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20 agosto, 2008



O Candelabro Dourado.

Eça nico-doces, esticado, augusto e elegante lança um olhar supérfluo ao ambiente. Há um pouco de déjà vu, que o torna afectado pelo excesso de trejeito. Porém lá no fundo, bem no fundo, brilha e rebrilha a pupila numa ironia captada ao pormenor. O nosso homem pára, e com um movimento todo ele em estribilho de dernière mode, sorrindo, aqui e ali, senta-se na mesa da esquerda mesmo junto ao passeio, aliás a única, mesmo ali defronte do táxi branco, um Mercedes forte de som rouco, apanágio de um motor fiável. Eça, cofia o bigode, encosta a bengala, sacode a ruga imperceptível da calça riscada e pega no monóculo, já em desuso mas tão chic. A tarde é morna. O calor veste o ar que sopra em brisa fugaz. Não pode varrer o tempo. Olha em redor, o caos organizado, próprio de quem está sempre em guarda. -Desde os idos de 1900, que o mundo que é mundo não muda mesmo - pensa o nosso elegante.

Uma dama de tons ocres aproxima-se. Sobressai-lhe o cinzento e o branco da cabeça. Há algo de imponente, e todavia de doce no feminino, que o olha desassombrada. Dizem que se chama Meir, Golda. Não possui o encanto franzino do personagem sentado, antes a solidez da luta perspicaz da vida. O nosso elegante levanta-se quando a dama se aproxima. Inclina-se respeitosamente. Sentam-se. Sorriem e estendem as mãos que se tocam. Um arrolhar de sons florescidos em lábios sorridentes, o eco perceptível da conversa é carregado pela onda de som até mim.

- Shalom meu querido Eça, há que séculos o não via nem ouvia…Finalmente ei-lo entre nós.

-Minha querida Golda, continua sempre afável. Um autêntico maná saído do Yom Kippur…

Golda solta uma forte e saborosa gargalhada. Depois recompondo-se, diz ainda, com as lágrimas a redobrarem-lhe o brilho das pupilas.

-Ó meu querido Eça, já sentia falta do seu humor corrosivo. Ai a falta que me tem feito, nem calcula.

-Pois, minha querida não me parece. Pelo reboliço que tem feito, não me parece que tenha tido tempo para se sentir infeliz…

-Não seja impertinente.

-Impertinente, eu? Já me parece um dos conselheiros lá do meu burgo… adiante. Mas Golda diga-me lá, porque é que anda nesse afã, que até me aprece o corridinho do Algarve…São as anexações, as guerrinhas, as perseguições, as extradições, um corre-corre de atropelos que me espantam.

-Ora, ora meu caro, vê-se mesmo que não conhece a nossa Torá. ”Porque Yah escolheu para si Yaacov e a Israel para seu tesouro particular” (salmo 135:4) …

-Não me diga, minha querida…- e o nosso querido Eça, deixa cair o monóculo, pestaneja, não do sol, mas da aberração e meio incrédulo, olha rispidamente a sua interlocutora acrescentando:

-Ora Golda não me faça crer, que todo este zurzir de pessoas, todo este fogo de raiva, todo este mal -estar no mundo, toda esta onda de ódio, todos os massacres que espirram sangue, infectando o ar de todos nós, a putrefacção dos sentimentos nobres, a primeira noção de irmão, companheiro, enfim o principio do homem, é pura e simplesmente retalhada e vituperada numa interpretação não humana mas antes politica. Não queira, minha querida, fazer-me acreditar que a sua Torá diz isso. Esta instabilidade na chave do mundo debita-se, porque algures, alguém acéfalo fez uma leitura de acordo com a sua necessidade bélica, política ou económica, jamais humana!

-Eça, meu amigo, mundo que é mundo, político que é político interpreta sempre de acordo com o que vai no gabinete. O gabinete, o partido, os homens, a politica, os interesses, o prestígio, o poder em resumo são a nossa Menorah. O querido amigo ainda é muito inocente, pese toda a sua diatribe linguística, o seu fino humor, a sua perspicácia, o seu savoir faire de mundo.

-Mas, Golda… embora laico, embora cínico, embora impuro, recordo sempre que matar os “homens e as mulheres de Amalek” significa a destruição. Porém não são os “filhos de Amalek” as sementes de dúvida que nos varrem a mente, não mais que os elos de cepticismo, de paixões abortadas, de ódios viscerais, de pensamentos néscios aviltantes na essência, de quereres retorcidos pelo ferro da vida, de tudo o que não somos e gostaríamos de ser, que perdido se torna na nossa negação de vida, são esses os”filhos de Amalek” que carece alojar no retábulo da criação, em vez de o depurar em acto de barbárie.

- “Isso se escreverá para a geração futura; e o povo que se criar louvará Yah”.- Belo, meu caro, e escandalosamente no silêncio quase tórrido do meio-dia lança ao ar uma gargalhada de desdém ao mesmo tempo que bate palmas.

-…?

-Oiça e memorize. Não seja pio, não seja crédulo, não seja sonhador. Eu e tantos outros políticos, tantos outros homens deste mundo, aos quais cabe a tarefa de gerir a vontade dos outros homens, simplesmente nos guiamos por este lema: “O mundo é de Deus, mas Ele aluga-o aos valentes”. Pode-lhe parecer cru, bárbaro mas no nosso mundo, neste mundo, que mesmo ao meu lado gira na sua fealdade de alma, naquele onde se mata, se morre, se nasce e se vive. Nesse mesmo, onde você e eu nos sentamos numa mesa de uma foto desbotada de vida, nesse mundo, dizia-lhe eu, já não existe espaço nem vento de concórdia, existem antes rios de desejo, águas de poder, ondas de aviltamento. A nossa recriação humana dos sete vícios. A Menorah moderna.

O sol a pique desfaz uma, não duas, pequenas sombras. Uma miragem, que em breve se desvanece, apenas coloco os meus óculos. Tudo está imutável. A terra continua a respirar.

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