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08 dezembro, 2019

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O quebra-nozes

Na dança feérica do Natal, o quebra-nozes saltita de noz em noz. Entala, quebra, esmaga. Crac-crac-crac. As nozes rolam nas suas conchas de madeira e o quebra-noz dança elegante na sua posição de bailarino natalício.
Tal como no conto e no ballet o nosso quebra-noz também se transforma. Não é soldado impoluto no seu uniforme, nem bailarino de um qualquer palco, o nosso quebra-noz é gente, é homem. Homem quebra-noz, assim se chamou.
E assim, era uma vez…
Leonardo de cabelo cinzento e barba mais branca do que tinta, pernas ainda ágeis e olhar miúdo quebra os passos nos degraus da ladeira. O crac-crac dos seus passos dilui-se no ar porque o vento passa correndo na ladeira de degraus gastos. Leonardo ajeita a gola do casaco e de rosto fechado continua imperturbável o crac dos seus passos. Esmaga, não as nozes, mas os pensamentos. Aperta-os, crac, esmaga-os, crac, quebra-os, crac. Assim quase entontecido, pisa o último degrau. Está quase. Atira a cabeça para trás   bebendo a neblina da noite. Saciou o calor da boca. Arrefeceu um pouco.
Com a força das tenazes toca a campainha, estridente, dolente, leve. Espera. O ouvido apura-se ao tac-tac de saltos que deslizam breve no mosaico interior. Um rosto leve que  espreita e olha deixando-o entrar. Balbucia algo que a mulher percebe.
Deixa-o ali e de novo o tac-tac dos saltos que se afastam…
Espera de olhos semicerrados. Luta com os demónios imaginários. Vê-se no rosto, na tez, na pele retesada da fronte e do pescoço. As veias grossas espiam. As tenazes da vontade apertam-no. Leva a mão ao cabelo num gesto maquinal de despenteio ou de libertação?
Leonardo quebra-nozes espera. Espera por algo que perdeu ou quebrou. Não se lembra bem. Não se lembra como foi. Não se lembra onde a sua noz de vida ficou vazia. Sabe que ele como quebra-noz a partiu, sabe-o.
Volta a repuxar o pensamento, volta a apertar os olhos, volta que não volta. Deita a mão à porta. Tem medo. Medo e raiva. Não sabe como nem porquê.
A raiva, a ira, perdem-no. Arrepende-se., mas o orgulho é uma das suas tenazes, a outra, a outra tenaz   é a loucura. Um a loucura de sabores doces e acres vestida de arlequim humano. Leonardo pára. Não vai fugir. Não vai desistir. Não vai, desta vez, não.
-Filho…
A voz. Fica tenso. As memórias rebentam. Luta, consigo, com o tempo, com a raiva, com as palavras, com o medo e as lágrimas. Tudo em segundos. Tudo no tempo em que a noz da sua vida rebola por entre os braços de um pai.
E  foi  assim  que Leonardo quebra-dançou  a este pas-de-deux de amor.!