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Alguém que ama a vida e odeia as injustiças

16 dezembro, 2017


. .Dias de Dezembro. Dias de quase Boa Vontade
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O ar o branco do dia pintalgava-se de cinzento do frio. O céu estava carregado. Não de chuva, mas de vento e tempestade. Um frémito de tristeza percorria -o. Não se via pássaro, nem tão pouco, se ouvia qualquer pipilar. Só o vento vergastava, aqui e ali na dança corrida dos dias tristes. Era dia de Dezembro, daqueles que vêm antes dos vinte e cinco, plenos de intenção, brilhantes de vontade e recheados de doce de coração quente. Dezembro de antes do Natal. Dezembro dos dias tristes e das luzes brilhantes para o enganarem. Dezembro dos que viajam no trenó dos desejos. Era Dezembro de vento e luz. Dezembro do Menino a nascer e do Pai Natal de vermelho. Era Dezembro intermitente de soluços e sorrisos, de lágrimas caídas, apagadas e de impulsos breves, de vontades fáceis. Era o dia frio, antes do dia quente por ser; era o dia triste antes da luz o alumiar. Era o dia das filhós, das rabanadas, dos cânticos salteados no conforto da sala.
Em pé junto à lareira, de olhar preso na chama intensa e quente, o homem cruza maquinalmente os dedos da mão direita.; aliás não é um cruzar, mas antes um sobrepor. Sobrepõe o indicador ao médio, e o médio ao indicador, numa dança hirta de graça. Está ali em pé como poderia estar num outro sítio. Está só. Ouve, ao longe, o barulho da gente, um quase matraquear de sons, que quer indistintos para não os compreender. O homem continua a cruzar os dedos na sua dança de memórias. Cruza e descruza. Voltas e reviravoltas da vida. Dias de hoje e dias de ontem. Vozes aqui, e vozes ali. As que estão, as que foram. Dezembro dos dias. Dezembro das memórias.
O homem cruza nos dedos a sua solidão. Descruza as vidas perdidas. Cruza a dor e descruza o vazio. Cruza o olhar no fogo. Quente e ladrão. Ladrão dos seus dias, da sua vida.
Lá fora, além as vozes continuam. Não as suas vozes. As outras. As que restaram. É Dezembro dos Dias, Dezembro das Horas, Dezembro das Memórias. Dezembro do Renascer, Dezembro do quase Natal. Dezembro cinzento de mágoa e quente, de talvez, ilusão.
Murmura:
_Meu amor estou contigo.

