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09 julho, 2020


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2020 nasceu doente. Uma daquelas doenças em que os sintomas não são percetíveis de início, mas, passados poucos dias ou meses, eclodem virulentamente. Os sintomas da doença de 2020 já cá estavam. Não eram assintomáticos, não eram irrelevantes, não eram impercetíveis. nada disso. Estalavam todos os dias de uma forma ou outra. Claro que não eram eruptivas nem muito menos pandémicas. Mas estavam por todo o lado, nesta globalidade que tanto dizemos ser de nosso orgulho. Foi, pois, neste estado de catalepsia global que a pandemia se instalou.
Numa era de globalização em que estar vivo já é por si uma tarefa arriscada, e sendo o risco um requisito da excitação e da aventura que está, intrinsecamente, associada à modernidade. O risco pasme-se, é uma fonte de energia criadora de riqueza numa economia moderna, uma vez que é a dinâmica estimuladora de uma sociedade empenhada em determinar o seu próprio futuro. É num processo contínuo de ganhos e perdas que nos deslocamos em direção ao dia seguinte, ao mês, ao ano, quiçá ao porvir. Nesta plêiade de lances, deparamo-nos com dois tipos de risco, o que vem de fora, o exterior e enquadra as imposições da natureza ou da tradição e o outro, o interior, que não  é senão o resultado do choque que o nosso desenvolvimento tecnológico impõe ao meio ambiente. Foi este impacto da ciência da tecnologia, a par de um pensamento assaz racionalista que objetivamente nos permitiu viver um período histórico de transição, extensível a todo o globo. Chamamos-lhe globalização.
Uma era de mudanças sejam na economia, no clima, na ciência, na família, nas relações humanas que fizeram ruir o munda anterior tradicional e preconcebido originando diferentes formas de fundamentalismo, que necessariamente não se situam somente nos conceitos religiosos, políticos mas igualmente rácico, sociais, ideológicos esquecendo um vetor importantíssimo: afinal somos todos Seres Humanos pese as diferenças de credo, cor, género, ideias e crenças.
Fala-se e extrapola-se sobre a tolerância, um vocábulo usado em excesso, sem que a aceção do seu sentido, seja ,na maioria das vezes ,verdadeiro. Ser tolerante não é apenas aceitar o que socialmente se decretou por estar em voga aliado ao pretexto de estar correto, sem que algumas vezes o não seja. A tolerância é um ato de dádiva mais do que um ato de aceitação ou de exibicionismo. Pergunta-se onde está a tolerância económica no que respeita os benefícios do chamado estado keynesiano do bem-estar social? Onde reside a tolerância nos interesses financeiros dos mercados nesta nova economia eletrónica global em que os gestores de fundos, os bancos, os investidores e as grandes empresas transferem avultadas somas de capitais sob um clique de um dedo, destabilizando do outro lado do mundo economias sólidas, acarretando crises que as populações vivenciam em estados intermédios e finais de pobreza conducentes a  situações extremas de privação.
A privação de movimento, de afetos, de sermos os que éramos apresenta-se no nosso quotidiano como algo que nos foi decepado. Dizem, quem sofreu de amputação, que o membro é sentido por algum tempo, embora não esteja lá. Não sentimos o que não temos porque é algo exterior a nós, todavia as memórias esvoaçam pelo campo das nossas vidas, e ,é ainda a elas que nos apegamos com a ideia de um futuro não muito distante e semelhante a um passado próximo.
Somos cientes de todos os erros, estamos dispostos a mudar. É verdade. É humano. No entanto o caminho que recomeçamos rapidamente nos enfada e, indiferentemente recaímos no erro. É de a natureza humana errar. Sempre foi, sempre será. E assim fizemos da privação um país no qual entramos todos os dias não por uma porta, mas por uma condição. A condição de sobrevivência sanitária. Todos os dias quase desde os primeiros meses deste ano nascido doente.
