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15 outubro, 2017

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O Fio dos Dias






Tomás, homem dos dias, balança-se na cadeira do café do bairro. É ali que mata o tempo. É ali que joga ás cartas com os parceiros dos anos. Tomás não é velho, mas é idoso.
Hoje senta-se mais curvado do que nos outros dias. Não que os ossos tenham chiado mais ou que a cadeira esteja mal assente. Hoje é um dia, mais um do que ontem, é certo, e, menos outro do que o de amanhã, em que está, sem estar ,estando em si, todavia com vontade de sair.É daqueles dias em que está irritado, não é bem isso, é algo que vem das entranhas até à cabeça e da cabeça ao corpo. Não sabe definir. Nunca soube. Tem dias assim. Poucos, é verdade, mas tem. E, hoje é um deles. Há impaciência até nos pés titubeantes que descansam no chão de mosaico. Está inquieto desde que se levantou bem cedo. Os gestos denunciam-no. Quando pegou na caneca de leite, entornou-a, quando pôs a manteiga no papo seco, esta saiu dos bordos do pão. A sua Agostinha olhou-o, com aquele olhar dos anos, meneando a cabeça. Calou-se. Só olhou. Nesta altura da vida as palavras não existem porque se gastaram, somente o olhar fala. Saiu para a rua resmungando entredentes contra tudo. Aliviou-se. Mas não descansou.
Caminhou lento até ao café. Vazio. Preguiçosos, os amigos. O Júlio, o dono, olhou-o por entre as pálpebras semicerradas deu-lhe os bons dias. Mais nada. Adivinhou trovoada. Conhecia-o. Tomás sentou-se na cadeira que hoje não estava direita tal como o seu espirito e pegou no jornal que por ali descansava. Folheou-o mais por hábito do que por curiosidade. As noticias eram iguais todos os dias. A prosa repetia-se mo vai e vem dos verbos e adjetivos. Os substantivos eram comuns. Tudo era rotina. Igual. Como os dias.
Tomás pigarreou não para aliviar a garganta, mas antes o espirito. Para se sentir vivo. E os amigos que não chegavam. Queria implicar. Tinha vontade disso. Queria ser ouvido. A idade dera-lhe este atributo. Ter a sua opinião, muita opinião. Passara a vida a cumprir. As regras. As horas, Os dias. O tempo. Tudo organizado no fio da ordem. Agora não tinha fio, não tinha dias, nem horas, nem tempo. Eram dias vazios, quase vazios. Eram cheios pelas palavras do café, pelo silêncio de Agostinha, pelo sono do sofá e o matraquear da televisão. A rotina dos velhos.
Precisava de falar, de se fazer ouvir e ser ouvido. Precisava de que alguém o contradissesse para se sentir vivo. A sua inquietação era afina,l sentir. Sentir. O tempo também lhe estava a levar o sentir. Aquela necessidade de vida, que via fugir. A premissa de pensar, falar, rir e chorar que o tempo lhe estava a roubar. Tomás sabia-o lá bem no fundo, por isso estava irritadiço. Queria rebentar, mas não tinha razão para isso. Ser velho, é isso mesmo querer viver,ainda e sempre.
Tomás suspirou. Estava a rezingar consigo. A sua raiava diluía-se à medida que o entendimento o percorria.
Olhou por entre o vidro da porta e viu João, o velho amigo, virar a esquina.

 O tempo estava a chegar. 
MT Soares




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