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Alguém que ama a vida e odeia as injustiças

31 agosto, 2007

St. Exupéry...


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Não confundas o amor com o delírio da posse, que acarreta os piores sofrimentos. Porque, contrariamente à opinião comum, o amor não faz sofrer. O instinto de propriedade, que é o contrário do amor, esse é que faz sofrer. (...) Eu sei assim reconhecer aquele que ama verdadeiramente: é que ele não pode ser prejudicado. O amor verdadeiro começa lá onde não se espera mais nada em troca.

(Antoine de Saint-Exupéry, in 'Cidadela')

30 agosto, 2007

Dona Santinha.



Anda nos seus setenta e muitos. Figura doce. Os cabelos são alvos, o rosto ainda é rosado, as faces são pêssegos maduros de covinhas risonhas. Dona Santinha é uma cesta de fruta a cobiçar o desejo de ternura.

Quem a conhece, sabe que a vida foi um cacto espinhoso de criar e moldar. Mas foi …

Enviuvou cedo, demasiado cedo. A prole era de cinco, todos seguidos. O seu, Albano, que tenha a alma em descanso, era homem de necessidades prementes e cuidados descuidados. Todos seguidinhos sem descanso. A Clara, o Francisco, o João, a Susana e o Afonso, o seu derriço e pecado. Hoje é avó de vinte e um netos e bisavó de cinco bisnetos. Mal sabia o seu Albano o que as pressas poderiam dar…

Sentada na sua velha cadeira, misto de chaise-longue e poltrona Dona Santinha vai desfiando o passado com aquele sorriso doce de sabor cheio. Já lá vão cinquenta e muitos anos. Ai, tanto Jesus!

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-Menina, o seu paizinho chama-a à sala.

-O que é que aconteceu, Maria?

-Menina, eu é que sei. … Vá mas é lá. Senão… já sabe.

-Tu sabes. Diz lá… Tá bem. Pronto…

Com o coração apertado, lá se dirigiu á sala. Bateu, entrou e pediu a bênção.

Sentados, os pais esperavam-na. A mãe quase sumida pela presença avultada e áspera do pai, Parecia mais pequena e ele, com aqueles olhos enormes que pareciam querer adivinhá-la., simplesmente pigarreou e afirmou.

-A menina vai casar-se. Arranjei-lhe um marido. A sua mãe dir-lhe-á.

E pronto. Deu meia e volta e saiu. Santinha, perplexa e meio zonza, ouviu a mãe dizer-lhe que o Albano, rapaz às direitas, filho de Artur Nóvoa, era o seu futuro. Estudara e era um rapaz de bem. Ponto final parágrafo.

Casara-se como mandavam os preceitos. De inicio custara. Dormia com um estranho, mas aos poucos fora-se habituando. E depois não havia nada de amores, como Rosarinho, a sua neta mais querida lhe dizia, era só amizade e depois muita ternura. Tanta que ainda hoje suspirava com a falta daquela onda que a costumava invadir.Aos poucos fora nascendo os pequenos. A primeira é que custara mais, depois fora mais fácil.

Foi naquele Verão. No ano seguinte à Clarinha ter entrado para o colégio. Tinham ido para Moledo, como sempre, desde que se lembrava de ser gente. Estava grávida de Afonso. O verão era esplendoroso. As crianças, um bando de andorinhas sempre de um lado para o outro. A sua Maria era o seu grande apoio. Tinha vinte e oito anos. Sentia-se plena, mulher

O dia fora igual a tantos outros na praia, a Maria levara o almoça às crianças na sua grande cesta. Comera-se na barraca como sempre. Ela conversara com as amigas, as crianças brincaram, no mar, na areia, e regressaram a casa. Depois do banho já deitadas, ela sentara-se na saleta para uma breve leitura. Não esqueceria jamais, a chegada convulsa do pai, dando-lhe a notícia … que o seu Albano tivera um acidente. Que tinha que partir rapidamente, as crianças ficariam.

E lá foi ela.

Foi só e ficou só. Só de alma e de ombro amigo na solidão dos dias que correriam.

A vida, doce até então deu uma reviravolta. Teve que fazer face a tudo. Aos filhos, á casa, aos negócios e á vida. Á vida, sobretudo. Mas não descansou os braços no parapeito das convenções. Pouco a pouco tornou-se dona de si, da sua vontade e do seu pequeno mundo, para além das crianças e da casa.