Maria Teresa Soares

17 outubro, 2017

. .Estória do meu país.
A s personagens:
  António vive na vila, é um cidadão comum, tão comum que ao domingo se levanta mais tarde, toma o pequeno almoço no cafezinho da vila, depois vai à missa ouvir a palavra do Senhor regressa a casa almoça um repasto melh
orado, e, depois de uma breve soneca vai dar um passeiozinho com a família, ou então, visita a família espalhada pelas redondezas. Regressa ao anoitecer, vê as noticias, boceja e beatífico vai para a cama. A semana seguinte é de trabalho. Há que repousar.
 Rita é citadina. Não de uma grande cidade, daquela que nós chamamos de província já com boas condições que permitem uma boa qualidade de vida e sobretudo tranquilidade de espirito. Rita também se levanta mais tarde. A semana foi pesada. O inicio do ano escolar é sempre complicado. Há que ajustar mil e uma coisas. A roda dentada dos dias tem que ser oleada. Ser mãe e pai é algo acontecido, não deliberado, mas beatificamente aceite. É a vida.
Hoje vai com os garotos à aldeia. Prometeu aos pais lá ir almoçar.  Fica só a trinta quilómetros entre ir e vir. Tem que se despachar. A preguiça toma o tempo.
Miguel é mecânico de carros. Vive naquele oásis entre a aldeia e a vila. Nas horas vagas é bombeiro. Este fim de semana deixou a mulher e os pequenos e foi apagar o fogo. Tem sido um verão sem parar. Graças a Deus que tem tido alguém a olhar por ele. Já viu coisas que um homem não deve ver, nem saber. Mas é a vida!
Maria é política, tem um lugar de destaque no governo. Levantou-se cedo, aliás foi acordada pelo ruído do telefone.  Arranjou-se e correu para o ministério. Entredentes maldisse a sua vida, ou antes, a ausência dela. O poder estava a começar a cansá-la. Não o poder, sejamos claros, as emergências que o poder exigia.  Uma vez mais os malditos fogos. Não podia fazer muito. Toda a pirâmide estava minada havia décadas. Sem dinheiro, pouco ou nada se podia fazer. Depois havia interesses, coisas que não se podiam mexer. A teia ia muito para além de qualquer reforma da floresta, da prevenção aos incêndios, de mudanças na proteção civil. Em resumo há lobbies em que é quase impossível mexer, e o dos bombeiros também era um. Dizer isto ao cidadão comum era fazer uma enorme clivagem política, de interesses e até de sentimentos. Só podia dar a cara, gerir o pouco que havia para gerir. Evitar o grande caos, se possível. A política não vê, não ouve, não sente. A política apenas se esculpe. E, assim pensando, abriu a porta do gabinete.
Nuno é jornalista. Está na redação desde bem cedo. O instinto leva-o a estar ativo. Pressente, que o dia vai ser longo. Há que dar a noticia, há que não deixar escapar o todo. Estar ali e aqui, estar no acontecimento, estar em direto, estar sempre no local. O público vive das palavras, das imagens, do despoletar dos sentimentos, da dor do outro. Há que mostrar, quase infernizar as consciências. Não criticar somente cobrir o acontecimento. O papel principal de um jornalista em direto.
Os acontecimentos.
Não se quer saber como, mas sabe-se porquê do dos acontecimentos. Alguém ou muitos alguéns resolveram fazer queimadas ou por ignorância, ou por maldade, ou por ganância, ou por tudo aquilo que o povo sabe e não quer pensar.
Da cintura para cima do país labaredas vermelhas, laranjas, quentes, brutais, queimaram, assaram, devastaram, fumaram, enfim criaram a dor e o vazio. As gentes gritaram de dor física, de dor mental, de dor vinda das entranhas apunhaladas na labuta das vidas. Retorcidas nos esgares, nos gestos de mãos erguidas e lágrimas pingadas.; de choro acre e sangrento; de gritos e ais estiolados num ar negro, sufocante de ignescências. As chamas riram-se das gentes boas numa dança de macabra de ambição, podridão e morte. A morte rondou, desceu e roubou gente, a nossa gente. Ontem e hoje o meu país ardeu. Arderam os pinheiros, os eucaliptos, os carvalhos, os castanheiros, as oliveiras e tantas, tantas outras. Arderam as casas, os casebres, as capoeiras, canis e mais e mais. Ardeu a gente por dentro e por fora. Ardeu a alma de um povo. Foi o último domingo de António. Morreu queimado na sua casa, a que construirá com as suas mãos, envolto nas labaredas vermelhas da cor do seu sangue. Morreu na asfixia enrolado em si de mãos hirtas e dedos convulsos.
Rita ficou presa no caminho entre mantas negras que a asfixiaram e aos filhos. Jazem na cama branca entre tubos e emplastros de gordura. Da simplicidade de um almoço e calor parental para frigidez translucida do hospital. Os pais da Rita choram e abanam a s cabeças na sua imensa alma dorida. Miguel, o bombeiro, olha-nos de olhar vazio. Aqueles olhos viram mais do que é permitido à gente deste mundo. Miguel não fala, respira o ar amarelo do dia, apenas porque vive. Vive, perdido no horror do dia de ontem, vive porque teve a sorte de não ser apanhado. Tanta desordem em nome do comando. É o que pensa, é o que sente. Maria saiu do gabinete e entrou noutro maior onde se pressupôs seguir as operações. A politica não sente, a politica não é gente, é intenção. Não serve à gente, não resolve as crises, não mitiga a dor, nem salvaguarda o quotidiano. Perde-se nas palavras, ditas de promessas.
Nuno descansa. O dia foi grande. Cumpriu. Uma desgraça. Passou o caos, passou as palavras dos dirigentes. Palavras contritas, contidas e verdes de esperança. O único verde que remanesceu, porém, já uivado de negro, do ar em que foram proferidas.
Esta foi a estória do meu país. Durante ias vai-se ouvir todas as hipóteses viáveis, corretas e honestas para o futuro. Mas será que teremos mesmo futuro? Será que no meu país o laxismo, facilitismo, o adiar são as ferramentas que o dirigem?
M aria Teresa Soares

