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30 julho, 2009

LIszt

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"Fragmentosdanoitecomflores. " escolheu este trecho para acompanhar as suas respostas a um meme. Porque o acho lindissímo aqui o deixo.A beleza e a serenidade vestem o tempo.
Até Breve.
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28 julho, 2009

O MAR




Mar, metade da minha alma é feita de maresia
Pois é pela mesma inquietação e nostalgia,
Que há no vasto clamor da maré cheia,
Que nunca nenhum bem me satisfez.
E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia
Mais fortes se levantam outra vez,
Que após cada queda caminho para a vida,
Por uma nova ilusão entontecida.

E se vou dizendo aos astros o meu mal
É porque também tu revoltado e teatral
Fazes soar a tua dor pelas alturas.
E se antes de tudo odeio e fujo
O que é impuro, profano e sujo,
É só porque as tuas ondas são puras.

Sophia de Mello Breyner Andresen


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27 julho, 2009

Mercier (Merce) Philip Cunningham (16 de Abril, 1919 – 26 Julho, 2009) um dos mais influentes coreógrafos do século XX e símbolo da avant-garde americana durante mais de 50 anos. Merce Cunningham foi também considerado um dos maiores bailarinos americanos.




16 julho, 2009

O Relógio



O Relógio

Redondo de ponteiros lisos, simples. Os traços das horas sobressaem metálicos. A caixa é de prata trabalhada em baixo relevo. Um homem lança as sementes à terra. Em redor uma árvore dobra-se pejada de frutos cuja sombra é trabalhada por riscos mais escuros na prata. A corrente de aros bem encadeados e pesados oscila entre a mão e o bolso.

Na cozinha escura, avô e neta sopesam o compasso do tempo.

Três horas da tarde.

Ela no seu bibe azul e tranças negras, olhar imenso de veludo escuro e luz de porvir, ele já de barbas brancas, figura quase redonda se bem que ainda ligeira, colete bem-posto, camisa alva e laço negro. Aquele seu jeito de artista, mais a palhinha que o acompanha por todo o lado. O chapéu de palha, a palhinha, assim carinhosamente chamado e aconchegado.

Teresinha num jeitinho de menina ainda pequenina, toca suavemente com as pontas dos dedos na tampa. O frio do metal espanta-a. O relógio do avô. A magia que sempre sonhou. Ali sob a ponta dos seus dedinhos. Uma trança descai-lhe, para o peitilho do bibe azul. Um laçarote branco segura-lhe as pontas. Atira-a para trás zangada. A trança fê-la empurrar a tampa e fechar o relógio. O tic-tac é agora mais longe, a magia fugiu.

O avô Manuel sorri e puxa a corrente. Coloca o relógio no bolso. Levanta-se do cadeirão que chia nas molas cansadas. Teresinha olha-o nas suas calças e colete, na camisa branca e no laço, no Palhinhas queimado do sol com a sua fita de seda azul já ruça, na barba e no bigode cor de neve em triângulo que ele tanto gosta de dedilhar enquanto olha, pensa ou simplesmente fala, Teresinha sente a figura do avô encher-lhe a imaginação. O avô Manuel, o avô pintor, cantor, o avô das histórias, o avô.

A pequenita suspira. O momento do encanto acabou, e tudo por causa da trança. Ah, se pudesse, cortava-as. Gostava de ter a cabeça livre, de puder mexê-la sem peso. Mas a mãe, sempre com as tranças, os laços, os bibes, as gomas, a ordem.

Olha o avô Manuel, entre um sorriso e uma bolha de lágrima.

Displicente, ele, amacia-lhe o rostinho num gesto meigo. E entre dentes murmura:

-“ Logo conto-te uma história, agora vai. Vai ter com as tuas irmãs.”

Cruza os bracitos sobre o bibe azul e olha o avô com aqueles olhos de veludos escuro. Tão macios e pensativos. Murmura:

-Logo? Oh avô, só logo? Porque não conta agora, que estou aqui?

