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27 março, 2009

Beija-Flor




Beija-Flor

Beija-flor trinou batendo as asas num repique de graça. Poisou devagarinho no cardeal cor de ciclame e olhou em redor. Beija-flor descansou.

O sol escorria numa quentura morna de sentidos. As folhas verdes gotejavam de brilho. O ar colava-se ao corpo.

Naquela hora, a modorra visitava a natureza mais o homem. Porém beija-flor continuava trinando, a melodia chegou no vento à casa amarela. Clarisse deitou a perna cor de canela para fora do lençol. Rolou a carne na tepidez do ar. Salivou os lábios túrgidos, pestanejou, bocejou e botou o braço para fora. Depois apurou o ouvido. O trinado do beija-flor picou-lhe a orelha.

Beija-flor tinha voltado. Era tempo de amor

Dengosa enrolou as pernas rebolando as ancas. O gesto destapou uma ode de canela perfumada e palpitante. Faceira agitou os caracóis apertados que teimavam em tapar-lhe o olho de veludo. Estendeu a vista por baixo e gostou do que viu. Mulata boa e tenra. Ela sabia. O corpo pedia e o desejo subia.

E beija-flor trinava.

Cobriu o corpo lindo com vestidinho de alcinhas. Algodão vermelho macio. Sozinho, assim em cima da carne. Uma simplicidade feita beleza.

Enfiou os pés nas chinelas e saiu para a rua. O desejo mole alagou-lhe os seios. Uma coceira redonda. De cima para baixo, e, de baixo até cima. Um zumbido sem tino.

Bateu o portão do quintal. O calor envolveu-a ainda mais. Um treme-treme a ardejar-lhe o corpo. Clarisse zonzou. Deu um passo, mais outro e o requebro de anca tomou conta dela. Gostou.

O beija-flor a trinar e Clarisse a menear.

Vai mato dentro. A melodia chama-a. Beija-flor é o seu maestro.

Bilhó, mulato escorreito está jardinando. Vê Clarisse no vestidinho vermelho descendo a rua e dengando a cada passo. Não despega olho, não. Aquela moça tem mandinga. Aquele meneio de canela abrasa-o. Clarisse vai já longe. Levanta-se, deixa o sachinho mais o balde de lado. As flores que esperem. Ele tem que ir colher aqueloutra flor. Já na rua, estuga o passo como se fora gato esticado. Pé aqui, pé ali, na pegada do feitiço de canela. O sol ateia-o ainda mais.

E beija-flor a encantar,

Clarisse ouve cada vez mais perto aquela flauta de trinados tão puros. Parece som de prata a cair na água. Tão lindo! Tão lindo que até dói. E o calor que alaga o corpo. Sente as coxas molhadas. Espreita por dentro do vestidinho de alças. Tudo parece maior. Cresceu. Sente a cabeça a rodar. Olha em volta e de revés. Vê mulato Bilhó. Rapaz bonito e enxuto.

Gosta.

Sente o latejo do seu corpo de canela. Olha-o de soslaio. Espicaça-o. Freme. Pára. Corta um cardeal da sebe de Dona Letinha. Mexe na flor, acariciando o estame erguido. Passa-a pelo rosto olhando para trás de olho bem aberto, lança uma gargalhada. Ai, que ele vem vindo. Ai!

Beija-flor continua trinando e Clarisse dengando.

Aquele tecer insinuante de sentidos faz a coragem de Bilhó subir como se fora balão redondo escapulindo da mão de menino. Estuga o passo. As pernas ágeis desentorpeçam os passos da distância. E chega-se por trás assim devagarinho. Passa-lhe a mão na nádega que adivinha firme e de jeito coloca-se a seu lado.

Sorriem. Olho no olho. Há a luz do desejo a verdade não tem palavras. Tem gesto.

Dão as mãos. Os braços balançam ao ritmo do andar. Bamboleado em jeito de partilha. Um bater de asas contínuo como se fora beija-flor.