15 outubro, 2017

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O Fio dos Dias






Tomás, homem dos dias, balança-se na cadeira do café do bairro. É ali que mata o tempo. É ali que joga ás cartas com os parceiros dos anos. Tomás não é velho, mas é idoso.
Hoje senta-se mais curvado do que nos outros dias. Não que os ossos tenham chiado mais ou que a cadeira esteja mal assente. Hoje é um dia, mais um do que ontem, é certo, e, menos outro do que o de amanhã, em que está, sem estar ,estando em si, todavia com vontade de sair.É daqueles dias em que está irritado, não é bem isso, é algo que vem das entranhas até à cabeça e da cabeça ao corpo. Não sabe definir. Nunca soube. Tem dias assim. Poucos, é verdade, mas tem. E, hoje é um deles. Há impaciência até nos pés titubeantes que descansam no chão de mosaico. Está inquieto desde que se levantou bem cedo. Os gestos denunciam-no. Quando pegou na caneca de leite, entornou-a, quando pôs a manteiga no papo seco, esta saiu dos bordos do pão. A sua Agostinha olhou-o, com aquele olhar dos anos, meneando a cabeça. Calou-se. Só olhou. Nesta altura da vida as palavras não existem porque se gastaram, somente o olhar fala. Saiu para a rua resmungando entredentes contra tudo. Aliviou-se. Mas não descansou.
Caminhou lento até ao café. Vazio. Preguiçosos, os amigos. O Júlio, o dono, olhou-o por entre as pálpebras semicerradas deu-lhe os bons dias. Mais nada. Adivinhou trovoada. Conhecia-o. Tomás sentou-se na cadeira que hoje não estava direita tal como o seu espirito e pegou no jornal que por ali descansava. Folheou-o mais por hábito do que por curiosidade. As noticias eram iguais todos os dias. A prosa repetia-se mo vai e vem dos verbos e adjetivos. Os substantivos eram comuns. Tudo era rotina. Igual. Como os dias.
Tomás pigarreou não para aliviar a garganta, mas antes o espirito. Para se sentir vivo. E os amigos que não chegavam. Queria implicar. Tinha vontade disso. Queria ser ouvido. A idade dera-lhe este atributo. Ter a sua opinião, muita opinião. Passara a vida a cumprir. As regras. As horas, Os dias. O tempo. Tudo organizado no fio da ordem. Agora não tinha fio, não tinha dias, nem horas, nem tempo. Eram dias vazios, quase vazios. Eram cheios pelas palavras do café, pelo silêncio de Agostinha, pelo sono do sofá e o matraquear da televisão. A rotina dos velhos.
Precisava de falar, de se fazer ouvir e ser ouvido. Precisava de que alguém o contradissesse para se sentir vivo. A sua inquietação era afina,l sentir. Sentir. O tempo também lhe estava a levar o sentir. Aquela necessidade de vida, que via fugir. A premissa de pensar, falar, rir e chorar que o tempo lhe estava a roubar. Tomás sabia-o lá bem no fundo, por isso estava irritadiço. Queria rebentar, mas não tinha razão para isso. Ser velho, é isso mesmo querer viver,ainda e sempre.
Tomás suspirou. Estava a rezingar consigo. A sua raiava diluía-se à medida que o entendimento o percorria.
Olhou por entre o vidro da porta e viu João, o velho amigo, virar a esquina.

 O tempo estava a chegar. 
MT Soares




16 setembro, 2017

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A Tolerância e o caos.

