PAI
Lembro-me de me dares a mão, eu pequenina na tua mão grande. Lembro-me da tua figura esguia e elegante que me passeava no parque. Lembro-me de ti vergado ao peso do teu disparate. Corriam-te as lágrimas. Lembro-me de não perceber o porquê das coisas, do momento. Lembro-me de ti sentado no sofá vermelho ouvindo a tua música. Lembro-me de ti gesticulando na onda da discussão. Vermelho, febril, peremptório. Lembro-me de ti em flashes A tua vida, a nossa vida.
Pai,
Escrevo-te porque não posso dizer-te, suspiro as palavras porque já não as posso dirigir. Neste vai e vem de sílabas não ditas, arrecadadas, sentidas, fica o tempo. Esse tempo que me cobriu de saudade e de dor fina. Aquele esguicho que corrói de mansinho, mareja os olhos e purga a alma. Aquele retrato que perpassa na moldura dos dias, cujas portadas batem sincopadas nas paredes dos sentidos. Não, não é a imagem, a sépia, que se depara ante os meus olhos, é o teu rosto móvel, sentido, a alma de ti que eu amei e recordo. Essa força, qual mola vinda das entranhas, que te fazia ora conversador apaixonado ora ensimesmado e dorido, a gema áspera da vida que te feriu e te moldou assim mesmo. No encanto de um momento, ou no espasmo gutural de um sentir. Não foste sépia, para ti escolho as cores vivas de um Matisse e as pinceladas febris de um Van Gogh, visto-te de Renoir e oiço-te em dias felizes na paleta de um Turner e nos outros sombrios e duros de Lautrec.
Pai.
Um ano, um tempo, um sentir, uma mágoa.
Na gaiola aberta do tempo roçam os sentires que tantas vezes ficaram por mostrar. Treme o corpo, humedece o rosto, e dentro, bem dentro, junto à alma fica a dor, aquela dor triste por se ter perdido o tempo de mostrar o sentir. Porque partiste, e porque o pudor dos afectos se esvaiu, agora, consigo dizer-te as palavras que não ousei e calei.
Amo-te, Pai.
Um ano, um tempo.
Pai,
Escrevo-te porque não posso dizer-te, suspiro as palavras porque já não as posso dirigir. Neste vai e vem de sílabas não ditas, arrecadadas, sentidas, fica o tempo. Esse tempo que me cobriu de saudade e de dor fina. Aquele esguicho que corrói de mansinho, mareja os olhos e purga a alma. Aquele retrato que perpassa na moldura dos dias, cujas portadas batem sincopadas nas paredes dos sentidos. Não, não é a imagem, a sépia, que se depara ante os meus olhos, é o teu rosto móvel, sentido, a alma de ti que eu amei e recordo. Essa força, qual mola vinda das entranhas, que te fazia ora conversador apaixonado ora ensimesmado e dorido, a gema áspera da vida que te feriu e te moldou assim mesmo. No encanto de um momento, ou no espasmo gutural de um sentir. Não foste sépia, para ti escolho as cores vivas de um Matisse e as pinceladas febris de um Van Gogh, visto-te de Renoir e oiço-te em dias felizes na paleta de um Turner e nos outros sombrios e duros de Lautrec.
Pai.
Um ano, um tempo, um sentir, uma mágoa.
Na gaiola aberta do tempo roçam os sentires que tantas vezes ficaram por mostrar. Treme o corpo, humedece o rosto, e dentro, bem dentro, junto à alma fica a dor, aquela dor triste por se ter perdido o tempo de mostrar o sentir. Porque partiste, e porque o pudor dos afectos se esvaiu, agora, consigo dizer-te as palavras que não ousei e calei.
Amo-te, Pai.
Um ano, um tempo.
Partiste Pai.
Disseste um dia, ao ler as minhas palavras, que quando se escrevem têm que ser sentidas. Pai. Sinto. Sinto a tua falta. Escrevo-as e recordo-te. Assim, simplesmente nos dias bons, e nos menos bons. Como todos nós. Não foste Deus nem Diabo. Foste Humano. Foste Homem. Foste o meu Pai.
Não sei onde estás.
Acredito, porque me ensinaste a Acreditar.
Acredito porque existo, porque sou pedaço de carne e alma vinda de ti, porque sou repositório de sonhos e esperanças falhadas ou concretizadas. Porque sou um dos teus ramos. Talvez o mais descarnado. Aquele que se vergou mais ao tempo e à vida. O ramo primeiro. Aquele ramo, a quem tu ensinaste a olhar para além da forma. Usavas palavras simples mas que temperavam a minha imaginação. Não, não eram o sal do mundo. Não, eram palavras para uma criança, para mim. Memória macia da minha infância. Segredos passados no côncavo de uma mão pequenina dentro de outra mão. A tua, Pai.
Não sei precisar no verbo o tom rebuscado do sentir, porque sou tão simplesmente filha. Não sei, apenas ouso relembrar-te tal como te sinto, Pai. Não burilo na dor contornos vivos, não sei amar assim. Não possuo o arroubo da paixão nem o descrédito do desamor. Só sei que me faltas, sei que os meus dias são incompletos, sei que no cinzento das tardes estás presente, sei também que em cada alba te lembro, que o hoje não é igual ao ontem, e que o amanhã será diferente. Sei que, nas minhas mãos agora vazias pingam as palavras nunca ditas. Sei que a pátina veste o tempo, mas que a tela bordada de memórias vivas é intemporal. A tela que me deixaste é a mais doce obra de arte. Chama-se “Vida”. Coloquei-a naquele quarto onde a janela se abre para o mundo, perto das paredes da alma.
