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29 julho, 2007

Madame Bonlavout.


Chamam-lhe Madame Bonlavout de seu nome Aimée.

A velha senhora, de oitenta anos que sozinha cruza o Mediterrâneo. Poderá ser a sua última viagem. Tem consciência, mas goza-a, trincando, bebendo e rindo interiormente. Como sempre, aliás o fez.

Semi-deitada numa cadeira no convés, aspirando a brisa marítima, semi-cerra o olhar ainda fulgurante, enrola-se na manta e recorda:

Leopoldville…1928. Son papa e sa mére. Como eram jovens. Ela garotinha. Lembra-se do branco do seu vestido de musselina, do chapéu, dos sapatos de botão. E maman, quelle beauté!… O cheiro adocicado mistura-se no ar de braço dado com o calor. O colorido envolve-a. O céu é azul, muito azul.

Outro lugar, outra memória. A casa... Son pápá brincando com ela nos braços, rodando. Rodando. Como era alto e forte.

-Viens , ma petite, viens… e ela corre enterra o rosto naquele peito largo… E maman? Diz:

-Leopold, estragas esta pequena com mimos…

Cresceu assim, entre mimos e desejos completos. Uma infância de promessas. A terra que a viu nascer era forte, quente e doce. Era África. Cheirava a tubérculos, terra húmida, baunilha e canela. A vida palpitante. Viveu descuidada, era tudo simples. Pensava…

Foi naquele ano, recorda 1940.Tinha vinte anos. Era bela, diziam e sabia-o. Tornara-se impertinente. Tinha o mundo a seus pés. Foi, então que o conheceu.

A fazenda precisava de um novo capataz. Ele veio e Aimée…amou…

Recorda as acácias em flor, o cheiro adocicado, os beijos quentes, as carícias, a sua entrega total. Um feitiço…como a terra que os sustentava. E noite após noite o frémito apossava-se das suas entranhas … e Gérard satisfazia-o. Acabavam adormecendo enroscados. O odor era de musgos e terra. Forte, envolvente e floral. Uma brisa de paixão. Mas… Mademoiselle, sua preceptora, professora, chaperonne e sabe Deus que mais, ameaçou-a de contar aos pais, que a história tinha ido demasiado longe. Que tinha que parar. Ela, era Aimée Bonlavout.

Um mês depois estava casada com Alberto. Recorda o dia do casamento e as palavras do pai.

-Est-ce-que tu es heureuse, ma petite? Oui, papá…e depois as palavras que lhe ficaram gravadas até agora.

-Esperei que lutasses. Esperei mais de ti…

Não sabe explicar o odor que sentiu, então. Ácido, e bolorento. Quase desagradável.

Alberto, foi possivelmente o seu maior erro e fardo. Mas carregou-o dignamente. Era fraco, manipulável, dependente, apenas um bom político… Ela, soube sempre dar graça e charme à sua carreira. A sua beleza e elegância eram por demais conhecidas. O seu carácter foi moldado na força do vazio. Tornou-se forte, lutadora, enérgica, une femme de pantalons e aux pantalons, espalhando um perfume frutado de pomelo e bergamota com pequenos laivos de mandarina e limão. Trés chic.

Já nos anos 60, quando embarcou naquele outro paquete, o Índia, e foi buscar o seu petit-fils a Goa, tinham-na chamado de louca. Ainda lhe ecoavam as palavras:

- Madame, não vá, é uma longa viagem e não sabe o que a espera .Há escaramuças graves Respondera sempre:

- Claro que irei, é o meu neto. Não vou perdê-lo. Jamais!

E fora ,e voltara.

Sempre com força ânimo e muita elegância. Alberto morrera, o neto crescera, depois uma neta. O ciclo de vida fechara-se.

Não concordava com estas ideias liberais, nem com a vida de família si petite bourgeoise de sa fille e son beau-fils. Pensavam ser personagens de uma tela mas, afinal, eram apenas esquiços breves de vidas.

Vivia sozinha, mas viva nas suas recordações.

Soergue-se na cadeira, ao longe o mar, imutável pedaço de verde-azulado embala-lhe assim as recordações. Alguém se aproxima… o Imediato… Soergue-se ligeiramente e lânguida estende a mão esguia. A cabeça está livre do encosto, e move-a com a graça altiva da sua idade, levemente, o suficiente para ter o rosto livre.

-Ah, Madame je vous cherchais… fala um francês correcto apesar de ser Russo. É galante.

Sorrindo, responde:

-Sim?

-Esta noite, o comandante convida-a para a sua mesa…

-Ah, mercie. Com todo o prazer.

Coquette estende a mão que rapidamente é aprisionada pelo cavalheiro de cãs já brancas que desprende um cheiro amadeirado a cedro, tão masculino. Aimée, esconde a idade. São aqueles rostos intemporais que o tempo poupa. Ligeira, caminha lado a lado de Sergei. Junto à porta despede-se, com um au revoir….

Deliciosamente inconsciente, Aimée deixou-se conduzir ao longo do jantar pelo seu anfitrião.

Havia tantos anos que não era assim mimada! Esqueceu a sua vida, os seus cheiros e beijou a alegria. Que dança ,que baile ,que sonho…!

Eis que as luzes se apagam… e rebentam as vozes em som de parabéns… são os seus oitenta anos!

Aimée deixa rolar uma gota pelo rosto mas, helás, agradece sorrindo. É a sua apoteose. As palmas são-lhe devidas.

Já tarde ,bem tarde. Acompanhada regressa ao seu camarote. Páram na amurada. Olham o mar, está negro, denso. Não se separa do céu senão pelos seus pontos cintilantes.

- A lua, onde está? - pergunta

- Ici, sur nos têtes, ma chérie diz-lhe, Kóstia, o comandante.

Inclina-se sobre ela e aflora-lhe um suave beijo nos lábios. Algo de furtivo e doce. Algo… e

lenta, engrossando, vem um odor baunilhado mas tem musgo e bergamota. Mandarina e canela. Lavanda e tubérculos. Tem limão e um pouco de bolor. Pomelo e vetiver. Tem os cheiros da sua Infância, da sua Terra, do seu Amor, da sua Vida…Que a salpica de emoção e suavemente, qual criança retribui o beijo… o seu último beijo de Amor.



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E agora meus amigos.. entro em período de descanso... umas fériazinhas... a banhos...

Até qualquer dia... Um doce beijo.