Quem sou eu

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Alguém que ama a vida e odeia as injustiças

30 março, 2009

As Três inverdades.
Recebi do "Aguarelas de Turner" esta corrente à qual agradeço ,e também respondo. Adivinhem pois a três "inverdades" como se diz por ora, que aqui vão sobre mim.
Desafio os mais perspicazes.

1-Se fosse possível passaria a vida a viajar.
2- Espero reformar-me daqui a um ano.
3-Aprecio a verticalidade no ser humano.
4-O campo dá-me paz.
5-Adoro comida japonesa.
6- Sou uma óptima dançarina
7-O atum é o meu prato preferido.
8- Não adormeço sem ler.
9-Preciso do mar e da música para ser "Eu".



E agora, lá vou "lançar-lhes o isco" a ver se pega, não sem antes os presentear com o "Blog de Cristal".

Menina marota.
Voando por ai.
Casa de maio.
Essência do ser
Eremiterio

27 março, 2009

Beija-Flor




Beija-Flor

Beija-flor trinou batendo as asas num repique de graça. Poisou devagarinho no cardeal cor de ciclame e olhou em redor. Beija-flor descansou.

O sol escorria numa quentura morna de sentidos. As folhas verdes gotejavam de brilho. O ar colava-se ao corpo.

Naquela hora, a modorra visitava a natureza mais o homem. Porém beija-flor continuava trinando, a melodia chegou no vento à casa amarela. Clarisse deitou a perna cor de canela para fora do lençol. Rolou a carne na tepidez do ar. Salivou os lábios túrgidos, pestanejou, bocejou e botou o braço para fora. Depois apurou o ouvido. O trinado do beija-flor picou-lhe a orelha.

Beija-flor tinha voltado. Era tempo de amor

Dengosa enrolou as pernas rebolando as ancas. O gesto destapou uma ode de canela perfumada e palpitante. Faceira agitou os caracóis apertados que teimavam em tapar-lhe o olho de veludo. Estendeu a vista por baixo e gostou do que viu. Mulata boa e tenra. Ela sabia. O corpo pedia e o desejo subia.

E beija-flor trinava.

Cobriu o corpo lindo com vestidinho de alcinhas. Algodão vermelho macio. Sozinho, assim em cima da carne. Uma simplicidade feita beleza.

Enfiou os pés nas chinelas e saiu para a rua. O desejo mole alagou-lhe os seios. Uma coceira redonda. De cima para baixo, e, de baixo até cima. Um zumbido sem tino.

Bateu o portão do quintal. O calor envolveu-a ainda mais. Um treme-treme a ardejar-lhe o corpo. Clarisse zonzou. Deu um passo, mais outro e o requebro de anca tomou conta dela. Gostou.

O beija-flor a trinar e Clarisse a menear.

Vai mato dentro. A melodia chama-a. Beija-flor é o seu maestro.

Bilhó, mulato escorreito está jardinando. Vê Clarisse no vestidinho vermelho descendo a rua e dengando a cada passo. Não despega olho, não. Aquela moça tem mandinga. Aquele meneio de canela abrasa-o. Clarisse vai já longe. Levanta-se, deixa o sachinho mais o balde de lado. As flores que esperem. Ele tem que ir colher aqueloutra flor. Já na rua, estuga o passo como se fora gato esticado. Pé aqui, pé ali, na pegada do feitiço de canela. O sol ateia-o ainda mais.

E beija-flor a encantar,

Clarisse ouve cada vez mais perto aquela flauta de trinados tão puros. Parece som de prata a cair na água. Tão lindo! Tão lindo que até dói. E o calor que alaga o corpo. Sente as coxas molhadas. Espreita por dentro do vestidinho de alças. Tudo parece maior. Cresceu. Sente a cabeça a rodar. Olha em volta e de revés. Vê mulato Bilhó. Rapaz bonito e enxuto.

Gosta.

