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23 fevereiro, 2020

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O Inexplicável Mundo Novo!
Sentada na cadeira dos meus sessenta e seis anos, vejo com inegável espanto o decorrer das ações e alguns pensamentos dos meus pares humanos que me deixam quiçá boquiaberta, quiçá espantada.
Senão vejamos:
Vive-se numa sociedade em que a república de valores igualitários está posta de lado em prol de uma aristocracia mediática. Os jovens, porque são os mais susceptíveis, lutam por um lugar não ao sol, mas de likes no instagram e redes sociais a fins. A imagem seja na vertical, na horizontal, seja de pernas para o ar, seja de cabelos ao vento ou colados, olhos normais ou estrábicos, todas contam desde que chamem a atenção e um dedo malandro e viciado coloque o tal likezinho. Supimpa de orgulho, o jovem, o adulto ou o quase idoso (nestes o facebook é a página de eleição), e com o brilhozinho no olhar, o sorriso em semi-decúbito a aflorar nos rostos lisos ou riscados do tempo, o sentimento de afeição de ser querido impera no milhentos instangrianos, facebookianos, e todos os outros que por ai pululam.
A exposição da vida pessoal não só afetiva como comercial é mote de negocio de um corso de seguidores ávidos do seu hipotético dia- que- há-de- vir- de- fama.
Um modo idiossincrático de felicidade ao jeito do novo milénio.
Mas falando em milénio, os Milennials (geração Y), os reis e rainhas de toda esta rede de contactos sociais virtuais, que colam os olhos ao ecrã dos Gadgets mais diversos, aqueles cujos polegares possuem uns quantos mm a mais de falangetas dado a adaptação às novas techs, aqueles que desde o útero materno (sim, creio, que já lá dentro se sentam e dedilham algo que lhes permite a incrível destreza polegariana), pois que logo que eclodem neste inexplicável mundo novo são portadores da síndrome touchable.
Isto apenas em relação aos Gadgets. Um Mundo diverso, descontinuo e algo paradoxal. Bem mais preocupante é a inexplicável sociabilidade da virtualidade, o plágio dos sentimentos e o inquestionável politicamente correto.
Vamos por partes.
Neste Inexplicável Mundo Novo despiram-se os fatos da tradição, pelo cheiro bolorento, antigo e retardado e inovou-se. Inovou-se numa cama de plágio. Na culinária surgiu uma nova a sinonímia: selamos e confitamos a carne, emulsionamos os ácidos, branqueamos os legumes, reduzimos os ingredientes, clarificamos os caldos e por aí fora, pois que continuar seria exaustivo e totalmente insípido. Nada tenho contra o correto uso da terminologia culinária, é óbvio que a cozinha requer “ciência” todavia, não exageremos, pois que fazer o que anteriormente se fez, utilizando quantidades menores numa panóplia de apresentação excelente confecionado com menor grau de polinsaturados, não significa reivindicar uma “Nouvelle Cuisine”. Perdoem-me o galicismo, mas soube-me mesmo bem.
Inerente a esta multiplicidade culinária vem o paradigma dietista. Nos dias de hoje ser forte que não obeso, porque tal sempre foi considerado doentio, deselegante quiçá desleixado, ser forte como dizia, significa não preencher os parâmetros de uma tipologia predeterminada. Hipocritamente e porque é de bom-tom, ou melhor dito politicamente correto, frontalmente utiliza-se uma verborreia de panaceia, argumentando que o que interessa é o interior, que as pessoas não se medem pelo exterior. Contudo, desde tenra idade, o bullying motivado pelo aspeto físico, em que o peso é um dos fatores, os tamanhos de vestuário e toda a indústria adjacente, tornam bem claro que os estereótipos imperam e governam. Comer saudável é praticamente uma obrigação, pois que mais não seja o comum dos mortais é sujeito a um bombardeio de “comidas saudáveis” que circulam pelos canais televisivos a par de edições livreiras prontamente alardeadas em escaparates bem visíveis para quem passa e perpassa no correr da vida.
O ginásio e o corpo perfeito, fazem-me relembrar o mito grego traduzido na plêiade mitológica. Os deuses do Olimpo finalmente desceram à Terra no século XXI. Não foi em vão que Zeus raptou a Europa. Os descendentes, dois milénios depois, ditam os seus “fabulásticos” mitos. Sejamos, então, obsessivamente míticos neste cantinho à beira-mar plantado.
Em seguida vem o politicamente correto.
