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19 dezembro, 2012

Será Natal?



Será Natal?

No Natal escrevem-se palavras doces. Dizem porque é Natal. No Natal o que é doce crepita e o acre, o amargo, o doloroso arde. É a diferença entre ter e não ter, entre ser e não ser. Porque é Natal.
António mora na rua dos sonhos vazios. Algures na abóbada da escuridão e na luz das estrelas em noites limpas. Mora lá porque não tem casa. Mora porque não tem emprego nem família. Um estado de vida de um país vazio de dias limpos.
Maria não mora na rua porque tem uma cama num quarto aguado de nada. Levanta-se logo que a tinta do dia pincela a noite, veste a roupa coçada, molha a cara na água gelada bebendo as primeiras gotas que por sinal é também o primeiro alimento do dia. Depois desce à rua para palmilhar um quarto da cidade. Bolsos vazios, rosto fechado porque não moram mais sonhos dentro da alma.
Luís é velho. Velho de anos e de tudo. Vive onde calha. Vive por viver. Não tem porque não há nada para ter. Luís não chora porque é homem, é velho e não tem lágrimas. Secaram. Luís tem trabalho mas não tem dinheiro. Vive do que lhe dão. Dizem que é a solidariedade. Dizem.
Joana é criança. São dez anos. Olhos fugidios que escondem o ardor da barriga vazia mais o tremor do corpo melado de suor de fome. É segunda de madrugada. Ainda faltam horas para a escola. Horas para o pão mais o leite da manhã. O fim-de-semana é longo numa casa onde apenas corre o vento do desalento. Infância roubada.
Rita trinta anos. Dois cursos. Nenhum trabalho. Vive na casa que a viu crescer entre o pai e a mãe que comem a sopa aguada e fazem as reformas curtas, crescer. Rita acredita que o futuro vem a caminho. Não viu que o amanhã parou numa Europa para lá dos Pirenéus.
José, o mais português de todos, perdeu o que afinal nunca chegou a ter porque nunca o chegou a pagar. Não teve tempo. O tempo atraiçoou-o. Desliza na fila do centro de emprego na vã busca de uma ocupação. Nada. O nada de ontem, de anteontem, de hoje, de amanhã e depois e depois, somam-se impiedosos ao tempo vazio que é o seu presente.
Gente que habita o meu mundo. O teu, o nosso mundo. Não o deles. Gente tolhida entre um passado breve, um presente vazio e um futuro que não virá. Gente do meu pais, gente que amo, porque sou eu, tu, ele, ela, nós. Somos todos. Somos gente. Não somos estatísticas, decretos, falácias ou peças de oratória. Nos nossos estômagos não moram as palavras, coabitam sim, os sucos que os fazem roncar de tanta fome.
Natal de brilhos, árvores, presentes, sorrisos e calor. Onde pára? Perdeu-se também?
 E as gentes passam, passos breves em calçadas puídas de desejos. E as gentes mal sorriem porque não há nada para sorrir. E as gentes suspiram não pelo frio nem pela chuva mas pela dor, pelo engano, pelo desalento, pela fome e pela amargura a que as sujeitaram. Um povo quase violado.
Amanhã será Natal. Dizem. Será mesmo?

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05 dezembro, 2012

Poema de Natal
Vinicius de Moraes

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.



O poema acima foi foi extraído do livro "Antologia Poética", Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1960, pág. 147.

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