Sente o latejo do seu corpo de canela. Olha-o de soslaio. Espicaça-o. Freme. Pára. Corta um cardeal da sebe de Dona Letinha. Mexe na flor, acariciando o estame erguido. Passa-a pelo rosto olhando para trás de olho bem aberto, lança uma gargalhada. Ai, que ele vem vindo. Ai!

Beija-flor continua trinando e Clarisse dengando.

Aquele tecer insinuante de sentidos faz a coragem de Bilhó subir como se fora balão redondo escapulindo da mão de menino. Estuga o passo. As pernas ágeis desentorpeçam os passos da distância. E chega-se por trás assim devagarinho. Passa-lhe a mão na nádega que adivinha firme e de jeito coloca-se a seu lado.

Sorriem. Olho no olho. Há a luz do desejo a verdade não tem palavras. Tem gesto.

Dão as mãos. Os braços balançam ao ritmo do andar. Bamboleado em jeito de partilha. Um bater de asas contínuo como se fora beija-flor.

A acácia está florida, o cheiro enreda mais. Clarisse encosta- se ao velho tronco. Defronte beija-flor pipila sobre a folha verde da samambaia. Parou agora. Parece que os está mirando. Bate as asas, assim, sem parar. São as asas de beija-flor ou as mãos de Bilhó num desatino na sua carne de canela?

Suspira fundo, de prazer e fecha os olhos.

Clarisse não sabe mais onde está. Tudo rodopia. O sentido do mundo gira no ventre de canela. A maldição de mulher no suspiro do prazer, fá-la estremecer. Que gostosura, que mundo de sentir. Bilhó é macho possante. Dá-lhe o prazer da vida no reboliço de um vai e vem. Clarisse geme e geme. Trinado de mulher. Pipilar de fêmea. Primícias

Na árvore beija-flor humedeceu. Está quedo. Os olhos mais a cabecita movem-se irrequietos.

A música mudou. Cicios de mulher em pauta de sentir.

Beija-flor pia solitário.Logo, logo, um outro e mais outro…e ai, outro ainda, soam em redor.

Pipilo ou cicio? Beija-flor ou Clarisse?

Confusão!

Sob a acácia as vitualhas do prazer jazem em silêncio. Escuta-se o segredo da tarde embrulhado num trapo de sentidos já contados. Clarisse sonolenta de gozo, estende a mão para o rosto de Bilhó. Interlúdio de carne. Estrofe de som.

A samambaia estremece no seu verde. Beija-flor saltita. Um toque aqui, outro ali. A carícia de uma asa. Um esvoaçar permanente. Uma íris de cores. Beija-flor está feliz.

Beija-flor ou Clarisse?

Pássaro ou mulher? Pipilo ou cicio? Quem sabe? Quem ouviu?

Gente não foi.

Na casa amarela a tarde acordou. Clarisse sentada no banco da cozinha descasca o feijão. Ploc, ploc e o grão vai caindo na bacia azul. E a bacia vai enchendo, enchendo tal como o devaneio de Clarisse.

Algures um beija-flor, um benjamim de ilusão vai esvoaçando…


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Songbirds - Corciolli
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21 março, 2009

Confissão



Confissão



Maria desce a ladeira. Na cabeça uma braçada de vimes ainda à pouco apanhados. Pega na ponta esquerda do avental riscado, fino dos tempos, e limpa o aguado dos olhos. Depois passa-o ao de leve pelo rosto vincado. Perto do carrapito, ainda acobreado, os vimes acamam-se. Larga a ponta do velho avental e, roda os ombros na procura do equilíbrio. Lá vai ladeira abaixo. As pernas jogam os passos, mais as canseiras, no ar. O corpo, magro, liso de formas, onde os seios descaídos percebem as maternidades mais os trabalhos de quartilho e muito de século, arrebata o ar à medida que caminha. Maria não sorri. Maria não chora. Maria respira fundo e olha em frente.