Vivemos no mundo que criamos. Não gostamos dele, mas, facto é, que o criamos. Somos como que uma espécie de pais diletantes em pedagogias, as quais, afinal, se voltaram contra nós. O mundo está caótico. Não o queríamos assim, tal como não queremos os nossos filhos amargos e conspícuos.
Pois, então um berbicacho; Uma faca de dois gumes; Algo incontrolável; Uma dor de cabeça. E por aí fora vamos acrescentando mil adjetivos e frases de ocasião para os momentos que paulatinamente fomos gerando, diga-se, com a melhor das intenções e, se acaso não as foram, com a melhor da nossa ignorância feita boa vontade.
 O mundo está um caos.
Prepotências, terrorismo, guerras, más vontades, intrigas, desencontros, inimizades e por aí fora. Assim nos dias pares tentamos colar sorrisos e conceitos quase, quase de faz de conta e que ficam bem, o mais que não seja nas curricula das palavras, pois que no das intenções, ficam quase sempre em arquétipo aberto por ser, respeitantes, claro está, aos dias ímpares.
O mundo está do avesso.
O politicamente correto inundou-nos à laia de tsunami mental, se por acaso tal fora viável. Não se chama mais aos cornos, cornos, nem às coisas o seu nome real porque, vá lá cum Diabo, magoa-se o nosso parceiro, É um magoar superficial, mas é quanto baste. Exatamente como nas receitas. É na superfície que se vive. O que se vê, prevê e entende a dois passos de distância é a regra. O resto, a verdade, crua, nua e obscura, há que esquecer. Até porque não é politicamente correta.
O mundo está incorreto.
O incorreto é visível quando garotos de ambos os géneros se dedicam a praticas de destruição. em nome de uma verdade Divina, de uma crença acrisolada em negação, num míster destrutivo de futuro, em suma aos meus olhos de ocidental respeitador de todas as verdades divinas, numa mentira incontrolável de poder. Não o sabem, alguns, deleitam-se outros, e riem os que manipulam.
O mundo vive de marionetas.
Neste proscénio em avesso, os bonecos são manipulados não pelos paus e fitas que lhes dão vida, mas sim, pela lavagem mental, pelo politicamente correto, pelo verbo tolerante conjugado num presente imperfeito, conjugação presente em modo agudizado. As marionetes deixaram de ser motivo de alegre riso para se tornarem os títeres do passivo presente.
O mundo é o nosso catre
É nele que nos deitamos ou acordamos. É nele que vivemos. Certo. É nele que plasmamos o presente e gizamos o futuro. Analisamos o passado sob a mira precisa do microscópio tentando apagar os erros cretinos dos avoengos. A evolução é a nossa mais valia, e também o nosso maior detrator. Revela a nossa mediocridade em melhorar, em não cair no facilitismo da tolerância balofa. A Tolerância é uma senhora, e não uma meia senhora ou uma qualquer prostituta, digo profissional do sexo como se deve escrever. A Tolerância, a Verdade, o Poder, a Correção, a Sabedoria e o Estar no Mundo são as premissas que fazem o mundo caminhar. Porquê então cortar caminhos e criar atalhos? Porquê então fazer da verdade mentira, e da mentira verdade?
Basta! Sejamos aquilo que somos, isto é Corretos sem o politicamente, Crentes sem acrisolamentos e quase, quase Divinos sem religião.
 Boa Tarde, meus amigos.
MT
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As vidas do outro lado
Vem enrolado em espiral de frio, o vento, que empurra estrada abaixo. Vem depressa como se fora apanhar o autocarro das oito. Sopra embalando-se no seu silvar.
Na calçada gasta de passos, mais de vento, chuva, terra e anos, Júlia estuga o passo. Tem que se apressar. Já devia ter pegado às oito. Vai entrar com a casa já despida de gente. A patroa não gosta quando ela se atrasa. Depois fica tudo de pernas para o ar. As meninas deixam tudo numa desordem provocada de mimo, a senhora, não; o senhor, muito menos. Só as meninas, sempre as meninas. Dois pivetes de adolescentes estragados. Despem-se e vestem-se, vestem-se e despem-se. Lavam-se e sujam-se, sujam-se e lavam-se. A Júlia apanha, a Júlia lava, a Júlia passa, pendura, ajeita e suspira.
Mais um dia de colheita de roupas, de ajeitar e ordenar. Mais um dia de corre-corre. Mais um dia de trabalho. Tudo desliza maquinalmente. A ordem, o direito e o avesso da casa são-lhe tão familiares que nem precisa de pensar. É só repetir o que fez ontem, anteontem, antes, e antes, sempre, desde o primeiro dia. Depois tudo foi igual. Até o ordenado. Tudo igual. Só aos anos se somaram as dores, que apareceram ora nas pernas, ora nas costas, e por aí fora. Mas isso não conta, o que conta é que daqui a pouco já ganhou o seu dia, o pão que mete na mesa. Também tem adolescentes. Diferentes. Não são melhores nem são piores. Só não jogam o vestir e o despir de roupas atiradas ao chão, ou enroladas nos armários ou atiradas no cesto da roupa suja. A abundância não enfeita os guarda-fatos lá de casa. O tropel dos rapazes e raparigas fica-se pelas escadas ou pela rua. O frigorífico não desatina num abrir e fechar enquanto as prateleiras se esvaziam num pestanejar súbito das bocas. Tudo é pequenino na sua casa. Até o tamanho da sua gente. Aqui, cresceu-se, espigou-se, esticou-se. Lá devagarinho pespontou-se.
As suas meninas e o seu homem não correm, antes, circulam com a lentidão do pulsar escasso das suas vidas. Não há fome em casa. Há apenas pouquidão Não há corre-corre há vagar. Tudo é feito à medida dos bolsos de cada um. Uns são cheios, outros menos cheios, outros ainda pouco cheios e há-os vazios. Os seus são de acordo com os dias do mês, se bem que nunca encheram. Coisas deste lado.
Ela é uma simples empregada de todos os dias. Cabe-lhe arrumar e endireitar parte das vidas corridas dos patrões. O seu papel não é principal, porém secundário também não é. Fica naquela dependência que os patrões têm para que possam avançar. Precisam que lhes poupem o tempo para as tarefas ditas superiores. Mas o que seria da vida, se não houvesse as Júlias e os Manéis para desempenhar o que os outros não sabem ou não querem fazer?- Júlia orgulha-se do seu papel. Ela é o lado, que não se vê mas que é preciso.
Bate a porta e fecha-a. desce os degraus do jardim. Na rua, o vento enrola-a de novo, embala-a. Puxa o casaquito contra o peito e num breve esgar de sorriso murmura: “Vida, mesmo sem porteira. Maldito vento!”