-Vai, vai...

Ela baixa os olhos para o redondo dos sapatos azuis, deita um suspiro, deixa pender os braços em baloiço e move-se contrafeita para a porta. Dali para o quintal. Dali para a criançada. Os risos e as correrias apanham-na. Lá vai ela de bibe azul e tranças ao vento. As horas são outras.

As ameixas já espirram. O sol ilumina a idade. São cinco da tarde.

……..

Um arrepio fê-la estremecer. Aperta o casaco de malha fluida, ajeita o caracol revolto e olha o céu negro. A borrasca vem aí. Poisa a caneta. Hoje a alma não escreve. As palavras baralham-se entre si, pesadas de sentido. Hoje nada flui. As horas do tempo. Olha o relógio deitado na mesa. A tampa deixa ver uns ponteiros metálicos tal como outrora. Seis horas. O sol a cobrir a idade.

Já vão quarenta e muitos anos, desde daquela tarde em que o avô lhe abrira a tampa do relógio. O tempo soltara-se e vestira-a. A magia da caixinha tinha-a sempre envolvido no seu caminhar por entre os anos. Abre a porta de vidro. A seus pés, o campo lamuria-se. Imperceptivelmente treme, e aperta mais ainda, o casaco. Olha em frente de olhos bem abertos. O veludo está lá, mais escondido, mas ainda tecido. Desce o degrau. Sente a erva fria mordendo o peito do pé.

Divaga por entre os torrões secos da terra, bordejados aqui e ali de pedras que lhe vão moendo os passos. O carreiro estende-se num tropeço de vento de vontade. Subindo, subindo, monte acima, Teresa deixa que os pensamentos se divertem no azul quase escuro, que vem tapar o dia. Há naquele capote da noite, uma tal sensação de celsitude que a alaga.

Mangas de monja, quando cruzadas transpiram o sossego.

A saia de folhos dança em voo lateral, ao correr do vento, que assobia a melodia do Outono. Teresa torna a apertar o casaco de lã como se simplesmente aconchegasse a si as horas da vida. O trejeito maquinal de conforto, coberto da memória dos anos. Apertar o casaco contra si, cruzar dos braços sobre o peito, gestos de um corpo sozinho.

A solidão e as horas.

Foi sempre assim. O tempo liquefez-se entre os dedos, as mãos, os braços, o corpo e o pensamento. Foi o tempo que a fez crescer mulher, foi o tempo que lhe deu e roubou os afectos, foi ainda o tempo que acerejou as suas palavras. A sua safra de amor.

No corredor frio da velha casa as portadas fecharam-se ao dia. O casarão retomou a sua letargia. Sentada na velha saleta, onde o puído dos cadeirões abraça a poalha do tempo, Teresa inspira o olhar no rectângulo da janela que espreita o rio. Quase aos pés da casa, daquele lado, o Douro estende as águas após um andarilhar por entre as retortas dos montes. A noite também lhe traz o descanso. Naquele sincopar de águas lentas e escuras ,o espírito do campo desce às entranhas húmido de líquido. E o vento assobia a canção das horas. Nove horas.

Na escrivaninha os papéis espargem as palavras riscadas. A toada do pensamento quebra-se entre imagens. Dói por demais. Difusas as horas do tempo encorparam as personagens do seu mundo. Gente que foi, que está, e que vai. A corda redonda da vida. Os seus personagens meros retratos. Por mais que se esforce a vida não entra nas palavras, a expressão é sempre despojada de luz. Apenas quando a alma dói as palavras traduzem melhor, porém quando ri, o fluir do brilho deslava-se nas sílabas. Lenta e sedento teclado desenha a história, uma história como outras, no entanto esta história tem tempo.

O tempo roubado. Dez horas

O tempo da memória. Meia-noite.

………………………..