Foi ainda ontem que ela e o seu Amílcar se casaram, lá em cima na capelinha da Senhora da Aparecida, onde as vistas se alagam e o sonho se serve. Foi ainda ontem, que pariu a sua Rosália e depois veio o João, e o Paulo, e a Irene, e a Laura, e o Ricardo agora, agora não sabe bem se este virá. Não sabe não. Tantos trabalhos, tantas canseiras.

Está gasta, roída. A chama da vida consome-a. Os dias são de luta. Ora a casa, ora um trabalho de jeira aqui e além. Aquelas bocas entreabertas, os olhos mudos, os corpos secos. O pedir calado de quem tem sempre falta, falta de comida, falta de aconchego, falta de amor.

Falta, falta.

E os dias sempre a correrem. Hoje um jeito aqui, amanhã ali. As barrigas que pedem sempre mais, as pernas que crescem, os corpos que se formam, os pés que saltam. E o maldito dinheiro, sempre curto. E ela? Parou no dia em que se casou. Deixou de contar. Eles não têm culpa, mas ela também não. O seu Amílcar é assim, serve-se e pronto, não quer saber. Bota-se na cama, puxa-a, cobre-a e depois sai satisfeito. A doutora deu-lhe a pílula mas ela não a suportou. Mandou-a pôr não sei o quê. O seu Amílcar disse-lhe logo, que mulher sua não andava por aí, a abrir as pernas, nos consultórios. Teve também vergonha e conformou-se. Depois os filhos eram criaturas de Deus, como dizia a sua mãe, que tivera dez. Um inferno de pernas e caras numa casa de três quartos. Uma broa para doze bocas. A miséria. A fome e o vento que sempre a acompanhou. Antes de se casar sonhava que a sua vida tomaria outro rumo. Mas afinal o seu destino fora quase igual ao da mãe, da tia, da prima, da avó, das mulheres do seu mundo, tudo a papel vegetal, como o traço do bordado.

Maria foi à escola e até andou no ciclo. Até fez o sexto ano. Queria mais, mas a mãe foi peremptória. –“Ó Senhora professora, a rapariga já sabe demais, e ós depois eu preciso dela em casa pra ajudar cu ranchinho. Os homes na gostam de mulheres a saber muita cosa. E a Maria Rosa tem que casar, e ter a vida dela.”

Pronto fora assim. Aos doze anos acabara-se-lhe a meninice. Depressa criou o sonho de casar. Uma espécie de rebuçado para o dia-a-dia sem doçura, que ia trincando. Lá cresceu espigando os ossos. O Amílcar botara-lhe o olho, e ela, não lhe soube dizer, que não. Depois fez as contas, ele estivera emigrado em França, logo devia ter umas economias. A madrinha deu-lhe o vestido, mais um dinheirito. A boda foi coisa simples e pronto lá se casaram.

No inicio, andava, assim meia zonza, de parva. Sentia-se dona do mundo. Uma casa só para ela mais o seu home. Não era grande, mas parecia-lhe um palácio. Três quartos! Era velha, pois era, mas o Amílcar era muito jeitoso, e, pouco a pouco, deu-lhe um ar concertado quase novo. Não tinha adornos, porém ia vivendo. Os dois primeiros filhos vieram. Tudo bem. Até ficou feliz. A sua Rosália e o João.

Houve um dia, aquele de Maio, quando o seu Amílcar teve o acidente. Ficou debaixo do tractor. Foi uma desgraça. Ficou todo partido. Meses de tratamento, meses de angústia. O dinheirito da França, de trabalho foi todo, todo. Ficaram de bolsos e mãos vazias. Ele não pode trabalhar mais. Ficou aleijado. Uma desgraça nunca vem só. Atrás da doença, veio o álcool e o inferno. Depois foi um eito de filhos, de raivas e dores. Agora acabou. Vai botar este fora. Vai, vai!