Santinha Nóvoa foi pioneira, no seu tempo de mulher. Não chegou a vestir calças, mas vestiu a determinação das decisões., num mundo feito de homens e para os homens. Era a província dos anos quarenta e cinquenta. Era o Estado Novo. Era o mundo fechado em si e sobre si.

Era vê-la, lado a lado, com os homens e as mulheres na fábrica de tijolo. Aprendeu o ofício, sujou as mãos e partiu as unhas. Ganhou o respeito. E a Telheira foi pão de muita gente da região. Foi também a côdea e o miolo dos seus filhos, da sua casa e de si. Recorda…

-Dona Santinha, a máquina partiu…

-Minha senhora é preciso, enviar esta encomenda…

-Dona Santinha os operários querem aumento…

Minha Senhora…Dona Santinha… Patroa…Mãe… Menina…

Ecoam os chamamentos no tempo ido. Sente alguma saudade. O tempo foi. Já não é. Hoje descansa, pensa e frui o que sobrou de então. Da vida agitada mas cheia. Da casa de riso fresco e cheio. Das portas que batiam e dos passos corridos na tábua já gasta. A casa, armário de pequenas vidas de tamanho já passado. Hoje é grande, solene, vazia quase ermida perdida no alto. Apenas uma vez ao ano, a casa acorda. Pelo Natal. Repete-se há cinquenta e tal anos, inexoravelmente. Revive em cada data. Depois hiberna no tempo.

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Recordou sonhando ou estava acordada? O tempo já lhe prega destas partidas. Ajeita-se e pega no livro. Olha o telemóvel como se esperasse … por uma voz.

Ah, os filhos que se esquecem…os afazeres. Dá-lhes a desculpa. Vidas. Algumas partidas, outras meias feitas. Escolhas, agora dizem-se opções. Não são as escolhas dela, são deles. Mas gosta das suas duas noras e dos seus três genros. Pensa ser assim que deve chamar ao companheiro de Afonso. Bom rapaz. E ele, o seu filho é feliz. Custou-lhe mas acabou por aceitar. Um escândalo no inicio. Os irmãos foram os piores, aliás dividiram-se como sempre acontece nas famílias. Uma vez mais teve que apanhar os cacos e colar a família. Um acto de reconstrução. Hoje coabitam todos, no Natal, diga-se, e ali na casa velha, os pruridos sociais desarmam-se para se tornarem todos filhos e irmãos. Lá fora, no frio do tempo fica o preconceito estreito de quem não sabe amar e aceitar. Cá dentro, tal como o seu coração, crepita a labareda viva da lareira afagando as vontades.

Mas se fora só o seu Afonso. Também o João e a Susana já se tinham divorciado, casado e sabe o que mais. E as netas e netos. Tudo diferente. Já se habituara ao desfile de caras novas. Buscavam a felicidade, tal como o tempo. A instabilidade era apanágio destes dias. Na sua opinião amavam demasiado o amor. Depois ficavam exauridos para amar o concreto. Mas como ela lá dizia para os seus botões. "Que cresçam, que sejam felizes!" Ela também fora diferente e hoje era uma Senhora de coração aberto e alma doce. Pensa amiúde: "A vida é a arte sublime do Homem" porque desprezá-la, então?

Um som forte agita-a. É o telemóvel.

-Estou? Sim?

-Rosarinho, vó.

-Diz , minha querida. Tudo bem?

-Vózinha querida -a voz treme muito, num soluço perdido. -Preciso de si, muito!

-Então, o que se passa, diz que fico aflita.

Um silêncio e um soluço e depois a voz entrecortada.

-O Pedro Maria deixou-me… saiu de casa. Oh Vó…tou tão…

-Minha querida acalma-te. Estás em condições de vir até cá?

-Sim, Vózinha…sim…

-Então espero-te ainda esta noite. Tem calma. Tudo se resolve.

Desligou, suspirou, levantou-se e dirigiu-se para a cozinha. Há que fazer uma boa canja. Depois logo se verá. De novo os cacos. Mais uma colagem, mais uma página lida que terá que ser relida. Ergue as mãos e murmura:

-Que sou Santinha, sei, mas um vá lá, um pouco de Temperança, também não me caía mal.

