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Alguém que ama a vida e odeia as injustiças

19 junho, 2013

. .Dentro de dias  farias anos, mais um,  e uma vez mais os versos de João de Deus soltar-se-íam   :" com que então caíu na asneira..../Não sei quem foi que me disse que fez a mesma tolice aqui no ano passado,.../ Não faça tal, porque os anos /que nos trazem? Desenganos/ Que fazem a gente velho...Paravas por aqui e assim o faço também , mas acrescento apenas um poema, de alguém maior, de alguém que também muito amo. Aqui vai com um eterno e doce beijo.

O Pai 
 Terra de semente inculta e bravia,
terra onde não há esteiros ou caminhos,
sob o sol minha vida se alonga e estremece.

Pai, nada podem teus olhos doces,
como nada puderam as estrelas
que me abrasam os olhos e as faces.

Escureceu-me a vista o mal de amor
e na doce fonte do meu sonho
outra fonte tremida se reflecte.

Depois... Pergunta a Deus porque me deram
o que me deram e porque depois
conheci a solidão do céu e da terra.

Olha, minha juventude foi um puro
botão que ficou por rebentar e perde
a sua doçura de seiva e de sangue.

O sol que cai e cai eternamente
cansou-se de a beijar... E o outono.
Pai, nada podem teus olhos doces.

Escutarei de noite as tuas palavras:
... menino, meu menino...

E na noite imensa
com as feridas de ambos seguirei.

Pablo Neruda, in "Crepusculário"
Tradução de Rui Lage

09 junho, 2013

Mãos


Mãos,

Redondas, cheias, quentes,

Mãos de amor,

Esguias, elásticas, subtis de encanto,

Mãos de Sentir,

Mãos eternas, sofridas, de amparo, esquecidas

Mãos de Vida

Mãos duras, sujas, gretadas, inchadas

Dão-nos o Pão-nosso de cada dia,

Mãos cúpidas, vorazes, rapaces

As que vendem a Alma!

Mãos que dão, beijam e alagam.

E concebem o Sonho,

Mãos angulosas, retortas, trémulas

Estrada de Idades!

Mãos frementes, prenhes, doces

Sorrisos de Mãe,

Mãos rápidas, precisas, quentes

Gestos brancos.

Mãos desgarradas, feridas, retorcidas

Salivas de ódio

Mãos, nuas, exangues, cruzadas,

Ámen

Mãos, mãos estultas, doces, vibrantes,

Mãos que dão, que tiram, que recebem, que roubam

Amor, ódio, vida, morte

Mãos vividas, por viver, por abrir, por ler.

São mãos tuas, são mãos minhas,

Os gestos de Nós.
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27 maio, 2013

22 maio, 2013

Sentires

Sentires

Rio, rio e rio porque choro,

Choro, choro e choro porque vivo

Em sentir de ti.

Rói-se o corpo nu

Rebobina-se o coração em latejar de alma despida,

E busca-se o sentido na vida,

Do tempo nosso passado- futuro,

 Em presente reinventado,

Cadeado de amanhãs por nascer.

Crime de alma em arco-íris de pensamento,

De ferruginosas chaves travado.

Mão estendida em rito excitado de vida,

O olhar escancarado em fome

De Ser.

-Ah, quisera sentir!

-Ah quisera que os meus dedos enrolassem 

Teus desejos perdidos,

E que meu sentir fosse cesto de bagos líquidos

Na caverna do teu Ter.

Ah como choro rindo num sentir não perdido.

De mim sem ti!
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10 maio, 2013

"Minha solidão não tem nada a ver com a presença ou ausência de pessoas… Detesto quem me rouba a solidão, sem em troca me oferecer verdadeiramente companhia…"

Friedrich Nietzsche

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01 maio, 2013


O cavalo

Teus poros exalam o fumo
Do lar dos deuses de onde vieste.
Rompante de espuma e de lume
És sol quadrúpede ou mar equestre?



Desfilando derramas o ouro
Do teu rio inacabável,
Desmedido relâmpago louro
De um deus equídeo possante e frágil.

Tudo existiu para que fosses
No contraluz desta madrugada
Mitológica proporção perfeita
Em purpúrea bruma recortada.

Pois que te é divino mister
Humanos olhos extasiar
A dúvida é só perceber
Se vieste do sol ou do mar.



Natália Correia
Poesia Completa
Inéditos 1985/90
Publicações Dom Quixote
1999
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