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26 julho, 2007

Puri Biagrita


-É hoje, é hoje…diz Marcelino para si.

Apronta-se. Veste as calças do fato das festas, camisa lavada, o casaco. Põe o boné. Está todo nos "trinques"

Lavou-se a preceito, esmerou-se.

A sua Zeza, cirandou-lhe o juízo com tantos cuidados, mas a ida ao sô dôtor., justificou-os.

Está fresco.

Hoje é dia de feira vai á cidade. Leva a fruta para venda. A Zeza não vai, a sua patroa. Tem cá o neto. Está sozinho, isto é dizer, vai com o Joaquim das Hortas. Vão na carrinha, já combinou tudo. Despede-se da sua Zeza com um até logo. Ela recomenda-lhe que diga tudo ao sô dôtor, as dores do braço e da falta de ar.

.-Fica em paz, eu digo tudo.

Já sentado na carrinha, semi-cerra os olhos. O Joaquim conduz. É de poucas falas, ainda bem...dá para dormitar.

O tempo corre para trás. Lembra-se daquele outro tempo, quando ainda era enxuto de carnes, de cabelo preto, forte. Quando galgava as escadas ou os campos de pernas soltas. Hoje já vacila. Já tem medo. O olhar é opaco, mas ah… Ainda é homem…

Lembra-se de então…, como era bom. E a Purificacion.. que mulher…! Uma ruiva, garbosa, salerosa. De riso em lábios carnudos, seios ondulantes e ancas em meneio conjunto. Ah que saudades. Ai, Puri, Puri… que tempos…

Sabe que continua lá onde a viu pela última vez. Tomou uma decisão. Vai vê-la. Não vai ao dôtor , coisa nenhuma, .Vai vê-la, vai matar saudades!

Marcelino embala nas recordações. A sua Zeza, a mãe da sua Júlia e do seu Zé António.

Boa mulher, boa mãe, honesta, poupada, tudo o que desejou. Mas… ficou-lhe sempre a mágoa pela sua Puri. Não, não para casar, c'os demónios, podia lá ser. Há que saber pôr as coisas em cada prato. Vá-se lá a ver…

Chegaram. Descarrega a sua fruta. Pede ao amigo que tome conta, porque tem consulta. Dá-lhe a senha da banca. Tudo em ordem. Agora … é ir … até á casinha… que não esqueceu. Desce a ladeira, vai lesto. Há muito tempo que não se sentia tão leve...é o desejo.

Marcelino pára. Está defronte da casita baixa de telha velha e portada vermelha. Avança. As pernas estão a pregar-lhe a partida, as maganas. Mas isto vai, até trouxe o azulito, por via das dúvidas. Isto é segredo. Um homem não pode abrir mão de certas coisas. Arranjou-o, como?.. Ora… á que estar prevenido… então já são setenta … Coragem, home, coragem. Respira fundo.

Toca à porta. Uma vez rápida, a segunda, lenta… espera.

Ouve um bater de chinelos e depois a voz…

-¿Quién es?

A porta abre-se antes que possa responder .Ei-la.. Olham-se, perdidos. Avaliam-se, recordam-se. Não há movimento, apenas olhar, olhar.E depois..

-Marcelino.!. ¿Usted? Por Dios., hombre!!!

-AH, Puri, ah, Puri..

-Hombre, entra, entra…

Já na salinha, frente a frente olham-se. O tempo também lhe roubou as carnes, mas ainda é um pedaço de mulher. Sempre garrida, decotada, alegre. O riso é matreiro e o olhar acompanha-o. Olham-se. Dão as mãos e riem, riem…

Já é tarde, o Joaquim deve estar fulo, muito fulo. Paciência. Não é todos os dias que um home..

Veste-se.. atabalhoadamente. Sente-se zonzo. Não é mau estar, é maravilha… A seu lado, Puri, olha-o, rindo, rindo…

Pega no casaco, veste-o e sorri. Sente-se jovem. Há tanto tempo...Não acredita. Será possível?

Sente-se trémulo como se fora a sua primeira vez…

Puri continua na cama. Sobressai-lhe o brilho do olhar e a lascívia dos gestos. Sorrindo diz-lhe:

-Coño Marcelino. ¡hombre , con su edad!

-Puri de mi alma… ai Puri… um bejo… voltarei, mi preciosa…voltarei…

Já na rua, o calor do meio-dia, atordoa-o. Pérolas de suor, cobrem-lhe a testa. Mas sente-se leve, leve, como se o corpo não mais fosse seu... Nunca pensou em ser capaz… assim. Não., com a sua idade, mas a sua Puri … ai que mujer, … que fêmea….

Tropeça, as nuvens já aqui estão… Sorri-lhes.




27 comentários:

  1. :-) Gostei muito. Lembrou-me muita coisa...É o que faz ter uuma memória extensa

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  2. O desejo sem idade. A idade de provar que o desejo ainda o é.

    Gosto demais destes retalhos de vidas que aqui atiras à cara de quem te lê. Afinal coisas banais da vida. Que só poucos reparam como são especiais.

    Um beijo em todo o azul.

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  3. Gostei muito, sobretudo a forma genuína como está escrito "maganas" palavra que já não lia faz tempo!
    Parabéns.

    Beijinho*

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  4. Gostei muito. Gosto deste teu novo registo em forma de retratos. Gostos destes teus espelhos. Muito.

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  5. soube.me a pouco ... fiquei suspensa nas tuas palavras e queria mais .muito mais .promete que ,amanhã ,acrescentas um ponto a um novo conto

    .
    .
    .

    de encantar

    .
    .

    promete

    .

    vá ,promete ,miúda!!!!!!!

    um beijo ( com vontade de mais )

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  6. !