-" Não resmungues. A auto-comiseração não te fica bem. É mais uma oportunidade de seres útil. E tu sabes fazer isso. É a tua vida."

Olha em redor. Será que ouve vozes? Será? É a sua consciência. Uma inoportuna ao longo da vida, mas uma amiga também. Já refeita, solta uma gargalhada sólida e franca. Inspira a plenos pulmões e diz a meia voz:

-Vamos lá, então ver onde o barro partiu, se foi forno ou defeito…


29 agosto, 2007

As minhas 7+1 Maravilhas do Mundo

G i de Flores de Inverno lançou-me este desafio. Demorei tempo a pensar. A escolha exacta é quase impossível.

Viver um acto puramente físico mas regado de muita humanidade.

Amar todos os dias como quem trinca uma maçã suculenta.

Pensar em cada momento porque existo.

Sorrir aos momentos cintilantes e deixar as "chuvadas " caírem às vezes.

Recordar em cada momento quem somos e para onde vamos.

Passear no e pelo mundo entre as gentes .

Chorar quando estou feliz ou infeliz. Provar as lágrimas e saber que sinto.

E finalmente


Ser pessoa

Como é hábito deveria nomear alguém. Assim abro o desafio, a todos os que livremente quiserem ou desejarem fazê-lo.

Agradeço, delicadamente, a quem mo passou.

27 agosto, 2007

O sr. Sates


Palavroso, olhar vivo, face móvel. Figura esguia de pernas semi-arcadas e magras. Traseiro despido de carnes. Andar gingão, apressado, nervoso. É isso, nervoso, o sr. Sates.

Quem o conhece, sabe que não necessita de jornal a seu lado sobretudo do obituário e desgraças a fins. Num olhar e palavra rápida põe as notícias em perfil. Gosta de ser o centro das atenções.

Personagem viva das estações da vida, o sr. Sates é um ilustre reformado. Daí a sua verborreia sempre que disserta pelos vastos campos do saber ouvido aqui e além, mais acrescido do noticiário e alguma leitura de jornal.

Sim, uma pessoa documentada, porque não está ao alcance de todos discutir os meandros finos da política nacional e regional, saber das flutuações da bolsa, do endividamento dos portugueses, os preços do bacalhau, do pão, mais as fraldas do neto, e o ginásio da sra. Sates. Um homem aberto e actualizado. Porém, pasmem, isto é apenas uma pequena gota no oceano do conhecimento deste cavalheiro.

Não é pessoa bem quista apesar do riso franco, talvez por entre dentes fazer o corte, não é pessoa de amigos, talvez porque os diminui em vez de os mimar. Mas é figura conhecida do meio.

Num destes dias encontrei-o à saída do banco, pois é lugar de sua estima. Talvez para saber o saldo da sua farta conta. Estava um pouco apreensivo.

-Ora viva, não há olhos que o vejam.

-Sabe, tenho andado maleitado.

-Mas o que tem?

-Ora, já fiz as análises todas, mais os exames á prosta e nada, ando assim a modos que, quebrantado. É a estação, sabe eu não gosto do Outono, e ele já vem aí, a passos largos.

-E o médico que diz?

-Que está tudo bem. O "castrol" está bom, não tenho ácido úrico, o PSA também tem os valores certos.

-Então, Sates, está um jovem…

-Ah faço por isso, uma vida muito saudável. Como muito peixinho e nada de abusos. A minha Santa até já se queixa…

-Pois…Ó Sates, você é levado da breca…

E num tom brejeiro o Sates que na boca da sua Flor é um homem de múltiplas forças e andanças, começa a desfiar o rosário das poucas-vergonhas do burgo, de outros tempos, diga-se, e alguns destes, acrescente-se.


-É o que eu lhe digo, o filho da Maria Carrapichana, que tenha a alma em descanso, o Tó das Hortas, deu cabo dos dinheiritos todos com as quengas. Um corrupio… era só ver. E a mulher sabia. Depois meteu-se em negócios de pó, e agora está dentro. A filha que andava a estudar, agora é tão séria como o crivo. O que quer? Vidas. E ele, o malandro, até vem no pasquim da terra.