Naquela tarde de Novembro a chuva lavava o asfalto em bátegas fortes, dentro da livraria o calor amarelo das luzes aquecia o ambiente. Na mesa redonda um casal. Uma mulher jovem de boca em riso e olhar fulgente. Ele maduro, clássico, com um ar tremendamente blasé. Um olhar ausente e presente. Não está ali, estando. Como se o momento já tivesse existido. Manuseiam dois livros. Iguais. As capas são os espelhos. Há curiosidade, voracidade e displicência. A leitura é rápida. Um livro dela. Um pedaço de tempo. Do tempo deles, também.

Em cima da mesa redonda, as chávenas de café, mortas de líquido jazem desalinhadas nos pires que as servem, vazias de horas, todavia mesmo por debaixo do tampo , naquele redondo côncavo, umas pernas esguias traçam-se e destraçam-se. O sapato de salto afilado descai. Na ponta, o pé dança o ritmo da leitura. Lenta e suavemente. Pára. A perna destraça-se de novo. Olha o relógio. Três da tarde.

Tempo de acontecer..








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O tempo é mais de lazer do que de criar. Uma pausa. Através da música recordemos velhas glórias da sétima arte.Boa noite e divirtam-se, sonhando noite dentro...


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08 julho, 2009



Auto-retrato

Espáduas brancas palpitantes:
asas no exílio dum corpo.
Os braços calhas cintilantes
para o comboio da alma.
E os olhos emigrantes
no navio da pálpebra
encalhado em renúncia ou cobardia.
Por vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Molusco. Esponja
embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
presa na teia dos seus ardis.
E aos pés um coração de louça
quebrado em jogos infantis.

Natália Correia


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01 julho, 2009

Carlota




Carlota

O dia tinha fechado a janela. Na cozinha o tacho fervilhava sobre o lume espevitado. A tampa dançava sob a quentura da água vestida de arroz, espirrando espuma branca. O vapor de água pintava de gotículas o vidro da janela. No intervalo da cortina, Carlota via o azul meio escuro borrar a tela por de cima. Pegou na colher de pau, levantou a tampa e mexeu a água, sentiu os bagos inchados e moles. Estavam já cozidos. Colocou a tampa de esguelha para que o líquido não subisse mais, baixou o lume, e abriu a porta da cozinha para o jardim.

Sentou-se no banquinho de madeira esbatido de verniz e de tom. Olhou em redor aspirando o aroma das rosas que se abriam. Era o seu tempo preferido. Aquele interlúdio do dia quando as cores se adensam e os sons se esbatem. Podia ouvir-se, ouvindo tudo em redor. Mentalmente fazia o epitáfio das horas.

Um rodar de pneus mais uma buzinadela, um abrir de portão, eis que, a vida a clamava de volta. Carlota olhou, esboçou aquele seu sorriso meigo, levantou-se, e calmamente dirigiu-se para a cozinha. Estava na hora de retomar outras lides. Era tempo de família.

Todos os dias a cena repetia-se. O marido e os filhos chegavam a casa depois dela. Ele apanhava-os. Ela já chegara, e tinha o jantar quase pronto. Breve segmento do dia em que o barulho sobrepunha o conteúdo. Os garotos corriam direitos para os seus interesses: Pedro para a saleta onde rápido ligava a televisão, Inês direita que nem uma flecha para o quarto, vá lá saber fazer o quê. Claro que sabia, mas preferia fazer que não.

Francisco, o marido entrava na cozinha, dizia aquele olá franco, colocava o braço sobre o ombro, dava-lhe aquele beijo trivial e dizia: “-Novidades? O dia como foi?”

Invariavelmente a resposta ouvia-se: “-”Foi. Estou cansada. Tudo igual, sempre.

Ele retorquia: “-Ainda falta tanto para as férias”. Depois seguia-se: “- O que é o jantar?”