Pai.
Obrigada.
Não sei onde estás.
Acredito, porque me ensinaste a Acreditar.
Acredito porque existo, porque sou pedaço de carne e alma vinda de ti, porque sou repositório de sonhos e esperanças falhadas ou concretizadas. Porque sou um dos teus ramos. Talvez o mais descarnado. Aquele que se vergou mais ao tempo e à vida. O ramo primeiro. Aquele ramo, a quem tu ensinaste a olhar para além da forma. Usavas palavras simples mas que temperavam a minha imaginação. Não, não eram o sal do mundo. Não, eram palavras para uma criança, para mim. Memória macia da minha infância. Segredos passados no côncavo de uma mão pequenina dentro de outra mão. A tua, Pai.
Não sei precisar no verbo o tom rebuscado do sentir, porque sou tão simplesmente filha. Não sei, apenas ouso relembrar-te tal como te sinto, Pai. Não burilo na dor contornos vivos, não sei amar assim. Não possuo o arroubo da paixão nem o descrédito do desamor. Só sei que me faltas, sei que os meus dias são incompletos, sei que no cinzento das tardes estás presente, sei também que em cada alba te lembro, que o hoje não é igual ao ontem, e que o amanhã será diferente. Sei que, nas minhas mãos agora vazias pingam as palavras nunca ditas. Sei que a pátina veste o tempo, mas que a tela bordada de memórias vivas é intemporal. A tela que me deixaste é a mais doce obra de arte. Chama-se “Vida”. Coloquei-a naquele quarto onde a janela se abre para o mundo, perto das paredes da alma.
Pai.
Obrigada.
Muito bem escrito e comovente até às lágrimas...uma carta de amor. Muitos beijos para ti.
ResponderExcluirLindo, lindo, lindo! Que filha fantástica és por homenageá-lo assim; que pai foi ele por ter te deixado tão emocionadas (e emocionantes!) lembranças...
ResponderExcluirBEIJOS!
Selma Barcellos
Tão belo... Cores irretocáveis, estas, com que pintas a memória. De um pai. O nosso.
ResponderExcluirObrigada.
Um beijo.
Cristina
"Foste o meu Pai"!. Três anos, três tempos e ainda te procuro todos os dias...
ResponderExcluirB&A
Também tive um pai. Foi-se num inverno. Terá ido?
ResponderExcluirSinto-o tão cá dentro que me parece ainda ouvir-lhe a voz, os passos, sentir-lhe o colo (adulta quase, invadia-lhe os joelhos a relembrar infâncias).
Obrigada pela beleza, esse Amor e a partilha toda.
Beijo.
madalena
Deixo-te um beijinho... Até já
ResponderExcluirBelo e comovente. Puseste-me lágrimas nos olhos. Perdi o meu pai há 17 anos e como te entendo... Beijo.
ResponderExcluirQue palavras sentidas...
ResponderExcluirBeijinho*
Naquele tempo só te abracei. Porque sabía, porque sei.
ResponderExcluirPor isso, hoje, não falarei.
Abraço-te.
um dia ,abrirás a janela da "VIDA" e verás que há alguém que dela nunca se ausentou - o PAI
ResponderExcluirpartido ,chegado ,amado ,presente mesmo ausente
deixo.te
[em certeza]
.
um beijo
Permita-me fazer minhas as suas palavras- aceite um beijo
ResponderExcluirNós não deixamos morrer os nossos
mortos
Estou consigo minha amiga
ResponderExcluirtambém aqui
no meu mar
Bjs
Abraço apertadinho
ResponderExcluir... estou certa que teu Pai 'leu' tuas palavras e 'sorriu' com muita ternura!
ResponderExcluirTenho crenças diferentes das tuas...
Este Natal comprei uma pequenino livro muito sensível [nada está provado, mas fazem-se estudos sérios sobre o tema]!
Chama-se 'As Cinco Pessoas que encontramos no Céu'...é um livro comovente!
Um tema que me toca profundamente pelas 'ausências' já sofridas...
Um beijo afectuoso
... pelo olhar deixado em 'fragmentos', sensibilizada!
Ele ouviu-te, de certeza!
ResponderExcluirUm grande abraço!
O nó nos dedos é o meu medo. do dia em que há-de chegar a minha vez de o escrever. Tanto medo que tenho Mateso.. Por muito que acredite.
ResponderExcluirBeijo.
Muito bem
ResponderExcluirSaudações amigas
a perda é sempre dolorosa
ResponderExcluirComoveste-me com o teu texto.
ResponderExcluirPungente e belo.
Beijo.
Lindo. Obrigada por escreveres um pouco de tudo aquilo que muitos de nós pensam...
ResponderExcluirNão sabes como me tocou esta tua carta. Tal como tu, perdi o meu Pai, parece-me que foi ontem que ainda sentia a sua mão no meu braço a apertar-me, a sua voz reconfortante, o seu sorriso.
ResponderExcluirEle está vivo para mim, no meu coração e sei que esteja onde estiver está a olhar por mim.
Um abraço carinhoso
adorei...
ResponderExcluireu sou uma menina do papá, mas com um oceano que nos separa e apenas encolhe aos fins de semana e nas escassas viagens... houve frases que li de lágrima no canto do olho.
bjs e até já
bom ano!!! ainda vou a tempo certo?