2020 nasceu doente. Um vírus, uma pandemia. Um planeta em dois movimentos um centrifugo e outro centrípeto. A natureza gira centripetamente em direção à sua criação, porém a humanidade gira centrifugamente. Este afastar do centro, este rolar infindo tem  as suas causas na doença que o mundo gerou. Mais do que a pandemia que grassa nos nossos corpos, há uma outra pandemia profunda, irracional e desumana que globalmente assolou o mundo. Chama-se egoísmo.
Este senhor é um caleidoscópio de aberrações nos seus  múltiplos vidros de ganância, cupidez, mentira, traição e tantos outros. Neste caleidoscópio gira a pobreza e a riqueza do mundo, exatamente, do mesmo modo em o Covid- 19 dança nas vias respiratórias das suas vítimas. Há que aplicar os ventiladores a par de outros cuidados médicos a fim de salvar  vidas e para a outra pandemia, que ventiladores, distanciamentos, medicamentos, o Ser Humano  aplicou ou irá aplicar?
2020 nasceu doente e nos ficamos doentes. A osmose entre a natureza e o homem é um anel. Um casamento que o mundo abençoou. Quando  a natureza adoeceu porque o Homem decidiu que era hora de se divorciar, aparentemente, nada de relevante se fez sentir. Contudo, a natureza demorou, mas acordou e vingou-se, privando o Ser Humano de  um dos seus maiores e melhores bens: a liberdade de ser e estar.
A liberdade humana é a nossa forma de comunicação. Não percamos mais este dom!
Maria Teresa Soares
8-7-2020

10 junho, 2020

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Hoje apeteceu-me escrever. Não que tenha algo de importante a dizer, somente, apeteceu-me.
Nestes meses de interiorização, pequenas coisas têm deslizado pela mente. Devia anotá-las, porém o fluir das horas, o viver dos minutos na dolência perfeita dos dias tem sido algo pateticamente assintomático.
A mudança dos hábitos fez-se mais no pensamento do que nas atitudes, pois que estas tornaram-se adiadas. Um sine die para breve. Uma antítese concetual e temporal.
Os tempos de agora, vestidos de paradoxos, aceites e despidos de projetos de amanhã, cobrem a nossa esperança de porvir. Habituamo-nos. Vivemos em quartos de espaço, de horas, de afetos, emoções e, em suma de vida.
Somos sombras de nós porque um maldito vírus nos despojou da nossa iniciativa de Ser, de Estar e de Ficar. Uns Partem porque o tempo se despediu, outros afastam-se com medo da despedida, outros ainda ignoram-se, porque desconhecer protege a ignorância. Um tempo de dias desconhecidos.
São os dias do nosso tempo. Os novos dias deste tempo. Os dias da história de um vírus. Uma história na História dos Tempos. Dois milénios e vinte séculos. Conquistas, ciência, tecnologia, avanço, e o Homem sendo a medida de todas as coisas assim se pensa, assim se pensou. Pensou-se que tudo se podia, se fazia, se inventava, se destruía e se recriava. O homem. Era, então, medida de todas as coisas, fosse na sua criatividade, inteligência, emotividade, fosse na sua busca da inteligível da excelência; a medida quase perfeita do seu espelho. A vacuidade da assertividade, a precariedade da estabilidade, a incongruência do status quo providenciará um novo capítulo na História do Mundo.
O Mundo ainda não mudou contrariamente ao que os homens do mundo passado apregoam. O mundo irá mudar. Lentamente como é seu apanágio. Um novo capitulo no romance da Humanidade será, então, escrito ou pintado na página ou tela que pisamos e respiramos. A arte, a mestria, o ritmo, a cor, as palavras ou as imagens serão somente a inocência ou a hipocrisia da que a memória dos tempos da História do mundo nos atribuiu. Sejamos, pois os autores-atores deste estranho palco esperança com que a História nos brindou!