Dada a resposta girava sobre si acrescentando: “-Vou ver os miúdos. E dar-lhe uma mãozinha nos trabalhos.”

Pronto. Estava de novo sozinha. Andava rápida no seu vai e vem. Tacho aqui, panela ali, escorre daqui, mexe acolá. E o cheiro borbulhava pelas paredes da cozinha amornando o ambiente. Carlota continuou mexendo, remexendo, verificando até que os tachos descansaram, o lume dormitou e o avental voou para trás a porta.

Era a hora de jantar.

Chamou pelos filhos. Respondeu o marido.

Em tropel naquele empurra que empurra, “está quieto”, “ó mãe é sempre assim”,” estou farta deste miúdo”, “calados meninos,” a mesa sentou-se de rostos. O silêncio caiu mal as bocas se entreabriram. Os dentes eclodiram ao compasso do movimento E na toalha verde de raminhos vermelhos e amarelos, os pratos mais os talheres dançaram o jantar.

Carlota suspirou.

Mais um dia. A rotina inundou-a.

Fechou o rosto. Suspirou-lhe a alma.

Subiu as escadas, entrou no quarto. Olhou para a cama mexida de lençóis enrolados. Francisco dormia, melhor ressonava naquele andamento de fanfarra entupida. Olhou-o, antes de se olhar. Não sorriu. Olhou somente.

Depois entrou na casa de banho, despiu-se, meteu-se na banheira e distendeu-se. Avaliou-se aí. Também não sorriu.

Limpa de cansaço e fresca de amanhã entrou na cama. Não se encostou. Espraiou-se, esticou as pernas bem até ao fundo, cruzou os braços no ventre liso, fechou os olhos e deixou-se tomar pela sonolência.

Amava de sobremaneira esta neblina que a envolvia. Era por essa altura que os sonhos se dilatavam de tal forma que quase se tornavam reais. O seu tempo de ócio, vazio de solicitações e cheio de languidez de fêmea. Naquele meio-tom, o sonho cavalgou-a de tal forma que deu por si enroscada na perna musculada de alguém cujo bafo a acalentava em sincopadas estrofes de amor. Deixou-se cavalgar, deixou-se voar. Rodou-se-lhe a cabeça, mais o corpo e o pensamento. Uma roda sem vintém de sentido batendo os acordes dos segundos. Ouvia ao longe um badalar, qual som brônzeo de uma moral que teimava em querer despertá-la. Grávida de sensações deixou-se tomar cada vez mais e mais. Um fio, pérola aguada de sal molhou-lhe o rosto, pingou no seio esquerdo escorrendo lenta para o ventre, e daí para a foz do corpo.

Carlota sorria. Sorriso saciado.

No lado da cama a fanfarra entupiu. Parou. Rumorejou, voltou-se. Abriu os olhos.

Esticou o braço. Ali, mesmo ao jeito da mão palpitou uma coxa morna e túrgida.

Acordou de vez.

Enovelou-se devagarinho, assim a modo de pedido e premência. Em feição de quem tem sem ter, mas tem na certeza, a vitória do ter.

Carlota moveu o pescoço. Carlota não quis acordar.

A perna teimosa sussurrava, roçava, premia. A perna encalhou. Carlota acordou.

Estremunhada.

Voltou-se na almofada que não no corpo. A premência mais o sonho sacudiam-lhe o torpor Encostou-se e bebeu o calor morno, mais o gesto, mais a vontade, mais o gosto.

Acabou.

Está desperta. Acordada. Sem sonho.

Volta-se e mentalmente pensa no dia seguinte.

Cerra as pálpebras, estende a mão por cima do corpo, ensaia uma carícia breve no dorso de Francisco. Recolhe-se

O sentir sentou-se no vão da madrugada da ilusão. Treme, não sabe se de solidão, se de tempo. Treme na madrugada do dia que veio depois.




Memory - Pan Flute



Vale a pena escutar, se vale. Um espanto!

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