-Pois…coitado, a vida…

- Ah ,não é de cá, se não já sabia destas vidas. Eu, é que tenho uma vidinha muito decente. Não entro nessas. Não compreendo como é que tendo uma mulher limpa em casa, se anda atrás dessas marafonas. Ai, meu rico dinheirinho., e embalado continua…

-Sabe, eu tive uma estrelinha.,e consegui ganhar muito dinheiro. Foi Deus que me alumiou. Entrei na igreja e conversei com ELE. A partir daí, a vida correu-me bem. Tenho uns bons milhares. Mas sou muito simples…e não me meto em complicações. Só eu e a minha Flor.

Quem o ouvisse, esqueceria a tela real. O Sr. Sates conhecido por uma riqueza rápida, não se sabe vinda de onde, uma língua afiada e solta, uma propensão para maledicência," porque quando se fala dos outros poupa-se o tempo em falar de mim", um desejo incontrolável de falar, falar… desfiando verdades, criando patranhas mas sempre sobre a vida de alguém.

Ora num daqueles dias, estava o sr.Sates posto em observação lá para os lados da Câmara, onde cruzam várias personalidades, e onde obtém muito do seu noticiário, estava, dizia eu, magicando em alguma, eis senão quando, uma dor aguda, grave e esdrúxula, repuxa-o para um banco. Suores frios, desfiaram pela testa, costas e sabe-se lá onde mais. Zonzo de cabeça e língua, tenta pedir ajuda. Lá consegue e ala, lá vai ele a caminho do hospital.

Durante várias horas fez todos os exames e teve repouso, coisa que abomina, porque o descanso é sinónimo de calaceiro, e ele é muito trabalhador. Mas, o pobre do Sates, teve que cumprir. O médico foi peremptório, ou diminuía o ritmo ou ia desta para melhor. Ora se até então, a criatura já vivia obcecada pela longevidade e masculinidade que não desejava ver beliscada, a partir do momento, tornou-se quase eremita de gostos, palavras e acções. Quem o quisesse ver ,era ir até à igreja do burgo onde papava missas, ou ao jardim de sua casa onde descansava os braços. Os repastos eram sóbrios, longe da azáfama de restaurantes bem caros que propalava, frequentar, aos quatro ventos. As viagens, em excursão, até á vizinha Espanha, cessaram, pese o facto, da sua Flor argumentar em vão, e ter que retomar os enredos, ainda frescos das novelas. Apenas alguns fins-de-semana à sua casa, no Porto, junto ao mar, continuaram.

E o Sates passou a ser um homem sorridente, pouco falador, apenas criticando o treinador do seu Porto, pois que o dirigente, ele nem se atrevia. Um homem profundamente mudado. Pio, ponderado, humilde, e de considerações sobretudo para com "tradicionais" que anteriormente parecia desafiar em adjectivos. Os menos protegidos, esses, enfim nunca o tinham embalado muito, nem no período de condescendência moral e espiritual. É que as semelhanças foram muitas ,e depois um homem também gosta de esquecer.

O tempo rolou. O homem curou-se. Hoje é vê-lo de novo na ponta da língua crucificando as gentes, as vidas, e os dinheiros alheios, na rapidez convulsa da sua verve. O Sr. Sates, possui aquela graça de ser muito portuguesinho, tanto que chega a doer a quem o ouve…

-Ah, eu não digo mal de ninguém, mas as verdades têm que ser ditas. Aquele filho…

Sejamos bons portuguesinhos, pois!









26 agosto, 2007

Sylvie Guillem and Jonathan Cope in Manon

Um dos mais belos e perfeitos Pas de Deux(final).

25 agosto, 2007

[certificado+calimera.jpg].Agradeço a Calimera de http//ca-limera blogspot.com a atribuição.
E ,porque na minha opinião os blogs que visito, são bons, muito bons e excelentes a todos devolvo a nomeação, e que muitos e mais bons momentos venham.
Do mesmo modo agradeço também a Flor da Palavra pela simpatia demonstrada e pela atribuição do mesmo.
De igual modo agradeço também a Canto Poético. Um sincero obrigada.
Mais um obrigada a Momentos pela gentileza.






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Eduardo Prado Coelho
29 de Março de 1944 a 25 de Agosto de 2007
Eduardo Prado Coelho ...Porque uma primeira frase é sempre uma decisão, um corte no silêncio, no não-dito, naquilo que existe de acomodatício na soma de rasuras e interdições de que somos feitos..."
in Diário de Notícias, 2 de Novembro de 2003
Cartas a D. José Policarpo