10 Junho 2020-06-10
Maria Teresa Nobre Soares

31 março, 2020


Um Vírus
Joana encolhe-se no sofá na exata medida em que o tropel das notícias vindas da televisão a envolve. Não são boas. Nestes dias, não o são. Joana é jovem, mas tem medo. Medo do que acontece. Medo do mundo que desconhece. Medo do hoje fechado no amanhã sem vidraças. Ainda não tem medo da morte. Joana é jovem. Luís sentado diante do computador procura trabalhar. Procura a concentração que foge. Sobre a superfície preta da mesa o androide não pára. Já lhe cortou o som, contudo de vez em quando não resiste e espreita. Espreita as mensagens que caem. Inequívocas, plangentes e numéricas. Luís até gosta de números, gosta muito, mas destes não. Não gosta dos números da doença e menos ainda dos da morte. Luís é novo, porém já espreitou nas vidraças do amanhã. Sonhou amando o amanhã. Fez planos quando a vidraça era limpa, quando o mundo ainda era igual. Hoje os vidros estão turvos e do outro lado há o vazio. Luís tem na mente a incerteza dos dias e na boca o gosto acre do medo. Luís tem medo.
Marta cai redonda sobre o banco. As pernas teimam em desobedecer-lhe. O corpo treme. O olhar perde-se e as mãos? As mãos caem perdidas sobre as pernas sentadas. Marta abana a cabeça. Tem dez minutos. Dez minutos de descanso. Como se dez minutos bastassem para apagar o caos. Como se o tempo parasse e o mundo voltasse ao antes. O estetoscópio desliza do pescoço, também ele quer espreitar o descanso. Marta já viu muita doença caminhar pelos corredores. Por mais terrível que fosse percebiam-lhe a fisionomia e os traços. Agora são enganadores, possuem uma dinâmica agressiva. Parecem o que não são, sendo o que são. E assim, sendo o que são, tornam-se parasitas da vida..Marta levanta-se, estica-se, compõe a máscara, calça luvas limpas e vai de novo à labuta. Quem a vê repara nos círculos negros, no arrastar de pés e nos gestos febris. Ainda não vai parar desta vez, há que continuar na intermitência do lugar e da vida durante estas doze horas de turno. Medo? Talvez, o medo de não vencer e de cair também.
 António encosta-se ao vidro da varanda, a ligação com o mundo de lá fora. António tem setenta e picos anos e está só. Não tem ninguém. Só mais o eco de si mesmo. Noutros dias tinha família, depois tudo foi embora. Ele ficou porque o tempo assim o quis. Agora o tempo muda o mundo Muda na rotina das vontades, nos paradigmas construídos em tempo de vertigem; na fiabilidade do paradigma económico; na prosopeia do dinheiro; na fragilidade do desígnio político; na desregulamentação dos mercados, na intensificação dos fluxos financeiros, na abertura das economias às trocas internacionais; no aparecimento de novos e complexos produtos financeiros, bem como a realização de operações financeiras cada vez mais intrincadas; na invencibilidade do poder; na mesquinhez dos círculos; na crença da frivolidade em contraponto à negação da valoração dos sentimentos humanos que não as pieguices ocasionais e bacocas numa valoração quase viral de afetos fáceis.
António murmura algo, algo inteligível, algo que vem de dentro num suspiro limpo. Algo que o faz mexer e olhar mais além. Não tem medo da doença, nem da morte. Gosta da vida apesar das suas linhas retorcidas. Tem a noção limpa que o tempo tem um princípio e um fim. Tem a experiência do tempo. De onde viemos, ficamos e iremos. Abana a cabeça e dirige-se para o seu pequeno-almoço.
Isabel já não tem idade. Foi invadida. A agressividade inunda-lhe o corpo. Sabe o que tem, sabe o que sente, sabe quase tudo. O antes e o depois. Isabel não pensa, luta. Quem luta não se pode estiolar em pensamento. Tudo se resume à luta da vida. Aqui e agora. Não há medo. O medo veio no inicio depois, mais medo e só fim a luta. Será inglória? Será? Na vida a força, a união, a entreajuda, a cumplicidade, a disponibilidade e o sentir mitigam, amparam e vencem barreiras, estabelecem laços e criam fronteiras de amor próximo. Na morte dão-se as mãos, varrem-se as dores e renasce-se. Hoje e ontem o mundo mudou. Joana, Luís, Marta, António e Isabel não são apenas personagens de um texto, mas antes heróis do nosso mundo em sofrimento. O mundo gritou e o Ser Humano tremeu. O respeito deve começar na casa onde o pai alberga e ama o filho. Aprendamos a lição que já vai sendo tempo. As epidemias grassaram ao longo dos milénios, e nos não somos senão o produto quase final dessa sobrevivência. Cumpramos as regras, sejamos atentos e ativos. Sejamos conscienciosos para que exista sempre um Amanhã Livre.