Tema enviesado por ser labirinto de ideologias políticas Hoje dizem-se inverdades, denominam-se dignas profissões com nomes bem dizentes, como se fosse vergonha chamar a um digníssimo continuo, um trolha, uma empregada doméstica e tantos outros, necessários à sociedade bem como parte integrante da mesma. Há sim incorrecção mudar a denominação ao que se faz, desde que não se utilize o pejorativo, pelo simples facto de um pedantismo vestido de pressuposta correção. Há orgulho em ser trolha, carpinteiro ou sapateiro tal como há em ser médico, engenheiro, farmacêutico, etc. Todos são necessários à sociedade. Porquê então mascarar, o que não necessita de modo algum de disfarce, pela sua intrínseca dignidade? A meu ver, criou-se uma falácia do tamanho do que se é e não daquilo que vive.
De igual forma é politicamente correto ser feliz como se a felicidade se multiplicasse à laia da giesta ou da simples erva daninha. A felicidade, quando alcançada é o resultado muito complexo de trabalho inexorável, de muita opção de muito tudo. Não é panaceia, nem lágrima fácil. Tudo é bem difícil neste mundo e os anos ensinam-nos. Logo, o pior dos erros é criar uma geração no mito de que tudo está sob o clique de um dedo e que é tangível perseguir os sonhos. Os sonhos são tão fugazes que na maioria das vezes, nem relembrados são na manhã seguinte. Porém, criar no espírito dos Milennials que o futuro é o produto de fatores estrategicamente trabalhados e que deste modo serão tangíveis, creio ser uma forma positiva e honesta sem inverdade de abrir a vontade dos nossos filhos ou netos de acordo com a precocidade que cada um dos mais velhos teve.
É politicamente correto não mencionar as escolhas de género ou de raça. Neste tema, por demais sensível, penso que cada um de nós deverá caber a escolha e a narrativa adequada, todavia firme. Casais homossexuais, lésbicos ou heterossexuais devem ter exatamente o mesmo tratamento desde que as três tipologias revelem comportamentos socialmente adequados. Na mesma linha, penso que a denominação de negro não é pejorativa. A raça negra existe, ao passo que a raça branca não existe, mas sim a caucasiana. Logo o invés e revés do racismo nominal. Naturalmente que a denominação da raça não cabe na essência humana que habita em cada um de nós. Assim, antes de sermos diletantes no comportamento caucasiano versus negro ou negro versus caucasiano, sejamos, antes de tudo Seres Humanos de qualidades e defeitos. Tão revoltante é o caucasiano que bate no negro ,como o negro que assalta o caucasiano. Ambos são paradigmas de uma sociedade cujos valores morais se vêm perdendo enquanto se corre na busca do mítico politicamente correto.
Finalmente e porque este corolário de pensamento se vem já alongando demasiado. A incompreensível personificação dos animais. Todo e qualquer animal é um ser vivo e como tal deve ser qualitativamente tratado. Mas há uma diferença que ocorreu algures aquando da evolução das espécies. O Ser Humano é um Ser Racional conquanto o animal é um Ser Vivo Irracional è verdade que os animais são extremamente amigos e dóceis. Que fazem companhia a quem está só que são um motivo de alegria. Tudo isso é verdade. Não concebo que sejam maltratados, que não tenham os cuidados veterinários, alimentares e de higiene. Que não lhes seja dispensado carinho e conforto. Também não concebo que se chamem, no caso especifico dos cães, Dianas, Alices, Marcos e Josés, entre tantos outros. Animal é animal, pessoa é pessoa. Se tanto mitificamos o corpo, se tanto mediatizamos a imagem, para depois em termos de personificação nos confundirmos com os nossos animais. Perguntar se um cão ou cadela é menino ou menina, é incrível. Será macho ou fêmea. Se entramos neste túnel de personagens trocadas. Será que devemos perguntar a um jovem casal de pais: “.Como está o seu bebé - cria? É macho-menino ou fêmea-menina? Há que existir uma certa contenção. O extrapolar, por vezes, trás em si consequência nefastas. As gerações X e os Milennials têm que pensar que o mundo não será eternamente deles, pois que um dia também se sentarão na cadeira ou num qualquer outro Gadget decorativo aquando dos sessenta e seis e aí dedilharão uma reflexão bem mais corrosiva do que esta” baby boomer” efetuou sobre o Inexplicável Mundo Novo.
23 Fevereiro 2020
Maria Teresa Soares