Amílcar não sabe e nem vai dizer-lhe, nem à mãe. A ninguém. O corpo é seu, as dores são suas. Mais bocas, mais miséria, mais de tudo e de nada. Está farta, gasta, vazia. Isto não é vida. Maria Rosa não é feliz, e os seus pequenos também não. Revê-os nos seus olhares silenciosas, nas bocas fechadas, nos sorrisos tristes, na cor dos rostos, nos suspiros e nos sonhos que espreitam das pupilas paradas. Revê-os quando olham para a vida a saltitar, revê-os desgostando os livros e a escola. Revê-os num amanhã igual ao dela, que não quer.

Amanhã vai ter com a Tia Amélia a que os traz e a leva ao mundo e do mundo. É parteira. Está reformada. Trabalhava no hospital. Agora faz desmanchos, todos sabem mas ninguém diz. Silêncio O pior é o dinheiro que leva. Lá vai ter que o arranjar. Raios partam, só para os fazer é que é de graça. A vida é mesmo uma coisa sem tino.

Maria está deitada na velha cama de ferro. Arde em febre. Sente-se mal, doente. A boca seca, a fronte húmida e as dores que a violam. As entranhas ardem feridas de vazio. O corpo treme de anseio parido e desventrado. As pernas estão tensas, os músculos doem-lhe. Depois aquela náusea que sobe por ela cada vez que suspira. Não vem das entranhas, vem de dentro, do peito magoado, de uma dor por explicar. Só quer fechar os olhos e dormir, dormir. Talvez tudo passe. Talvez. Amanhã é outro dia.

E a noite avança quente e esfrangalhada. Amílcar meio bêbado como já é hábito espanta-se ao vê-la na cama, mas logo se descuida. O pesar foi breve, os vapores já o adormeceram. Os garotos estão deitados, os mais novos. Rosália, a mais velha, tratou do resto. Ela percebeu. Olhou-a bem no fundo, sem palavras, sem movimento, apenas e só aquela mensagem. “Também sou mulher, Mãe”. Sentiu o seu apoio. Deu-lhe força.

Acorda de uma noite de fantasmas, de delírio, de luta, de dor. Olha para o seu lado direito, vê um homem vagamente familiar, um rosto talhado na rudeza, uns cabelos curtos e ásperos, um ar lerdo. Ressona naquele despudor dos últimos vapores do álcool. Pouco a pouco toma conta do seu corpo. Apalpa-o como nunca fizera. E uma vez, e outra Sente-se. Vem-lhe ao nariz o cheiro do homem. Misto de suor, álcool e tacanhez. Espanta-se consigo. Quer levantar-se sair dali, lavar-se, não olhar, não ver.

Sózinha no meio da madrugada, abre a porta da cozinha, desce para o quintal. O frio fá-la estremecer, aperta o xaile, que colocou sobre os ombros, aspira o ar limpo. Volve o olhar para cima. Respira fundo. Cerra os punhos, abre os olhos ao amanhã que vem tingindo os seus sentidos. Sabe que vai ser diferente. Sabe, finalmente que é dona de si. A única. E sorrindo confessa-se:

-Acordei .Sou mulher!


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Spring

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17 março, 2009




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.Uma Voz Na Pedra


Não sei se respondo ou se pergunto.
Sou uma voz que nasceu na penumbra do vazio.
Estou um pouco ébria e estou crescendo numa pedra.
Não tenho a sabedoria do mel ou a do vinho.
De súbito ergo-me como uma torre de sombra fulgurante.
A minha ebriedade é a da sede e a da chama.
Com esta pequena centelha quero incendiar o silêncio.
O que eu amo não sei. Amo em total abandono.
Sinto a minha boca dentro das árvores e de uma oculta nascente.
Indecisa e ardente, algo ainda não é flor em mim.
Não estou perdida, estou entre o vento e o olvido.
Quero conhecer a minha nudez e ser o azul da presença.
Não sou a destruição cega nem a esperança impossível.
Sou alguém que espera ser aberto por uma palavra.

António Ramos Rosa
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