    Era impossível ter gostado mais. Tens muito talento...

    "o azulito";)

    bj

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  7. Conto simples e t�o bonito, com a simplicidade do homem da vida da idade, a vontade o desejo tudo ultrapassa
    D� vontade de ler mais e mais, francamente gostei

    Devagar se vai ao longe pena � demorar tanto tempo, mas como dizes vamos aprendendo a solutra a palavra civismo , depois ser� tudo certo.
    Sauda�es amigas

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  8. Há coisas que não dependem das carnes, dependem da intensidade das almas... Excelente texto!

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  9. Delicioso.
    Acho que é assim mesmo ... não há idade para amar.
    Gostei mesmo :)

    Um beijo

    (já respondi ao teu desafio. custou mas foi :) )

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  10. Yardbird,
    A memória extensa é sinal de vivências.. que bom é recordar!
    Fico contente por teres gostado.
    Bj.

    gasolina,
    Avida passa-me ao lado dia a dia... é só olhar e colher... tento fazê-lo...
    Grata pelas tuas palavras.

    maria p,
    O genuíno é muito esquecido. Poderá ser demodé, mas é nosso...
    Obrigada.
    Bj.

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  11. cns,
    Fico contente por gostares. É sempre um elogio vindo de ti...
    Beijinho.

    Gabriela martins,
    Sensibilizada pelas tuas palavras. A seu tempo virão outros retratos, quem sabe?
    Bj.

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  12. Abssinto,
    Obrigada. Exagero o teu..
    Apenas quis mostrar que a máscara ou capa exterior não aquilata nem mais ou menos os sentimentos...
    Bjs.

    cvalente,
    Respondo-te com as mesmas palavras que disse ao abssinto. A idade tem muito sentir. Não se perde nas rugas do rosto nem no vacilar das pernas.
    Obrigada pela apreciação.
    Bj.

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  13. Arion,
    Obrigada por voltares a repetir o comentário.
    A intensidade das almas, como tu lhes chamas e bem, é o que nos faz ser diferentes... na idade e.. na vida.
    Grata pelas palavras.
    Bj.


    Gi,

    Claro que não há idade... era o que faltava..
    Obrigada
    bj.

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  14. Tu não colhes apenas. Cuidas.

    Um beijo.

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  15. Olá,

    Belíssimo texto, minha aniga!

    O desejo, é, e será sempre intemporal. Faz parte da essência do ser humano.

    Beijinhos

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  16. É nas coisas mais banais da vida que existe o maoir significado..
    Bom fim de semana
    Bjs Zita

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  17. SE UM DIA TIV�SSEMOS UM BARCO -

    AI SE UM DIA TIV�SSEMOS UM BARCO

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  18. ...e o riso
    prolonga-se
    a cada nova
    aventura...



    é sempre um prazer!!


    **

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  19. Sorrir é sempre bom...mas nem sempre possivel.
    A CHUVA QUE PASSA


    A CHUVA TEM CORES DE SAUDADE
    QUE NEM O VENTO SENTE
    A CHUVA TEM O SOM DA ALMA
    QUANDO O CORPO SE DEITA
    A CHUVA TEM OLHARES PERDIDOS
    QUE O TEMPO LEVOU
    A CHUVA TEM LÁGRIMAS
    QUE O CHORO CHOROU
    A CHUVA TEM VENTO
    QUE É VENTO QUE PASSA
    A CHUVA É VENTO
    QUE VENTO PASSOU
    A CHUVA QUE PASSA
    QUE PASSA PASSOU
    A CHUVA QUE PASSA
    É VENTO QUE SOU...

    BOM FIM DE SEMANA

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  20. embala.se: recordações memórias...

    pesa-se a escrita!!

    muito bem pesada...a tua :)))

    ...muito bem medida!!




    beijO

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  21. Muito bom,muito bom mesmo mateso...sempre tiveste o dom da escrita,mas sou mais apaixonada por este tipo de textos,este então,tá lindo!!
    beijinho

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  22. gasolina,
    é a lei da vida.. semear para colher... se o tempo e o engenho permitirem... mas nem sempre assim acontece...
    Obrigada
    Um beijo.

    Mário Margaride,
    Sensibilizada pelas tuas palavras.
    Intemporal ou não, ele vai e vem... como o verão.
    Uma beijoca.

    Entre linhaas,
    Grata pela visita e palavras.
    O velho Marcelino banal?.. é um quadro, minha querida... acho-os oslindos, se acho.!
    Uma bejoca.

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  23. Mar Arável,
    Navegariamos pelos cantos de..?
    Obrigada
    Um beijo.

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  24. saudosista do futuro,
    sim, o riso.. se o "azulito" permitir, vá se lá saber, com aquela idade, o Marcelino , hem?
    Obrigada
    Beijo

    Mystic dream,
    O vento?...
    O vento é a voz do mundo... e o vento da idade.. éa a vida...
    Obrigada pelo teu poema.
    Fico sensibilizada.
    Bj.

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  25. Un-dress,
    O peso. pesado.pesa a memória.
    A memória.desmomoriada.
    Dos anos. do sentir.
    Já esquecidos.

    Obrigada.
    Beijo.

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  26. Ana,
    Que bom ter-te de volta.
    Obrigada pelas tuas palavras. Tento. dar um geitinho...
    Um beijo.


    Vertigo,
    Sensibilizada pelas tuas palavras e pelo olhar no meu cantinho
    .
    Fico feliz por teres gostado .
    Um beijo.

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