 Maria Teresa Soares
24-3-2020

07 março, 2020

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Para todas as mulheres no seu Dia
Mulher.Papoila,
Mulher papoila de pétalas rubras e estames breves. Mulher de coração quente que amassa o vento da vida em grutas pulsantes. Papoila vergada no vai e vem dos dias; papoila breve e leve de pólen esvoaçado na dádiva do amor. Mulher semente.
Mulher Rosa
Espinhosa, coquete, efémera e bela. Rosa- mulher -menina de jeito delicado e pestanas em asas de mariposa num entrechocar de zunzum coquete e delicioso; Pétalas de cetim em jeito de adorno;
Mulher rosa rubra de pétalas envolventes, frementes e luxuriantes, qual artista no trapézio do desejo. Olhos abertos, boca húmida e mãos que acariciam prenhes de Amor. Mulher -feiticeira das ilusões
Mulher Cravo
Firme e recortada. Múltiplo de pétalas coloridas em cálice de porvir. Cravos brancos, rosa, amarelos e rubros. Cravos que propalam o perfume forte e doce da força da vida. Mulher de vontade, de conceitos, de Ser em essência, de Estar para Ser.
Mulher Giesta.
Esculpida no vento, dançada no tempo. Mulher Giesta que brota por entre as fráguas de terra dura, singela e forte para mais tarde sorrir em lágrimas de amarelo e branco vestindo de luz e esperança os caminhos dos dias; Mulher Giesta que ondula e se empertiga ao vento  mas não esmorece na vontade de vencer.
Mulher Urze.
Espontânea no seu lidar, serena no seu tato. A Mulher -Urze de todos os dias, das noites em branco, dos dias chorosos, das dores sentidas, do mundo em redor; Mulher que sara, ampara, limpa e dá cor ao mundo.
Mulher-Mãos
Mulher que lava, cozinha, semeia, penteia, sova, tricota, desenha, pinta, escreve e acaricia. Mulher de duas mãos, de mil corações, de vontades sem fim e Alma rubra. Mulher.
Mulher-Mãe
Mulher flor, mulher matriz, mulher semeada em fruto gerado, mulher continuada no sémen do Amor. Mulher de gestos doces e carícias no olhar. Mulher máter
Ah, mas ser  tudo isso, papoila, rosa, cravo , giesta ou urze, mãos , mãe e tanto mais, é  ser a  força, é  ser a luta, é  ser  a lágrima rolada,   é ser  a alegria, é  ser  a razão  do mundo, é  ser  a dor ,  é  ser o quebrar, o erguer e o crescer é   ser  a renúncia e o crer, é  ser  o A mor e  o Porvir;   é tudo   e o nada do mundo porque ser Mulher é ser a Vida
Maria Teresa Soares
7-3-2020

23 fevereiro, 2020

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O Inexplicável Mundo Novo!
Sentada na cadeira dos meus sessenta e seis anos, vejo com inegável espanto o decorrer das ações e alguns pensamentos dos meus pares humanos que me deixam quiçá boquiaberta, quiçá espantada.
Senão vejamos:
Vive-se numa sociedade em que a república de valores igualitários está posta de lado em prol de uma aristocracia mediática. Os jovens, porque são os mais susceptíveis, lutam por um lugar não ao sol, mas de likes no instagram e redes sociais a fins. A imagem seja na vertical, na horizontal, seja de pernas para o ar, seja de cabelos ao vento ou colados, olhos normais ou estrábicos, todas contam desde que chamem a atenção e um dedo malandro e viciado coloque o tal likezinho. Supimpa de orgulho, o jovem, o adulto ou o quase idoso (nestes o facebook é a página de eleição), e com o brilhozinho no olhar, o sorriso em semi-decúbito a aflorar nos rostos lisos ou riscados do tempo, o sentimento de afeição de ser querido impera no milhentos instangrianos, facebookianos, e todos os outros que por ai pululam.