A acácia está florida, o cheiro enreda mais. Clarisse encosta- se ao velho tronco. Defronte beija-flor pipila sobre a folha verde da samambaia. Parou agora. Parece que os está mirando. Bate as asas, assim, sem parar. São as asas de beija-flor ou as mãos de Bilhó num desatino na sua carne de canela?

Suspira fundo, de prazer e fecha os olhos.

Clarisse não sabe mais onde está. Tudo rodopia. O sentido do mundo gira no ventre de canela. A maldição de mulher no suspiro do prazer, fá-la estremecer. Que gostosura, que mundo de sentir. Bilhó é macho possante. Dá-lhe o prazer da vida no reboliço de um vai e vem. Clarisse geme e geme. Trinado de mulher. Pipilar de fêmea. Primícias

Na árvore beija-flor humedeceu. Está quedo. Os olhos mais a cabecita movem-se irrequietos.

A música mudou. Cicios de mulher em pauta de sentir.

Beija-flor pia solitário.Logo, logo, um outro e mais outro…e ai, outro ainda, soam em redor.

Pipilo ou cicio? Beija-flor ou Clarisse?

Confusão!

Sob a acácia as vitualhas do prazer jazem em silêncio. Escuta-se o segredo da tarde embrulhado num trapo de sentidos já contados. Clarisse sonolenta de gozo, estende a mão para o rosto de Bilhó. Interlúdio de carne. Estrofe de som.

A samambaia estremece no seu verde. Beija-flor saltita. Um toque aqui, outro ali. A carícia de uma asa. Um esvoaçar permanente. Uma íris de cores. Beija-flor está feliz.

Beija-flor ou Clarisse?

Pássaro ou mulher? Pipilo ou cicio? Quem sabe? Quem ouviu?

Gente não foi.

Na casa amarela a tarde acordou. Clarisse sentada no banco da cozinha descasca o feijão. Ploc, ploc e o grão vai caindo na bacia azul. E a bacia vai enchendo, enchendo tal como o devaneio de Clarisse.

Algures um beija-flor, um benjamim de ilusão vai esvoaçando…


.

Songbirds - Corciolli
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11 comentários:

tiaselma.com disse...

Transbordam lirismo e sensualidade! Envolvente narrativa! Mais um primor de texto, assim tão delicado. Como um beija-flor.

Beijocas desta fã do outro lado do oceano.

as velas ardem ate ao fim disse...

Engraçado a musica que tenho no meu blogge chama se bird girl...

um bjo

Gabriela Rocha Martins disse...

engraçado ... o teu conto lembra.me muito um outro que ganhou ,há tês anos ,o 1º prémio do "Prémio Litterarius" na modalidade conto .há um cheiro fortíssimo a terra ,a desejo e tudo se passa numa profusão de cheiros e sons dulcíssimos .mas quentes .muito quentes .deliciei.me e deixei.me levar ao sabor das tuas palavras muito bem escritas



.
um beijo

Anônimo disse...

Gosto de tuas histórias. Essa a mim me tocou muito.

secreto segredo

Gabriela Rocha Martins disse...

não ,minha querida Mateso ,de facto houve muitas coisas que mudaram ... e asseguro.te que algumas máscaras cairam e deixaram.nos ver os rostos descarnados ... sinceramente ,não gostei e não gosto


por isso ,retiro.me pela esquerda ( onde me sinto como um peixinho na água ) baixa


.
um beijo ,minha querida
( porque mais não digo ,não vás pensar que é provocação .ehehehehe )

Laura Ferreira disse...

Lindo! Tão musical...

Paula Raposo disse...

Perfeito!! Li de um fôlego. Tanta sensualidade faz vibrar. Beijos.

~pi disse...

ciciando tudo

ciciando

nada,




beijo





~

Nilson Barcelli disse...

Mais um texto delicioso.
Parabéns pela qualidade, que é inegável nas tuas belas palavras.
A foto é inteligente e linda.
Boa semana, beijo.

Mar Arável disse...

Como se as palavras fossem um rio

e são

neste texto que de tão leve

e belo

prende lábios nos lábios

e nos interroga

bjs

O Puma disse...

o PUMA SALTOU

E APLAUDIU

TANTA SENSIBILIDADE