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30 dezembro, 2013

Receita de Ano Novo
Carlos Drummond de Andrade


Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido
(mal vivido ou talvez sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?).
Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
. .

05 dezembro, 2013

Um conto de Natal?

Um conto de natal? 


Passava, inertes os dedos, pela barba grisalha de muitos anos já paridos na miséria da vida. Gretados e secos esticavam-se os lábios na secura de uma boca vazia. Ralos e engordurados pingavam os cabelos numa cabeça já moribunda de querer. Retorcido de tormenta, quebrado de sentir e amassado de sofrimento, o corpo arrastava-se pendurado numas pernas roídas de vagueio. Os pés grandes e escuros, quase labregos de caminhar, trauteavam ainda os passeios na busca mirabolante do amanhã. Um homem de 2013. Um homem português. Um homem roto de anseios cujo olhar parecia vazio como se fora cego de futuro.

O ar da noite, de um inverno gélido, triste e esfomeado, lava-lhe o rosto. As narinas abriam-se num respirar exangue de ritmo. Longe, muito longe chegara-lhe um leve cheiro a Natal. Seria? Talvez! Bah que importava!

Mais uma promessa, mais uma mentira, mais um litania, mais e mais de muito menos. Recolheu o nariz no rosto. Afiou o rosto na garganta, retorceu ainda mais o corpo, emaranhou-se nas pernas trôpegas de linfa e cambaleando desandou em direção ao mundo.

Natal, dizem é quando um homem quer, será?

. .

04 dezembro, 2013



Poema de Natal
Vinicius de Moraes

Para isso fomos feitos
para lembrar, e ser lembrados
para chorar e fazer chorar
para enterrar os nosso mortos.
Por isso temos braços longos para os adeuses,
maos para colher o que foi dado,
dedos para cavar a terra.
Assim sera a nossa vida
uma tarde sempre a esquecer,
uma estrela a se apagar na treva,
um caminho entre dois túmulos.
Por isso precisamos velar,falar baixo,pisar leve
ver a noite dormir em silencio
não ha muito o que dizer
uma cançao sobre um berço,
uma verso talvez de amor,
uma prece por quem se vai.
mais que essa hora nao esqueça
e por ela os nossos coraçoes se deixem graves e simples,
pois para isso fomos feitos.
Para a esperança do milagre,
para a a participaçao da poesia,
para ver a face da morte.
De repente nunca mais esperaremos.
Hoje a noite é jovem
Da morte apenas nascemos...imensamente