A exposição da vida pessoal não só afetiva como comercial é mote de negocio de um corso de seguidores ávidos do seu hipotético dia- que- há-de- vir- de- fama.
Um modo idiossincrático de felicidade ao jeito do novo milénio.
Mas falando em milénio, os Milennials (geração Y), os reis e rainhas de toda esta rede de contactos sociais virtuais, que colam os olhos ao ecrã dos Gadgets mais diversos, aqueles cujos polegares possuem uns quantos mm a mais de falangetas dado a adaptação às novas techs, aqueles que desde o útero materno (sim, creio, que já lá dentro se sentam e dedilham algo que lhes permite a incrível destreza polegariana), pois que logo que eclodem neste inexplicável mundo novo são portadores da síndrome touchable.
Isto apenas em relação aos Gadgets. Um Mundo diverso, descontinuo e algo paradoxal. Bem mais preocupante é a inexplicável sociabilidade da virtualidade, o plágio dos sentimentos e o inquestionável politicamente correto.
Vamos por partes.
Neste Inexplicável Mundo Novo despiram-se os fatos da tradição, pelo cheiro bolorento, antigo e retardado e inovou-se. Inovou-se numa cama de plágio. Na culinária surgiu uma nova a sinonímia: selamos e confitamos a carne, emulsionamos os ácidos, branqueamos os legumes, reduzimos os ingredientes, clarificamos os caldos e por aí fora, pois que continuar seria exaustivo e totalmente insípido. Nada tenho contra o correto uso da terminologia culinária, é óbvio que a cozinha requer “ciência” todavia, não exageremos, pois que fazer o que anteriormente se fez, utilizando quantidades menores numa panóplia de apresentação excelente confecionado com menor grau de polinsaturados, não significa reivindicar uma “Nouvelle Cuisine”. Perdoem-me o galicismo, mas soube-me mesmo bem.
Inerente a esta multiplicidade culinária vem o paradigma dietista. Nos dias de hoje ser forte que não obeso, porque tal sempre foi considerado doentio, deselegante quiçá desleixado, ser forte como dizia, significa não preencher os parâmetros de uma tipologia predeterminada. Hipocritamente e porque é de bom-tom, ou melhor dito politicamente correto, frontalmente utiliza-se uma verborreia de panaceia, argumentando que o que interessa é o interior, que as pessoas não se medem pelo exterior. Contudo, desde tenra idade, o bullying motivado pelo aspeto físico, em que o peso é um dos fatores, os tamanhos de vestuário e toda a indústria adjacente, tornam bem claro que os estereótipos imperam e governam. Comer saudável é praticamente uma obrigação, pois que mais não seja o comum dos mortais é sujeito a um bombardeio de “comidas saudáveis” que circulam pelos canais televisivos a par de edições livreiras prontamente alardeadas em escaparates bem visíveis para quem passa e perpassa no correr da vida.
O ginásio e o corpo perfeito, fazem-me relembrar o mito grego traduzido na plêiade mitológica. Os deuses do Olimpo finalmente desceram à Terra no século XXI. Não foi em vão que Zeus raptou a Europa. Os descendentes, dois milénios depois, ditam os seus “fabulásticos” mitos. Sejamos, então, obsessivamente míticos neste cantinho à beira-mar plantado.
Em seguida vem o politicamente correto.
