dando  lugar ao politicamente correto, que afinal não é, nem será jamais sinónimo, pese o esforço ortográfico de mudança. Mas enfim, dão desabafos. Era um mundo diferente que a nova geração , a do Millennium desconhece. Não era perfeito, não o era de todo. Aliás nenhum século o será, pois que é vivenciado  pelo homem  que descendendo do macaco, segundo Darwin, e não dos anjos , logo tornando  quase impossível qualquer perfeição.

 Não me afastando do tema, creio que se no seculo XX duas guerras dizimaram o mundo, houve, necessariamente, que existir um foco fortíssimo de esperança para  resistir, sobreviver  e o reconstruir. Ora, na minha fraca conceção a esperança não renasce  assim de um pé para a mão, das cinzas, qual Fénix, mas antes num mundo equilibrado de emoções e vontades fazendo o seu caminho para a frente em direção ao porvir. É essa esperança que , creio, gostaríamos todos de ouvir, não feita do nada, antes reconstruída alicerçada em pontos positivos, difundindo um pouco de confiança.  que também os há.

Não pretendo fazer análises política até porque não sou em absoluto politóloga, não tenciono, por outro lado ,fazer previsões porque também não sou astróloga, apenas e isso sei, gostaria de ver o meu próximo, aquele individuo  anónimo que tem que sair para ganhar o pão com ou sem pandemia, porque caso contrário põe em  risco “ o pão nosso de cada dia” da sua família., pouco mais seguro, ligeiramente mais confiante, de todo menos sobressaltado ( para além dos cuidados  sanitários) no dia a dia  que tem que vencer. Para todos esses um pouco menos de alarmismo e um bocadinho mais de equilíbrio seria vital.

Também para quem trabalha denodadamente e não aqueles que na sua cátedra opinam ( somos campeões  nesta matéria), para os que lutam hora a hora para salvar não só vidas, mas também situações, para todos nós que também ainda acordamos todos os dias,  uma baforada de esperança ou talvez uma chuvada de positivismo, ajudasse um pouco mais.

É que nestas coisas de notícias gosto de poder parafrasear Churchill: “Não existe opinião pública, existe opinião publicada.”

Maria Teresa Soares

27 janeiro 2021

 



. .E o poema fez-se ano. Um Ano Novo. 2021. Menos redondo mais ainda quase perfeito na sequência numérica. Mais um ano, mais um poema.
É verdade que foi gerado contra a carne na latência do tempo. Contra a carne temerosa dos dias, do medo. Gerou-se na esquina do desejo do amanhã, gerou-se nas entranhas dos corpos e no interstícios límpidos da alma ,gerou-se nas vontades, nos desejos, nos almejos e no rolar de um ano putrefacto de suspiros , ais e temores.
Foi parido naquele átimo de segundo entre o último badalar de 31 e o estrebuchar de 1. O vagido soou temporal, concreto e carnal. A carne e o tempo do mundo que o poema fez surgir.
2021 é o novo poema. Um poema aberto sem rima. Para quê rimar quando o mundo se cruza e interpola em vagas de doença, em balões de oxigénio, em rostos de fome seja de alimento, seja de esperança. Deixá-lo aberto, livre e sonhador. Deixá-lo sorrir na madrugada desta amanhã que ainda se entreabre.
Há no vagido deste ano- poema o vento alísio que retempera a carne sob a folhagem fresca das palavras e dos atos. Há no poema de cada ano a esperança de cada dia, há neste ano-poema a força , o desejo e o alento da Humanidade.
Assim seja!
Chaves 3 de janeiro 2021