14 setembro, 2017

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Ser velho, idoso, gasto, depauperado, enfim já vivido!

Agostinho é vivo, ardiloso, galante e quiçá quase, quase mulherengo. Agostinho ronda os setenta e muitos. Quem o vê, nota um idoso enxuto, encarquilhado, vacilante, mas de olhar saltitante. Ainda suspira quando passa perto de uma mulher jovem. A sua libido ainda borbulha. Dizem, os malsabidos que os velhos não sentem, são inseguros e pranteiam. Agostinho lacrimeja do pó dos anos, suspira nos dias da Primavera e abre o coração nos dias dourados.
Num dia destes, Agostinho pegou na motoreta, pôs o capacete e foi de passeio até à praia. Não gosta de filas e muito menos de autocarros e elétricos contorcidos de gente com rosto de maçãs verdes. A fruta que Agostinho prefere é o pêssego. Bem maduro, saboroso, meloso e com aquele fio de sumo a pingar pelos beiços. As maçãs verdes e ácidas destes tempos arrepiam-no. Por isso não gosta dos autocarros, sempre cheios e ácidos. Estrídulos como a fruta verde.
Devagar porque a pressa é para quem ainda não vivei e teme pelo tempo, chegou à praia. Espraiou-se na esplanada de um café. Não esborrachou o rosto no ar porque não existia parede de ansiedade. Semicerrou o olhar e apreciou o mulherio. Esbeltas, corças jovens; redondas, leoas de família; as mais velhas de pé aqui, salto ali, uma torcer mais um endireitar provocaram-lhe o sorriso nos lábios finos dos anos. Gostou. Afinal, as mulheres mais despidas ou mais vestidos mantinham aquele jeito de séculos, a sedução. Agostinho reclinou-se e voltou a razão para os jovens desarticulados que se espremiam em olhares e trejeitos perto das corças como se fossem olharapos em andança. Estava satisfeito. Beberricou a sua imperial, recostando-se na cadeira de plástico verde.
Agostinho pensou então como era feliz por ser velho, idoso, depauperado enfim vivido. Ele, o velho, tinha no corpo e na razão o cofre dos anos vividos, o olhar das coisas belas, ele não precisava de descobrir e experimentar, porque sabia. Afinal, concluía Agostinho:
A vida era mesmo um pêssego rosado e suculento. Abaixo a maçãs verdes é acidas. Que feliz estava por ser velho!

07 setembro, 2017


. .Setembro e as lágrimas de verão




Setembro, dizem uns, é o mês da despedida, outros afirmam ser o da chegada. Em permeio ficam os dias. Acordam com lágrimas de neblina e deitam-se enrolados em manta de seda azul rota de estrelas. Há nas horas um não sei quê de espera macia, um rolar de tons vivos, um sussurro do vento que parte, um brincar de desencontros que borbulham nos sentidos. É Setembro. O principio do que vai chegar, e o fim do que está de partida. Setembro é a natureza suspirada. Setembro é o istmo entre o ouro e a púrpura.
Setembro traz no útero a bruma do amanhã. Germina-a. Humedece e deixa cair as lágrimas purpúreas, amarelas e verdes tristes. Tapetes de despedida pisados no vai e vem das horas.
Setembro despe-se. Na sua incipiente nudez há ainda a timidez virginal do tempo de solidão, a inocência do despojo. Setembro é mulher. Caprichosa e despojada.
Setembro é lágrima de verão em prece de Outono