Tema enviesado por ser labirinto de ideologias políticas Hoje dizem-se inverdades, denominam-se dignas profissões com nomes bem dizentes, como se fosse vergonha chamar a um digníssimo continuo, um trolha, uma empregada doméstica e tantos outros, necessários à sociedade bem como parte integrante da mesma. Há sim incorrecção mudar a denominação ao que se faz, desde que não se utilize o pejorativo, pelo simples facto de um pedantismo vestido de pressuposta correção. Há orgulho em ser trolha, carpinteiro ou sapateiro tal como há em ser médico, engenheiro, farmacêutico, etc. Todos são necessários à sociedade. Porquê então mascarar, o que não necessita de modo algum de disfarce, pela sua intrínseca dignidade? A meu ver, criou-se uma falácia do tamanho do que se é e não daquilo que vive.
De igual forma é politicamente correto ser feliz como se a felicidade se multiplicasse à laia da giesta ou da simples erva daninha. A felicidade, quando alcançada é o resultado muito complexo de trabalho inexorável, de muita opção de muito tudo. Não é panaceia, nem lágrima fácil. Tudo é bem difícil neste mundo e os anos ensinam-nos. Logo, o pior dos erros é criar uma geração no mito de que tudo está sob o clique de um dedo e que é tangível perseguir os sonhos. Os sonhos são tão fugazes que na maioria das vezes, nem relembrados são na manhã seguinte. Porém, criar no espírito dos Milennials que o futuro é o produto de fatores estrategicamente trabalhados e que deste modo serão tangíveis, creio ser uma forma positiva e honesta sem inverdade de abrir a vontade dos nossos filhos ou netos de acordo com a precocidade que cada um dos mais velhos teve.
É politicamente correto não mencionar as escolhas de género ou de raça. Neste tema, por demais sensível, penso que cada um de nós deverá caber a escolha e a narrativa adequada, todavia firme. Casais homossexuais, lésbicos ou heterossexuais devem ter exatamente o mesmo tratamento desde que as três tipologias revelem comportamentos socialmente adequados. Na mesma linha, penso que a denominação de negro não é pejorativa. A raça negra existe, ao passo que a raça branca não existe, mas sim a caucasiana. Logo o invés e revés do racismo nominal. Naturalmente que a denominação da raça não cabe na essência humana que habita em cada um de nós. Assim, antes de sermos diletantes no comportamento caucasiano versus negro ou negro versus caucasiano, sejamos, antes de tudo Seres Humanos de qualidades e defeitos. Tão revoltante é o caucasiano que bate no negro ,como o negro que assalta o caucasiano. Ambos são paradigmas de uma sociedade cujos valores morais se vêm perdendo enquanto se corre na busca do mítico politicamente correto.
Finalmente e porque este corolário de pensamento se vem já alongando demasiado. A incompreensível personificação dos animais. Todo e qualquer animal é um ser vivo e como tal deve ser qualitativamente tratado. Mas há uma diferença que ocorreu algures aquando da evolução das espécies. O Ser Humano é um Ser Racional conquanto o animal é um Ser Vivo Irracional è verdade que os animais são extremamente amigos e dóceis. Que fazem companhia a quem está só que são um motivo de alegria. Tudo isso é verdade. Não concebo que sejam maltratados, que não tenham os cuidados veterinários, alimentares e de higiene. Que não lhes seja dispensado carinho e conforto. Também não concebo que se chamem, no caso especifico dos cães, Dianas, Alices, Marcos e Josés, entre tantos outros. Animal é animal, pessoa é pessoa. Se tanto mitificamos o corpo, se tanto mediatizamos a imagem, para depois em termos de personificação nos confundirmos com os nossos animais. Perguntar se um cão ou cadela é menino ou menina, é incrível. Será macho ou fêmea. Se entramos neste túnel de personagens trocadas. Será que devemos perguntar a um jovem casal de pais: “.Como está o seu bebé - cria? É macho-menino ou fêmea-menina? Há que existir uma certa contenção. O extrapolar, por vezes, trás em si consequência nefastas. As gerações X e os Milennials têm que pensar que o mundo não será eternamente deles, pois que um dia também se sentarão na cadeira ou num qualquer outro Gadget decorativo aquando dos sessenta e seis e aí dedilharão uma reflexão bem mais corrosiva do que esta” baby boomer” efetuou sobre o Inexplicável Mundo Novo.
23 Fevereiro 2020
Maria Teresa Soares