09 julho, 2020


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2020 nasceu doente. Uma daquelas doenças em que os sintomas não são percetíveis de início, mas, passados poucos dias ou meses, eclodem virulentamente. Os sintomas da doença de 2020 já cá estavam. Não eram assintomáticos, não eram irrelevantes, não eram impercetíveis. nada disso. Estalavam todos os dias de uma forma ou outra. Claro que não eram eruptivas nem muito menos pandémicas. Mas estavam por todo o lado, nesta globalidade que tanto dizemos ser de nosso orgulho. Foi, pois, neste estado de catalepsia global que a pandemia se instalou.
Numa era de globalização em que estar vivo já é por si uma tarefa arriscada, e sendo o risco um requisito da excitação e da aventura que está, intrinsecamente, associada à modernidade. O risco pasme-se, é uma fonte de energia criadora de riqueza numa economia moderna, uma vez que é a dinâmica estimuladora de uma sociedade empenhada em determinar o seu próprio futuro. É num processo contínuo de ganhos e perdas que nos deslocamos em direção ao dia seguinte, ao mês, ao ano, quiçá ao porvir. Nesta plêiade de lances, deparamo-nos com dois tipos de risco, o que vem de fora, o exterior e enquadra as imposições da natureza ou da tradição e o outro, o interior, que não  é senão o resultado do choque que o nosso desenvolvimento tecnológico impõe ao meio ambiente. Foi este impacto da ciência da tecnologia, a par de um pensamento assaz racionalista que objetivamente nos permitiu viver um período histórico de transição, extensível a todo o globo. Chamamos-lhe globalização.
Uma era de mudanças sejam na economia, no clima, na ciência, na família, nas relações humanas que fizeram ruir o munda anterior tradicional e preconcebido originando diferentes formas de fundamentalismo, que necessariamente não se situam somente nos conceitos religiosos, políticos mas igualmente rácico, sociais, ideológicos esquecendo um vetor importantíssimo: afinal somos todos Seres Humanos pese as diferenças de credo, cor, género, ideias e crenças.
Fala-se e extrapola-se sobre a tolerância, um vocábulo usado em excesso, sem que a aceção do seu sentido, seja ,na maioria das vezes ,verdadeiro. Ser tolerante não é apenas aceitar o que socialmente se decretou por estar em voga aliado ao pretexto de estar correto, sem que algumas vezes o não seja. A tolerância é um ato de dádiva mais do que um ato de aceitação ou de exibicionismo. Pergunta-se onde está a tolerância económica no que respeita os benefícios do chamado estado keynesiano do bem-estar social? Onde reside a tolerância nos interesses financeiros dos mercados nesta nova economia eletrónica global em que os gestores de fundos, os bancos, os investidores e as grandes empresas transferem avultadas somas de capitais sob um clique de um dedo, destabilizando do outro lado do mundo economias sólidas, acarretando crises que as populações vivenciam em estados intermédios e finais de pobreza conducentes a  situações extremas de privação.
A privação de movimento, de afetos, de sermos os que éramos apresenta-se no nosso quotidiano como algo que nos foi decepado. Dizem, quem sofreu de amputação, que o membro é sentido por algum tempo, embora não esteja lá. Não sentimos o que não temos porque é algo exterior a nós, todavia as memórias esvoaçam pelo campo das nossas vidas, e ,é ainda a elas que nos apegamos com a ideia de um futuro não muito distante e semelhante a um passado próximo.
Somos cientes de todos os erros, estamos dispostos a mudar. É verdade. É humano. No entanto o caminho que recomeçamos rapidamente nos enfada e, indiferentemente recaímos no erro. É de a natureza humana errar. Sempre foi, sempre será. E assim fizemos da privação um país no qual entramos todos os dias não por uma porta, mas por uma condição. A condição de sobrevivência sanitária. Todos os dias quase desde os primeiros meses deste ano nascido doente.
2020 nasceu doente. Um vírus, uma pandemia. Um planeta em dois movimentos um centrifugo e outro centrípeto. A natureza gira centripetamente em direção à sua criação, porém a humanidade gira centrifugamente. Este afastar do centro, este rolar infindo tem  as suas causas na doença que o mundo gerou. Mais do que a pandemia que grassa nos nossos corpos, há uma outra pandemia profunda, irracional e desumana que globalmente assolou o mundo. Chama-se egoísmo.
Este senhor é um caleidoscópio de aberrações nos seus  múltiplos vidros de ganância, cupidez, mentira, traição e tantos outros. Neste caleidoscópio gira a pobreza e a riqueza do mundo, exatamente, do mesmo modo em o Covid- 19 dança nas vias respiratórias das suas vítimas. Há que aplicar os ventiladores a par de outros cuidados médicos a fim de salvar  vidas e para a outra pandemia, que ventiladores, distanciamentos, medicamentos, o Ser Humano  aplicou ou irá aplicar?
2020 nasceu doente e nos ficamos doentes. A osmose entre a natureza e o homem é um anel. Um casamento que o mundo abençoou. Quando  a natureza adoeceu porque o Homem decidiu que era hora de se divorciar, aparentemente, nada de relevante se fez sentir. Contudo, a natureza demorou, mas acordou e vingou-se, privando o Ser Humano de  um dos seus maiores e melhores bens: a liberdade de ser e estar.
A liberdade humana é a nossa forma de comunicação. Não percamos mais este dom!
Maria Teresa Soares
8-7-2020